sábado, 24 de abril de 2010

(2010/343) Mergulho na auto-identidade


1. Deus do céu! Ler Losurdo está me fazendo mergulhar tão profundamente em minha identidade, como jamais pensei em fazê-lo - e olha que não posso recusar a constatação de que sou alguém que passa praticamente o dia inteiro atrás de si mesmo, em busca de seu núcleo pessoal. Mas Losurdo, meu Deus, ele está me pondo sobre a mesa, e me desenhando a cada citação do século XIX, de Feuerbach, de Marx, de Strauss, de Hegel, de Heine, e, também... de Nietzsche. Mas, nesse primeiro momento da juventude universitária do filósofo que me encantado tem todos esses anos, é surpreendente vê-lo do outro lado do rio...

2. Esse Nietzsche e eu somos quase antípodas! Esse Nietzsche universitário, contra-moderno, ferrenhamente contra-moderno, é-o tanto que produz arroubos de defesa da tradição cristã! Sim, ainda que programática a atitude, Nietzsche é um jovem filólogo-filósofo a fazer contas alemãs, a ponto de ver num cristianismo-ponte a validade para o "povo alemão".

3. Há momentos em que uma fresta se insinua, e eu quase chego a ver nele um pouco de mim, mas, subitamente, Nietzsche volta a ser aquele decidido defensor da Tradição, da Elite superior, das castas, do "povo-corpo" uno, indistinto, em cuja expressão o sofrimento dos fracos se justifica pela glória da arte, a perspectiva de uma unidade, um corpo, em que muitos defecam, para que uma cabeça sorria... Oh, sim, não há sorriso sem fezes, se me entendem, mas não se pode dizer que qualquer que defenda uma tal perspectiva da sociedade entenda-se exatamente por fezes... É-se - sempre! - cabeça, nessas estruturantes utopias metafísicas determinstas. Os deterministas, elitistas, castistas, calvinistas, são sempre a "nata", nunca o esterco que aduba a glória dos eleitos!

4. Alguma coisa vai acontecer, eu sei, e Nietzsche passará a desancar também o cristianismo. Chegarei lá - ainda me faltam centenas de páginas. Mas essas primeiras me fazem perceber que eu sou um homem fora do (seu) tempo, fora do (seu) lugar, fora do (seu) mundo - um inatual. Ao contrário do que o jovem Nietzsche considerava para si, a modernidade é exatamente meu mundo, mas ela teima em não se desenhar no meu páis. Não sou - mais - "ovelha". Como cristão, estou imprestável: não me falam nada as doutrinas, as tradições, as verdades. E, no entanto, mas também por isso, estou imprestável igualmente para o "sacerdócio", porque não posso nem quere mentir nem para mim nem para ninguém. Não tenho nada a dizer a ningém que me queira ouvir como guru. Não vejo ninguém abaixo de mim - nem sobre mim. O espírito de igualdade me tornou imprestável para as fórmulas religiosas que mantemos em vigor...

5. Altar, púlpito, nada disso faz sentido - para mim. Diálogo, réplica, tréplica... Ah, isso, sim, me inspira. Mas nem mesmo os mais "avançados" dentre os teólogos gostam disso. O jogo está viciado, jogo de pregações monocórdias e sermões unilaterais, o vício cristão de dizer, sem cuidar ter sido realmente ouvido, o jogo cristão de dizer, mas não escutar, o jogo cristão de dizer, sem ouvir o que se está dizendo.

6. Ah, Losurdo, menino mau. Se já não havia esperanças para o grisalho de meus cabelos, agora é que me afundas ainda mais profundamente na terra... E o curioso, meu amigo, é que ao mesmo tepo que isso me angustia, isso me dá prazer. E isso também quer-me parecer uma atitude bastante moderna... Chega a ser mística minha sensação de liberdade...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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