domingo, 27 de setembro de 2009

(2009/498) Da dor e da liturgia


1. Falo da maldição. A maldição de mentir para si. Maldição de mentir para o outro. Maldição de mentir para Deus. Maldição de mentir. Maldição.

2. Falo da tragédia. Tragédia de não mais olhar-se no espelho. Tragédia de nunca mais despir-se. Tragédia de ser outro que não si mesmo. Tragédia de não ser. Tragédia.

3. Falo da loucura. Loucura de ter que dizer e dizer e dizer de novo. e mais e sempre. Loucura de ter que jurar e falar em nome de Deus, e falar, e falar, e falar... Loucura de ter que sustentar tanta fé - sobre pregos... Loucura do rogar dos olhos úmidos... Loucura.

4. Loucura de mentir para si diante do espelho. Loucura de vender dia a dia a mesma certeza. Mentira de prometer para tantos o que nunca pode dar.

5. Ah!, quanto lhe pedem, e quanto mais lhe pedem, mais tem de roubar de si, para dar, porque não tem, não tem nada, está oco e vazio por dentro, e chora sorrisos por fora.

6. Ah!, quantos ensaios de voz, tantas empostações, tantos gestos, tantas cenas. Ah!, olhar de cima, por cima, superficialmente, sem poder, com efeito, sentir a dor do mundo, nem a sua, que, senti-las, seria ferver a própria carne em lava.

7. Mentira. Tragédia. Loucura. A isso, um dia, chamaram sacerdócio. Ultimamente deram-lhe nomes mais evangélicos... Tanta criatividade... para nada...

8. Condenação trajada de liturgia. Na longa noite dos condenados, persignamo-nos diante de vós, vós, os amaldiçoados, e encomendamos vossa dor irremediável ao Vazio de sua longa espera...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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