sábado, 6 de novembro de 2010

(2010/557) Manuel Castells - "o Poder tem medo da Internet": Osvaldo Luiz Ribeiro: tem sim, tem pavor!


1. O site do Nassif, na verdade um portal, muito mais do que um site, publicou uma entrevista de Manuel Castells a respeito da Internet. Castells é sociológo, dos mais citados no planeta, e tem se dedicado a estudar a "sociedade da informação", e, mais recentemente, a Internet. Sua(s) tese(s) confirma(m) minhas suspeitas - e minha experiência: 1) quem é sociável, torna-se ainda mais sociável na Internet (meus filhos são comprovação viva disso - tinham centenas de amigos, na vida real, pré-Net, e, agora, têm isso e mais trocentos contatos, dentre os quais, alguns amigos mais; já eu, um bicho do mato, com raríssimas amizades de freqüência mútua na vida real, não crio nem comunidades sociáveis na Rede. Outra tese: 2) o Poder - fala-se de "política"-, tem medo da Internet, porque não a controla, e o Poder, até hoje, (só) soube trabalhar por meio do controle político-social das pessoas, da informação e da comunicação.

2. Cá entre nós - trata-se de um óbvio ululante. Há quase quinhentos anos, Domenico Scandella, vulgo Menocchio, cuja vida foi micro-historicamente tratada de forma magistral pelo não menos magistral Carlo Ginzburg, já dizia - a despeito do risco da fogueira! - que o Poder não quer que nós saibamos o que eles sabem, porque o Poder sabe que, quando e se nós soubermos o que eles sabem, eles se tornam dispensáveis, seu poder se torna, digamos, alternativo, nós nos tornamos, pra valer, conscientes das relações de força, cientes das relações de "mercadoria", deixamos de ser gado, tornamo-nos donos de nossos próprios narizes, e, diante de suaspalavras de amaeça, damos de ombro. Menocchio o disse frontalmente, em confronto, em acusação - com a fila de inquisidores eclesiásticos a ouvir sua verdade social à bocarra escancarada e cheia de dentes...

3. Quem, de algum modo, já não foi vítima ou do Poder ou dos Podere(zinhos), em face, inclusive, da Internet? Eu conheço alguém que o foi - a acusação que sofreu foi justamente escrever "heresias"... em seu blog! Naturalmente que não estamos mais no século XVI, mas vai dizer isso ao Poder(zinho)... Para eles, ainda estão lá, ainda vivem lá, conquanto gostem de ostentar carrões e máquinas digitais, e, se você quer estar onde quer estar, tem de fazer de conta que está na Idade Média também - é o "jogo". Ou seja, o Poder(zinho) quer o melhor (para si) dos dois mundos: a "modernidade" da tecnologia, da ostentação (se bem que ostentação havia, já, na Idade Média, Francisco de Assis que o diga!), e o poder "divino" medieval, conta de somar que só é possível mediante a dissimulação, o controle das consciêcias, a pose de "modernidade" e "democracia", a absoluta falta de transparência, os acordos de conchavo e compadrio, a censura, a perseguição, a arrogância, a vaidade, regada a muita insegurança, muita inveja, muito medo e pavor.

4. Mas não: não se trata do sistema, não. Trata-se, de um lado, da sede de Poder(zinho) de alguns CPF que vêem no sistema a oportunidade de sua vda - talvez a única! O sistema mesmo é neutro. São as pessoas que, ou se usam do sistema para benefício exclusivamente próprio - daí a necessidade de controle da manada (de bois, de ovelhas, de "gente"), ou que assistem de camarote à manipulação do sistema. É como a religião, que pode ser marxianamente opiácea, entorpecente (veja-se o caso do "aborto" e dos "bispos católicos" e "pastores evangélicos" [reacionários!], nas eleições presidenciais brasileiras de 2010), ou pode ser sul-americanamente cafeinácea, revolucionária (veja-se o caso do PT e da Teologia da Libertação). Em si, a religião não acorda, todas as manhãs, com um projeto de direita ou de esquerda - entrega-se nua e fresca nos braços do amante da vez: seja ele um reacionário, seja ele um revolucionário. Assim, também o sitema político, seja em sentido lato, seja em sentido estrito, não acorda de manhã para ir para cá ou para lá - plataforma neutra, acorda nas mãos do Poder/Poder(zinho), e deixar-se-á levar para o lado que for.

5. Assim, é sumamente compreensível que o Poder tenha pavor da Internret, enquanto o contra-poder, ou, ao menos, as instâncias situadas no contexto gravitacional do Poder, sirvam-se "revolucionariamente" da Internet, porque a Internet é "comunicação", "informação", é contra-poder - de fato! O mundo que se desenha diante de nossos narizes não tem comparação com nada a que já assistimos na história, nem nós nem nossos antepassados - é uma coisa nova, absolutamente imprevisível, porque há aí um salto de escala em relação aos modelos comunicacionais anteriores: nunca, em nenhum tempo, em nenhum lugar, os seres humanos tiveram a chance de entrar instantaneamente em contato entre si, aos milhares, milhões. Certamente que o poder aprenderá uma forma nova de controlar essa situação - porque, caso contrário, o Poder e os Podere(zinhos) conforme os conhecemos terão chegado à morte. E é provável - milênios sob a monarqia, mas apenas poucos séculos sob a representação parlamentar, e já se aproxima um novo modelo - e ele vem na velocidade da Internet...

6. No campo político especificamente, abre-se a janela para a efetiva participação direta da sociedade por meio do sufrágio, do voto, do plebiscito via Internet. O modelo parlamentar tenderá a tornar-se obsoleto, e talvez o que hoje sejam os parlamentares tornem-se gestores (funcionários públicos) de regiões geográficas plebiscitárias. De casa, no trabalho, de férias, em qualquer lugar - em viagem à Lua -, qualquer cidadão poderá "votar". E, quanto à segurança, não se vá esquecer que, no Brasil, a prestação de contas à Receita Federal é totalmente feita via Internet, bem como as respectivas restituições de impostos, sem falar nas transações bancárias e comerciais.

7. Que o Poder - e os Podere(zinhos) - se acostumem: não haverá volta. Podem tentar, agora, hoje, amanhã, depois de amanhã, manter a velha prática de censura, de controle, de restrição, de ordens por baixo da mesa, ordens implubicáveis, o velho jogo do Poder, ensaiado no âmbito sorrateiro do deliciamento pessoal, mas, sabei, seus dias estão todos contados, postos na baçança, medidos, e considerados e julgados falidos e findados. Aproveitem para extrair suas últimas benesses, porque os (seus) dias de boiadeiros aproximam-se do fim. Será o dia de Yahweh...

8. Com vocês, Castells:


MANUEL CASTELLS

El País - Esta pesquisa mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam, mas que as pessoas que mais usam o chat são as mais sociais.
Castells – Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenho sido uma surpresa. Há pelo menos 15 estudos importantes no mundo que dão esse mesmo resultado.

El País – Por que acredita que a idéia contrária se estendeu com tanto sucesso?
Castells - Os meios de comunicação tem muito a ver. Todos sabermos que as más notícias são mais notícia. Você utiliza a Internet e seus filhos, também. Mas é mais interessante acreditar que ela está cheia de terroristas, de pornografia… Pensar que é um fator de alienação é mais interessante do que dizer: A Internet é a extensão da sua vida. Se você é sociável, será mais sociável; se não é, a Internet lhe ajudará um pouquinho, mas não muito. Os meios são um certo modo de expressão do que pensa a sociedade: a questão é por que a sociedade pensa isso.

El País - Porque tem medo do novo?
Castells - Exatamente. Mas medo de quem? A velha sociedade tem medo da nova, os pais dos seus filhos, as pessoas que têm o poder ancorado num mundo tecnológico, social e culturalmente antigo do poder que lhes abalroa, que não entendem nem controlam e que percebem como um perigo. E no fundo é mesmo um perigo. Porque a Internete é um instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre foi baseado no controle das pessoas por meio do controle da informação e da comunicação. Mas isto acaba. Porque a Internet não pode ser controlada.

El País - Vivemos numa sociedade onde a gestão da visibilidade na esfera pública midiática, como a define John J. Thompson, se converteu na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controle da imagem pública requer meios que sejam controláveis, e se a Internet não é …
Castells – Não é, e isso explica porque os poderes tem medo da Internet. Estive em várias comissões de assessoria de governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos, e a primeira pergunta que os governos sempre fazem é: como podemos controlar a Internet? A resposta é sempre a mesma: não se pode. Pode se vigiar, mas não controlar.

El País - Se a Internet é tão determinante da vida social e econômica, seu acesso pode ser o principal fator de exclusão?
Castells - Não. O mais importante segue sendo o acesso ao trabalho e à carreira profissional e, ainda anteriormente, ao nível educativo, porque sem educação, a tecnologia não serve para nada. Na Espanha, a chamada exclusão digital é por questão de idade. Os dados estão muito claros: entre os maiores de 55 anos, somente 9% são usuários da Internete, mas entre os menores de 25 anos, são 90%.

El País - É, portanto, uma questão de tempo?
Castells - Quando minha geração desaparecer, não haverá mais esta exclusão digital no que diz respeito ao acesso. Mas na sociedade da Internet, o complicado não é saber navegar, mas saber onde ir, onde buscar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. Isso requer educação. Na realidade, a Internet amplifica a velha exclusão social da história, que é o nível de educação. O fato de que 555 dos adultos não tenha completado, na Espanha, a educação secundária, essa é a verdadeira exclusão digital.

El País - Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, na expressão de Zygmunt Bauman, em que tudo muda constantemente e que é cada vez mais globalizada, aumenta a sensação de insegurança, de que o mundo se move debaixo dos nossos pés?
Castells – Há uma nova sociedade que eu busquei definir teoricamente com o conceito de sociedade-rede e que não está distante da que define Bauman. Eu creio que, mais que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e onde menos controle das instituições tradicionais.

El País – Em que sentido?
Castells – Estende-se a idéia de que as instituições centrais da sociedade, o Estado e a família tradicional, já não funcionam. Então, o chão se move sob os nossos pés. Primeiro, as pessoas pensam que seus governos não as representam e que não são confiáveis. Começamos mal. Segundo, elas pensam que o mercado é bom para os que ganham e mau para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança para o que a lógica pura e dura do mercado pode proporcionar às pessoas. Terceiro, estamos globalizados; isso significa que nosso dinheiro está no fluxo global que não controlamos, que a população está submetida ás pressões migratórias muito fortes, de modo que cada vez mais é difícil encerrar as pessoas numa cultura ou nas fronteiras nacionais.

El País - Qual é o papel da Inernet neste processo?
Castells - Por um lado, ao nos permitir aceder à toda informação, aumenta a incerteza, mas ao mesmo tempo é um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isto é algo que demonstramos pela primeira vez na nossa pesquisa. Quanto mais autônoma é uma pessoa, mas ela utiliza a Internet. Em nosso trabalho definimos seis dimensões da autonomia e comprovamos que quando uma pessoa tem um forte projeto de autonomia, em qualquer uma dessas dimensões, ela utiliza Internet com muito mais freqüência e intensidade. E o uso da Internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro, quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos ela se fia das instituições.

El País – E maior pode ser sua frustração pela distância que há entre as possibilidades teóricas de
participação e as que exerce na prática, que se limitam a votar a cada quatro anos?
Castells - Sim, há um descompasso entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios colocaram Wi-Fi de acesso, mas se ao mesmo não são capazes de articular um sistema de participação, servem para que as pessoas organizem melhor as suas próprias redes, mas não para participar na vida política. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia e, portanto, estas tecnologias contribuem para distanciar ainda mais a política da cidadania (entrevista concedida por Manuel Castells à jornalista Milagros Pérez Oliva, do El País, em janeiro de 2008 (original aqui), traduzida e publicada por Antonio Ateu, no blog do Nassif).

OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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