sábado, 20 de março de 2010

(2010/237) Cristianismo e Platão


1. Há, devo admitir?, uma deficiência em minha formação: eu acumulo informações, mas, via de regra, não me dou ao trabalho de anotar cuidadosamente a fonte das informações que apreendo. Talvez eu devesse parar de acumular informações, por um tempo, e retornar desde o início, mapeando a fonte de todas as informações relevantes que cuido ter guardado. Talvez essa situação em que me perceba seja tributária do fato de eu ter lido muitos materiais de muitas áreas diferentes: Teologia, História, Psicologia, Filosofia, Fenomenologia da Religião, principalmente, e, em menor escala, Sociologia e Antropologia. Talvez essa seja a sorte de uma formação eclética.

2. Seja como for, eis as informações que me consta eu ter a respeito da relação em Platão e o Cristianismo: excetuando a doutrina da criação, a doutrina da ressurreição e a doutrina do sacrifício substitutivo de Jesus, toda uma longa série das demais doutrinas cristãs, e, fundamentalmente, a base sistemático-filosófica dessas doutrinas, são, a rigor, pré-cristãs, isto é, são, a rigor, platônicas: a existência e a eternidade das almas, a salvação pela graça, operada pela Providência, o papel gnóstico da catequese, a vida na terra como "acidente", a queda das almas. Porque Paulo era judeu, faz sentido que tenha guardado as três jóias da doutrina judaico-cristã, ainda que as tenha encravado numa base helênica consideravelmente diferente da base semita/judaica - não surpreende, pois, que o próprio Paulo tenha reconhecido que era difícil agradar a gregos e a troianos, e que seu Evangelho era tropeço para uns e escândalo para outros. No entanto, esforçava-se, disso se vangloriava, de, por todos os meis, tentar ganhar a todos...

3. Ah, sim, em certo sentido, Cristianismo e Platonismo são bem diferentes. Mas, convenhamos, apenas nas profundezas. Na superfície, o Cristianismo, principalmente o popular, ou do clero não-esclarecido - com isso quero também indicar para a esmagadora maioria do "clero" evangélico -, eu dizia, na superficie, o Cristianismo funciona igualzinho ao Platonismo: uma aversão monstruosa a tudo que toque ao corpo... Há, assim, um evidente e latente dualismo na prática e na filosofia superficial dos Cristianismos de onda e de massa - o corpo é mau, a alma, boa. Platão homologaria a assertiva, para desgosto de toda a tradição veterotestamentária... Qohelet morreria de tédio - e de desgosto!

4. Ora, a doutrina da criação, judaica, não tolera por um segundo sequer a dicotomia corpo versus alma - o próprio Paulo desespera-se tentando fazer fiéis um tanto quanto excessivamente platônicos compreenderem a inexorável necessidade da ressurreição, sem o que a fé seria inútil e vã. Também o vemos afiançar que a criação aguarda a ~"revelação" dos filhos de Deus, para que ela mesma se ache transformada. E, se os evangélicos, ciosos de sua ortodoxia, zombam dos habitantes da Torre de Vigia, por desenharem um "céu" um tanto terrestre, isso se dá justamente porque os evangélicos há muito tempo não estudam as tradições em que dizem crer...

5. Platão, Paulo, Agostinho, Lutero e Barth - a Pentápolis de Deus (mas de qual, mesmo?) no Ocidente. Não será surpresa para mim se, quando eu chegar aonde todo home há de chegar, deparar-me com Pedro na porta do céu, indicando-me o caminho para as mansões platônicas... Deve ser por isso que se imagina o céu habitado por fantasmáticas hostes cantantes - Platão sabia muito bem usar o mito e a música para "encantar" as almas humanas... as almas humanas...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

Já viu o blog da Reforma Agrária?

Tá aqui, ó:

http://www.reformaagraria.blog.br/

Um abraço

Robson Guerra

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