sábado, 27 de março de 2010

(2010/266) Entender eu entendo...


1. Eu entendo o quanto é difícil para o homem religioso harmonizar a fé e o conhecimento. Principalmente o homem religioso de religião de livro, de religião de doutrina. Para essa espécie de homem, o mundo é conforme sua crença diz que é - e, se a sua crença diz que o mundo é assim, então o mundo é assim.

2. Isso se exlica por uma série de razões. Primeiro: uma educação absolutamente fundamentalista. Com fundamentalista, aqui, quero referir-me gerenalizadamente ao modo de reflexão racionalizada, cuja base é a doutrina, logo, o mito, mas o mito tomado como verdade, sem consciência de sua condição histórica. A religião que deixou de tomar-se como magia e mito, como religião, e deixou-se enganar, considerando-se "verdade", essa religião constitui um sistema coercitivo de inculcação. As mentes que caem nessa rede têm muita dificuldade de sair daí. Pior ainda se essa religião se tinha na conta de "verdade verdadeira", antes que o advento da racionalidade moderna classificasse tanta sabedoria como mito. Aí, então, o clime torna-se belicoso. Pobre catecúmeno...

3. Some-se, agora, àquela primeira razão, essa segunda: uma educação cultural baixa. Sozinha, ela não seria "a" causa, mas, aliada àquela primeira, é importante razão para a dificuldade de a mente religiosa harmonizar-se com o conhecimento moderno. O homem religioso, privado das disciplinas mais sofisticadas, mais críticas, dificilmente terá condições de sair do mundo parcial em que vive, do mundo quantas vezes obscurantista, em que os critérios de verdade e conhecimento se confundem aos de fé e crença.

4. Além disso, há uma razão programática - um sistema político inteiro montado, com cargos, salários, posições, luxos, privilégios, heranças, vaidades, benesses, honras, glória, sacralidades. O desmonte da máquina implicaria na perda desses benefícios. Mesmo que não seja programática a resistência - a simples inércia, mesmo a boa espiritualidade - ah, e eu convivo com grandes demonstrações de boa espiritualidade! -, mas mesmo essa boa espiritualidade, mesmo essa, concorre para a manutenção do mito e, na conseqüência, para a dificuldade da libertação da mente cientifico-humanisticamente não-esclarecida. O mito é uma dropa entorpecente... se não se encara como mito.

5. Outro dia, conversei com um amigo, um colega. Ele me dizia que pensa com duas cabeças - eu lhe dizia que ele era é lobotomizado: parte de seus raciocícnios é científico-humanista, quando ele veste a roupa de cientista-humanista, e parte de sua cabeça é teológico-espiritual, dutrinária, quando ele veste a roupa de pastor... Hum, interessante: não admira que haja tanto doido evangélico... Alguém assim "esclarecido" até consegue ficar de pé-lá-pé-cá, pé-cá-pé-lá, apesar de eu que não tá é com pé em lugar nenhum, no fundo, no fundo, ele é um perneta no asfalto quente, ai!, ui!, ai!. Desconfio que meu amigo não é nem cientista nem pastor... Mas há mentes que, quando se deparam com essa bifucarção na estrada, não podendo se lobotomizar assim, como meu amigo, não conseguindo resolver-se assim, nem de outro modo, piram - literalmente. É dar uma volta nos manicômios, pra ver como é.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Viviana Carolina Mendez Rocha disse...

Mas e quando se vive em duas realidades: a semana inteira na academia, e domingo na igreja, convivendo com pessoas que ainda pensam o mito como verdade absoluta, como se faz? O que se diz? Como se faz para ser "diplomático"? Ahhh, eu não consigo...

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