terça-feira, 15 de março de 2011

(2011/176) Karl-Otto Apel em entrevista a Luiz Felipe Pondé - da tentativa (do desejo apenas?) de superação da crise de verificação do conhecimento II

1. Começo minha série de comentários à entrevista de Karl-Otto Apel a Luiz Felipe Pondé, para a qual Jimmy me chamou atenção - talvez ele mesmo digne-se a rabiscar algumas linhas. Quanto a mim, não está em meu poder recusar essa análise - não é nenhuma outra questão a minha questão: a questão do critério para a validação do conhecimento. Não estou certo de chegar ao mesmo destino de Apel - mas parti de onde ele partiu (Hermenêutica) e enfrento o mesmo problema e - quase - os mesmos "adversários" - o relativismo linguístico-hermenêutico-pramágico-semiótico de algumas tradições "filosóficas" ocidentais.

2. Assim se expressou Pondé, na apresentação da entrevista: "como ultrapassar a semiótica, o pragmatismo, a hermenêutica e o historicismo racionalmente? Pela prática de uma pragmática transcendental baseada em uma racionalidade argumentativa não-estratégica".

3. Bem, da forma como vejo, desde que você não tome o termo História - como se quer, algures - como sinônimo de Romance, não diria que "historicismo" seja um correlato necessário para "pragmatismo", "hermenêutica" e "semiótica". Pragmatismo é pragmatismo, já que se trata de Rorty. Com semiótica, por outro lado, se deveria ser mais preciso, mas parece tratar-se daquelas correntes estruturalizantes, ainda que disfarçadas, ou aquelas que se deixam pressupor por uma semantização do próprio objeto (quando sentido é função da mente humana - nunca, das coisas). Com hermenêutica, se trata da linha de chegada do termo, aquele percurso que vai do segundo Heidegger (Linguagem) a Gadamer (Tradição).

4. Quanto a mim, sou um "historiador" do pensamento veterotestamentário, um "cientista da religião" - nesse caso, especificamente, da religião de "Israel" (nos meus próprios termos, um teólogo). A História, para mim, nada, absolutamente nada, tem de não-fundamental, de "pragmático" - de "semiótico": a História, para mim, é atividade venatória, de caça - para citar Bloch e Ginzburg de uma vez só - atividade indiciária, arqueológica, a despeito dos rumos "pós-modernos" que se decidiu dar a ela aqui e ali. Não se pode fazer a História depreender da "relativização" dos fundamentos - a relativização dos fundamentos é que se seguiu à História, e, todavia, não como correlato necessário desse "valor" romântico, mas, muito mais, como crise teológica não-assim identificada de consciências arrancadas do "conforto" dos fundamentos divinos.

5. Assim, feitas essas observações, também aceitaria para mim essa tarefa: ultrapassar todas as correntes que sofrem do mal do século XX - e não sei se estão conscientes disso: filhos de dois mil e quinhentos anos de Platão e Paulo, de quinhentos anos de Descartes, o raciocínio é assim: ou o fundamento é divino, ou não há fundamento. Como não pode mais ser divino, não lhes resta outro caminho que não inverter a fórmula dogmática clássica: não há mais fundamento alguns, tudo é um mar de caos incontrolável, desprovido de critério. E Calvino retorna à cena - nós, seres humanos, somos epifenômenos linguísticos, tradicionais - não existimos, de fato: Outras coisas existem por meio de nós...

6. Longe de mim esse tipo de pressuposto. Para mim está claro que não há - ao menos em nosso nível de consciência - fundamentos divinos possíveis e cognoscíveis. E, no entanto, a vida continua aí: o que antes chamávamos de fundamentos divinos eram o que sempre foram, independemente do que delas dizíamos. E o que podem ser constitui-se de fundamentos locais, válidos sob determinadas circunstâncias, mas não absolutamente sempre e sempre válidos. Não é verdade que, na ausência de Deus, logo não haja fundamentos - o que não há, na ausência de Deus, são fundamentos divinos. Mas, alto lá!, nós permanecemos: seres vivos, biológicos, situados - os fundamentos estão aí, mas não são - nunca foram! - divinos: são humanos.

7. Mas, eis a questão: quais?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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