_ E o senhor se lembra daqueles dias?
_ Ah, meu filho, faz muito tempo. Muita coisa já esqueci. Eva lembra mais. Eu, a terra me levou muita memória.
_ Do que o senhor se lembra?
_ De não ter olhado para trás.
_ Não olhou para trás.
_ Lembro-me de não ter olhado.
_ E por que não olhou para trás?
_ Porque eu acabara de descobrir que havia um mundo lá fora, e estava, então, muito curioso sobre ele, sobre o que encontraríamos lá fora.
_ E por causa do Querubim e da espada de fogo...
_ Não me lembro de Querubim algum. Acho que se escreveu isso da espada de fogo para dar a impressão de que Eva e eu tenhamos querido voltar.
_ E não quiseram?
_ Bem, meu jovem, se Querubim lá houve, empregou-se-lhe à toa - Eva e eu jamais desejamos voltar.
_ Por causa da curiosidade do que haveria aqui fora...
_ Sim, e porque descobrimos o que é bom e o que é mau, descobrimos que nós é que temos de escolher o que é bom e o que é mau. Não é bom quando alguém se mete a escolher pra você.
_ E escolheram?
_ Ainda hoje. O que é a vida, meu jovem, do que essa incessante sucessão de escolhas do que é bom e do que é mau? As coisas velhas vão sendo classificadas, as novas vão sendo descobertas, e a gente vai vivendo, às vezes bem, às vezes, não tão bem, mas é a vida da gente, a nossa liberdade.
_ Mas o preço não foi alto?
_ De sair? Minha avaliação é de que não foi, não. Olhando hoje para aqueles dias, com os olhos de hoje, vou te contar, era muito chato. Acho que a vida é o que ela tem de ser. É verdade que há injustiça, suor, dor, mas isso faz parte da vida.
_ A maldição...
_ Que maldição que nada. Faz parte da vida. Pegou-se foi essa parte da vida e se disse que isso era maldição, mas o que se quis foi fazer a gente ter culpa.
_ E não tem?
_ Tem e não tem. Tem, porque a gente erra. Todo mundo faz coisas erradas, faz parte da liberdade, e não apenas porque a liberdade nos dá direito de fazer coisas erradas, mas porque agimos de modo errado sem saber, muitas vezes. Mas não, também, porque essa forma de ser é da própria vida, não há, aí, nenhuma culpa que mereça a morte de um boi, muito menos de uma pessoa.
_ Discorda do sacrifício do boi?
_ Salvo para o churrasco...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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