1. Leciono Hermenêutica em instituições de ensino teológico evangélico-protestante. Essa caracterização do (meu) público discente é importante, porque, no Brasil, em se tratando de evangélicos, a corrente majoritária, incomparavelmente majoritária, é a estadunidense, de matriz conservadora - beirando, quando não chegando lá, ao fundamentalismo, com louváveis exceções, essas não propriamente por conta da influência de correntes teológicas européias ou do norte dos Estados Unidos, mais "abertas", mas por irônica conta de um (autoentitulado) evangelicalismo dito progressista, dito "integral", que, não aceitando as bases da Teologia da Libertação, comunga, todavia, com alguma aparência em relação a ela, mais especificamente a questão social, ainda que, enquanto a TdL seja revolucionário-marxista, a corrente de Lousanne seja assistencialista - o que faz dela uma versão mais burguesa, digamos assim, do "evengelhismo" anglo-saxão, o mais do mesmo, mas mais esbone...
2. Assim, o meu público discente é leitor de Vida Nova, Mundo Cristão, Fiel, essas editoras comprometidas principalmente com o mercado livreiro estadunidense. E ai está. Lá, e, logo, cá, Hermenêutica é alguma coisa ainda pré-schleiermacheriana, o que faz dela algo absolutamente anacrônico, equivocado, ultrapassado. É verdade que algumas publicações dessas editoras, recentes, têm aperfeiçoado o que chamavam - e chamam - de "Hermenêutica". Todavia, aperfeiçoando o que fazem e ensinam a fazer, ainda chamam a isso de Hermenêutica - e, ai, nos separamos ainda mais radical e profundamente.
3. Na Europa, berço do que se chama Hermenêutica "moderna", desde Schleiermacher (início e meados do século XIX - logo, há 200 anos!) que a Hermenêutica deixou de ser "interpretação" de textos, muito menos, da Bíblia. Também é isso, mas é muitas outras coisas. Não é mais algo que "se faz", mas é a faculdade intrínseca humana, a partir do que se faz tudo o que se faz - inclusive ler...
4. O início dessa caminhada - a "transformação" da Hermenêutica - devemos a Schleiermacher. A Hermenêutica dos EUA não leva isso em conta, porque, como o diabo da cruz, a Teologia evangéica "crente" de lá foge do século XIX. Mas não é Schleiermacher o expoente mais relevante - a meu juízo - dessa caminhada: é Dilthey (final do século XIX, início do XX). Certo, sem Scleiermacher não há Dilthey, mas só com Schleiermacher, ficamos um tanto que como no vicio platônico, se bem que corro o risco de ser injusto com o pai da Teologia liberal (aliás, todo evangélico brasileiro tem alguma coisa de liberal, conquanto demonizem o liberalismo teológico [tanto quanto são mais católicos do que imaginam, ainda que igualmente demonizem o catolicismo], quando, por exemplo, "comprova" as verdades em que crê por meio de sua própria "experiência"], o que faz de mim um bom não-liberal, conquanto muito menos ainda um conservador, posto que, para mim, experiência não comprova" nada mais do que a entrega voluntarista e volitiva de nosso ser às nossas crenças).
5. Dilthey é importante porque pôs a Hermenêjutica dentro do homem concreto, o homem de carne e osso, e a relacionou organicamente não apenas à "mente" (equívoco de Platão e de Descarte [ao menos, quanto a esse último, o tornado "popular"]). Não é a mente, mas o corpo-cérebro-mente, o responsável pelas ações hermenêuticas do homem, animal hermenêutico por excelência. Ao passo que o conceito de mente traduz uma ênfase no pensameto racionalizado, o conceito de corpo-cérebro traduz-se, além de pela própria mente, também pela afeição e pela vontade. A trindade da Hermenêutica de Dilthey é o processo vivo e concreto de produção do pwensamento humano por meio das dimensões cognitiva, afetiva e volitiva do cérebro-mente.
6. Isso quer dizer que todo pensamento humano está marcado, inexoravelmente pela cognição, pela afeição e pela volição em seu estado de articulação mais primitivo. Tais dimensões atualizam-se em processos específicos, didaticamente isoláveis, para tratamento heurístico, mas, na base do funcionamento espírito-cerebral, estão juntos, sempre em consonância, nem sempre em equilíbrio.
7. A vontade de viver, pulsão produzida quimicamenten as profundezas do cérebro, é o que nos faz crer que vivemos "in a wonderfull world", ou que, quando nos deparamos com a crueza aviltante da vida, nos remete ao encontro de justificativas - também as religiosas - para o não desespero. Sendo pulsional em sua origem, a vontade de viver demanda da consciência justificativas filosófico-culturais, também religiosas, pois não, que, a rigor, assumem como que o lugar da verdadeira causa desse apego à vida. Todavia, quando uma pessoa é tomada pela depressão, pela hipotrofia dos mecanismos de produção ou de aplicação dos neurotransmissores eletro-químicos do cérebro, aquela "energia" vital debilita-se, e a pessoa deixa de ver as cores do mundo. Em estados avançados, está literalmente morta, conquanto seus órgãos funcionem muito bem, obrigado...
8. Ainda vai demorar décadas para que a Telogia dê-se conta de que está a perder tempo com tagarelices platônicas, racionalizando doutrinas, fazendo de conta, mas à vera, que os mitos que tece são reais, e que se sustentam independentemnte do estado humano: ao que se chama, muito ciosamente da cruzada epistemológica que cuida enfrentar, "confissão", a que um Gadamer, talvez para isso talhado, é evocado em socorro dos fundamentos em risco... Não me surpreende que os alunos experimentem um misto de, ao mesmo tempo, excitação nervosa, prazer incontido, como aquele que as crianças sentem quando fazem arte, e pavor indizível, um terror, mesmo, diante do risco de soçobramento do mundo. A Hermenêutica, a filosófica, de tradição schleiermacheriana e diltheyana, é cruel, impiedosa - anotem: profundamente "protestante" em sua exigência de consciência de si! Seu lema, inegociável, é: conhece-te a ti mesmo - e paga o preço. E ela não brinca, por meio segundo, de fazer da sala de aula, seu reino, um consultório de psicanalista. Não está ali para cuidar de doentes - mas para, eventualmente, diagnosticar o que ela cnsidera patologias. Se haverá cura depois? Bem, isso é algo com que ela não está muito preocupada. Será, talvez, sua graça - ou desgraça... Mas é como você, que não saberia como pôr três tijolos em é, um sobre o outro, aprumados, observar que a parede que alguém fez está torta. Você não precia ser pedreiro para perceber que uma parede está para cair, de tão torna - e nem precisa ser médico para perceber que meio mundo anda ruim das vistas, conquanto você mesmo são saberia receitar a terapia...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Assim, o meu público discente é leitor de Vida Nova, Mundo Cristão, Fiel, essas editoras comprometidas principalmente com o mercado livreiro estadunidense. E ai está. Lá, e, logo, cá, Hermenêutica é alguma coisa ainda pré-schleiermacheriana, o que faz dela algo absolutamente anacrônico, equivocado, ultrapassado. É verdade que algumas publicações dessas editoras, recentes, têm aperfeiçoado o que chamavam - e chamam - de "Hermenêutica". Todavia, aperfeiçoando o que fazem e ensinam a fazer, ainda chamam a isso de Hermenêutica - e, ai, nos separamos ainda mais radical e profundamente.
3. Na Europa, berço do que se chama Hermenêutica "moderna", desde Schleiermacher (início e meados do século XIX - logo, há 200 anos!) que a Hermenêutica deixou de ser "interpretação" de textos, muito menos, da Bíblia. Também é isso, mas é muitas outras coisas. Não é mais algo que "se faz", mas é a faculdade intrínseca humana, a partir do que se faz tudo o que se faz - inclusive ler...
4. O início dessa caminhada - a "transformação" da Hermenêutica - devemos a Schleiermacher. A Hermenêutica dos EUA não leva isso em conta, porque, como o diabo da cruz, a Teologia evangéica "crente" de lá foge do século XIX. Mas não é Schleiermacher o expoente mais relevante - a meu juízo - dessa caminhada: é Dilthey (final do século XIX, início do XX). Certo, sem Scleiermacher não há Dilthey, mas só com Schleiermacher, ficamos um tanto que como no vicio platônico, se bem que corro o risco de ser injusto com o pai da Teologia liberal (aliás, todo evangélico brasileiro tem alguma coisa de liberal, conquanto demonizem o liberalismo teológico [tanto quanto são mais católicos do que imaginam, ainda que igualmente demonizem o catolicismo], quando, por exemplo, "comprova" as verdades em que crê por meio de sua própria "experiência"], o que faz de mim um bom não-liberal, conquanto muito menos ainda um conservador, posto que, para mim, experiência não comprova" nada mais do que a entrega voluntarista e volitiva de nosso ser às nossas crenças).
5. Dilthey é importante porque pôs a Hermenêjutica dentro do homem concreto, o homem de carne e osso, e a relacionou organicamente não apenas à "mente" (equívoco de Platão e de Descarte [ao menos, quanto a esse último, o tornado "popular"]). Não é a mente, mas o corpo-cérebro-mente, o responsável pelas ações hermenêuticas do homem, animal hermenêutico por excelência. Ao passo que o conceito de mente traduz uma ênfase no pensameto racionalizado, o conceito de corpo-cérebro traduz-se, além de pela própria mente, também pela afeição e pela vontade. A trindade da Hermenêutica de Dilthey é o processo vivo e concreto de produção do pwensamento humano por meio das dimensões cognitiva, afetiva e volitiva do cérebro-mente.
6. Isso quer dizer que todo pensamento humano está marcado, inexoravelmente pela cognição, pela afeição e pela volição em seu estado de articulação mais primitivo. Tais dimensões atualizam-se em processos específicos, didaticamente isoláveis, para tratamento heurístico, mas, na base do funcionamento espírito-cerebral, estão juntos, sempre em consonância, nem sempre em equilíbrio.
7. A vontade de viver, pulsão produzida quimicamenten as profundezas do cérebro, é o que nos faz crer que vivemos "in a wonderfull world", ou que, quando nos deparamos com a crueza aviltante da vida, nos remete ao encontro de justificativas - também as religiosas - para o não desespero. Sendo pulsional em sua origem, a vontade de viver demanda da consciência justificativas filosófico-culturais, também religiosas, pois não, que, a rigor, assumem como que o lugar da verdadeira causa desse apego à vida. Todavia, quando uma pessoa é tomada pela depressão, pela hipotrofia dos mecanismos de produção ou de aplicação dos neurotransmissores eletro-químicos do cérebro, aquela "energia" vital debilita-se, e a pessoa deixa de ver as cores do mundo. Em estados avançados, está literalmente morta, conquanto seus órgãos funcionem muito bem, obrigado...
8. Ainda vai demorar décadas para que a Telogia dê-se conta de que está a perder tempo com tagarelices platônicas, racionalizando doutrinas, fazendo de conta, mas à vera, que os mitos que tece são reais, e que se sustentam independentemnte do estado humano: ao que se chama, muito ciosamente da cruzada epistemológica que cuida enfrentar, "confissão", a que um Gadamer, talvez para isso talhado, é evocado em socorro dos fundamentos em risco... Não me surpreende que os alunos experimentem um misto de, ao mesmo tempo, excitação nervosa, prazer incontido, como aquele que as crianças sentem quando fazem arte, e pavor indizível, um terror, mesmo, diante do risco de soçobramento do mundo. A Hermenêutica, a filosófica, de tradição schleiermacheriana e diltheyana, é cruel, impiedosa - anotem: profundamente "protestante" em sua exigência de consciência de si! Seu lema, inegociável, é: conhece-te a ti mesmo - e paga o preço. E ela não brinca, por meio segundo, de fazer da sala de aula, seu reino, um consultório de psicanalista. Não está ali para cuidar de doentes - mas para, eventualmente, diagnosticar o que ela cnsidera patologias. Se haverá cura depois? Bem, isso é algo com que ela não está muito preocupada. Será, talvez, sua graça - ou desgraça... Mas é como você, que não saberia como pôr três tijolos em é, um sobre o outro, aprumados, observar que a parede que alguém fez está torta. Você não precia ser pedreiro para perceber que uma parede está para cair, de tão torna - e nem precisa ser médico para perceber que meio mundo anda ruim das vistas, conquanto você mesmo são saberia receitar a terapia...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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