1. Tenho cá meu modo muito particular de escrever - muita ironia (em Teologia no Divã, publicado na Pistis & Praxis, minha amiga Mary Rute Esperandio encontrou "excessivas ironias", subtraí-as com liberalidade, o artigo foi publicado e... ainda restaram muitas), muita hipérbole, recursos retóricos, obviamente, porque talvez não seja realmente um bom "jornalista", talvez nem mesmo um bom historiador eu daria, conquanto assim meu amigo Haroldo me julgue - talvez, vá saber, eu desse um bom advogado...
2. No início do meu doutorado, caiu-me a mão, sem querer, Morin. Devorei os seis volumes de O Método - para mim, uma das obras mais importantes do século XX, uma preparação à altura dos desafios do século XXI. Sem nenhum tempo para fazer uma resenha à altura da coleção, criei um pequeno espaço em ouviroevento, e escrevi a declaração sensacionalista: "se eu fosse você, parava de fazer tudo que estou fazendo... e lia Morin". Sensacionalista ou não, ainda penso assim. Mas julgo-me cada vez mais um revolucionário menor, alguém absolutamente desprovido da capacidade de convencer quem quer que seja a fazer qualquer coisa, porque, de todos que me cercam, que eu saiba, apenas um, que nem aluno regular meu era, dedicou-se ao trabalho. Mesmo meus amigos mais chegados passaram à distância de minha recomendação, e os vejo penando com questões já superadas por Morin - mas eles não me crêem...
3. Essa lição deveria ser suficiente para eu perder a mania de achar que uma observação que faço mereça atenção dos transeuntes. Todavia, além de irônico e hiperbólico, sou compulsivo, de modo que, mesmo sabendo que dizê-lo e não dizê-lo dá no mesmo, não me furtarei à sensação estética de o dizer: "parem tudo o que estão fazendo e leiam Losurdo". Principalmente teólogos, filósofos e cientistas políticos - é absolutamente desconstrucionista a obra - para mim - máxima desse historiador: Nietzsche, o rebelde aristocrata. Como o próprio Losurdo afirmou, o caráter aforístico da obra de Nietzsche facilita que qualquer um tome seu discurso e o aplique ao que quer que deseje, e, meus amigos, isso criou uma absurda nuvem de escombros e fuligem histórico-filosófica sobre o filósofo. Já li muita coisa sobre Nietzsche - isto é, para os padrões de um teólogo, claro -, e nunca li nada comparado ao que Losurdo escreve. Nietzsche, para mim, até hoje, fora um desconhecido, e, pelo que sei do que de Nietzsche falam e escrevem expoentes da filosofia internacional, também eles conhecem outra pessoa, talvez criação de seus desejos político-filosóficos - mas não Nietzsche. Não posso crer que, conhecendo esse Nietzsche que Losurdo descreve em detalhes - "cada parágrafo" de Losurdo se faz acompanhar de tripla fonte: obras de Nietzshce, suas cartas escritas e recebidas e obras de terceiros -, escrevam dele o que se escreve.
4. É curioso como ocorre com Nietzsche exatamente o que ocorreu com Jesus - o que Jesus foi, de fato, enquanto homem histórico, não cabe em qualquer dos cômodos da catedral doutrinária erigida pela Teologia (por isso se prefere a metáfora à história, porque a história reduziria a uma fantasia 9/10 da "tradição", ao passo que a metáfora mantém as rotativas rodando, rodando, rodando...). O Jesus histórico ficaria horrorizado, se lhe contassem sobre o que fizeram com sua imagem. Algo muito parecido ocorre com Nietzsche - por razões sabe Deus quais, inventaram-nos um outro Nietzsche, talvez o tenham instrumentalizado, de modo que o Nietzsche de carne e osso - mas de que servem os homens de carne e osso? - jaz sepultado e morto. Já o Nietzsche-metáfora e o Cristo-da-fé freqüentam os salões - inclusive no mesmo time.
5. Morto - todavia, não tão definitivamente que não possa ser exumado (falo do filósofo, evidentemente!) - e Losurdo cavou fundo! Começo a perceber que terei de rever parte considerável de minhas percepções sobre Nietzsche - não há nada de necessariamente ruim nisso. Todavia, aprendo, mais uma vez, que deixar o trabalho de nos informar sobre o passado a filósofos e teólogos é pedir para ser enganado, é gostar de ser enganado (ou de engar, eventualmente?), e preferir a dissimulação, o engodo, a estética das montagens convenientes, a plástica teatral dos interesses - à facticidade da história, que, a despeito das teses narratológicas, ri-se de nós, porque não há esforço humano capaz de apagar o passado, conquanto um simples gesto de esferográfica possa adulterá-lo. Sob a tinta azul, entre a tinta e a celulose branca, sobre a linha da pauta, espera, pacientemente, o fato. E como os fatos são fáceis de colher, meus amigos - como peixes em lagoas deles fervilhada - eles saltam para nós, quando os queremos, de fato.
6. No entanto, eu pressinto, o movimento de interrupção da série de fantasias metafóricas sobre Nietzsche não deve terminar tão cedo. O recurso à metáfora é um modo de nos apropriarmos da sagacidade filosófica, da falta de floreios, da lucidez irradiante de Nietzsche, desviando-nos de sua patológica consciência de classe, sua compulsão aristocrática, sua posição política escravocrata, cínica, um Marx ao contrário, surpreendentemente, nesse sentido, um signatário da República - daquela, que os filósofos também escondem, uma vez que Maquiavel, ao lado de Platão, assume as feições de Gandhi...
7. Losurdo deve ser lido. Sim, ele nos assedia no momento em que estamos a fechar dissertações, a encadernar teses, a publicar textos intermináveis - e, tão logo toquemos a caixa mágica que nos chega à mão, nossos textos, todos, são como que imediatamente corroídos pelo tempo, como que devorados por traças, como que diluídos em ácido, e revelam-se... quimera... Sim, haveremos de perder muito do que cuidamos saber, e muito do que escrevemos há de ser lançado à lava ígnea das bobagens. No entanto, meus amigos, sairemos de Losurdo com carne e ossos nas mãos, e saberemos, finalmente, quem foi e o que disse aquele filósofo cujo fim foi a loucura.
8. Acho que terei de ler Nietzsche todo outra vez. "Zaratustra não deve falar ao povo" - e, todavia, eu o ouvi, e agora é tarde, meu amigo...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. No início do meu doutorado, caiu-me a mão, sem querer, Morin. Devorei os seis volumes de O Método - para mim, uma das obras mais importantes do século XX, uma preparação à altura dos desafios do século XXI. Sem nenhum tempo para fazer uma resenha à altura da coleção, criei um pequeno espaço em ouviroevento, e escrevi a declaração sensacionalista: "se eu fosse você, parava de fazer tudo que estou fazendo... e lia Morin". Sensacionalista ou não, ainda penso assim. Mas julgo-me cada vez mais um revolucionário menor, alguém absolutamente desprovido da capacidade de convencer quem quer que seja a fazer qualquer coisa, porque, de todos que me cercam, que eu saiba, apenas um, que nem aluno regular meu era, dedicou-se ao trabalho. Mesmo meus amigos mais chegados passaram à distância de minha recomendação, e os vejo penando com questões já superadas por Morin - mas eles não me crêem...
3. Essa lição deveria ser suficiente para eu perder a mania de achar que uma observação que faço mereça atenção dos transeuntes. Todavia, além de irônico e hiperbólico, sou compulsivo, de modo que, mesmo sabendo que dizê-lo e não dizê-lo dá no mesmo, não me furtarei à sensação estética de o dizer: "parem tudo o que estão fazendo e leiam Losurdo". Principalmente teólogos, filósofos e cientistas políticos - é absolutamente desconstrucionista a obra - para mim - máxima desse historiador: Nietzsche, o rebelde aristocrata. Como o próprio Losurdo afirmou, o caráter aforístico da obra de Nietzsche facilita que qualquer um tome seu discurso e o aplique ao que quer que deseje, e, meus amigos, isso criou uma absurda nuvem de escombros e fuligem histórico-filosófica sobre o filósofo. Já li muita coisa sobre Nietzsche - isto é, para os padrões de um teólogo, claro -, e nunca li nada comparado ao que Losurdo escreve. Nietzsche, para mim, até hoje, fora um desconhecido, e, pelo que sei do que de Nietzsche falam e escrevem expoentes da filosofia internacional, também eles conhecem outra pessoa, talvez criação de seus desejos político-filosóficos - mas não Nietzsche. Não posso crer que, conhecendo esse Nietzsche que Losurdo descreve em detalhes - "cada parágrafo" de Losurdo se faz acompanhar de tripla fonte: obras de Nietzshce, suas cartas escritas e recebidas e obras de terceiros -, escrevam dele o que se escreve.
4. É curioso como ocorre com Nietzsche exatamente o que ocorreu com Jesus - o que Jesus foi, de fato, enquanto homem histórico, não cabe em qualquer dos cômodos da catedral doutrinária erigida pela Teologia (por isso se prefere a metáfora à história, porque a história reduziria a uma fantasia 9/10 da "tradição", ao passo que a metáfora mantém as rotativas rodando, rodando, rodando...). O Jesus histórico ficaria horrorizado, se lhe contassem sobre o que fizeram com sua imagem. Algo muito parecido ocorre com Nietzsche - por razões sabe Deus quais, inventaram-nos um outro Nietzsche, talvez o tenham instrumentalizado, de modo que o Nietzsche de carne e osso - mas de que servem os homens de carne e osso? - jaz sepultado e morto. Já o Nietzsche-metáfora e o Cristo-da-fé freqüentam os salões - inclusive no mesmo time.
5. Morto - todavia, não tão definitivamente que não possa ser exumado (falo do filósofo, evidentemente!) - e Losurdo cavou fundo! Começo a perceber que terei de rever parte considerável de minhas percepções sobre Nietzsche - não há nada de necessariamente ruim nisso. Todavia, aprendo, mais uma vez, que deixar o trabalho de nos informar sobre o passado a filósofos e teólogos é pedir para ser enganado, é gostar de ser enganado (ou de engar, eventualmente?), e preferir a dissimulação, o engodo, a estética das montagens convenientes, a plástica teatral dos interesses - à facticidade da história, que, a despeito das teses narratológicas, ri-se de nós, porque não há esforço humano capaz de apagar o passado, conquanto um simples gesto de esferográfica possa adulterá-lo. Sob a tinta azul, entre a tinta e a celulose branca, sobre a linha da pauta, espera, pacientemente, o fato. E como os fatos são fáceis de colher, meus amigos - como peixes em lagoas deles fervilhada - eles saltam para nós, quando os queremos, de fato.
6. No entanto, eu pressinto, o movimento de interrupção da série de fantasias metafóricas sobre Nietzsche não deve terminar tão cedo. O recurso à metáfora é um modo de nos apropriarmos da sagacidade filosófica, da falta de floreios, da lucidez irradiante de Nietzsche, desviando-nos de sua patológica consciência de classe, sua compulsão aristocrática, sua posição política escravocrata, cínica, um Marx ao contrário, surpreendentemente, nesse sentido, um signatário da República - daquela, que os filósofos também escondem, uma vez que Maquiavel, ao lado de Platão, assume as feições de Gandhi...
7. Losurdo deve ser lido. Sim, ele nos assedia no momento em que estamos a fechar dissertações, a encadernar teses, a publicar textos intermináveis - e, tão logo toquemos a caixa mágica que nos chega à mão, nossos textos, todos, são como que imediatamente corroídos pelo tempo, como que devorados por traças, como que diluídos em ácido, e revelam-se... quimera... Sim, haveremos de perder muito do que cuidamos saber, e muito do que escrevemos há de ser lançado à lava ígnea das bobagens. No entanto, meus amigos, sairemos de Losurdo com carne e ossos nas mãos, e saberemos, finalmente, quem foi e o que disse aquele filósofo cujo fim foi a loucura.
8. Acho que terei de ler Nietzsche todo outra vez. "Zaratustra não deve falar ao povo" - e, todavia, eu o ouvi, e agora é tarde, meu amigo...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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