sexta-feira, 5 de junho de 2009

(2009/331) Análise do artigo de Enio Mueller


1. Bem, duas coisas a dizer: 1) meu amigo Zabatiero disse que "meus" alunos e eu não sabemos ler direito os artigos-postulados da Estudos Teológicos 47/2 - os artigos de von Sinner, Mueller e do próprio Zabatiero. Vai ver é. 2) Vou publicar aqui a segunda análise do aluno Robson Sampaio Guerra (a primeira foi a do von Sinner) - e, com isso, daqui a pouco, ele vai ter escrito mais em Peroratio do que o descarado sem-vergonha do Jimmy...

2. O texto do Robson é irretocável. Perfeito, eu diria. Como seu professor (no Curso de Graduação em Teologia [esse, ainda "livre" - os da Faculdade, da Tijuca, já são autorizados] do Campus Nova Iguaçu do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil), um sentimento confuso me assalta: 1) estarei eu ajudando-o, efetivamente, a adquirir senso crítico e bom-senso, ou 2) estará ele adquirindo meus cacoetes epistemológicos, tão-somente repetindo meus jargões? Bem, a "leitura" é a mesma, seja a dele, a minha, a dos demais alunos, bem como a dos alunos de Vitória, esses, do Mestrado. De qualquer forma, é o leitor quem deve decidir. Porque, por outro lado, eu sinto tremendo orgulho dessa garotada. Nova Iguaçu tem alguns mestrandos potenciais - e olha que são apenas trinta alunos ao todo. Robson é um desses que não pode parar na graduação. Não é o único dentre os alunos de Nova Iguaçu, mas, é, certamnte, um dos potenciais mais expressivos no campo da reflexão crítico-teológica.

3. Bem, com vocês, Robson Sampaio Guerra:

4. TÓPICOS ESPECIAIS EM TEOLOGIA - STBSB – CAMPUS NOVA IGUAÇU – 2009 - PROF.: OSVALDO LUIZ RIBEIRO - ALUNO: ROBSON SAMPAIO GUERRA.

4.1 Comentário sobre o
artigo de Enio R. Mueller "A teologia e seu estatuto teórico: contribuições para uma discussão atual na universidade brasileira".

4.2 Mueller propõe uma definição de teologia para a universidade a fim de estabelecer seu estatuto epistemológico. Define teologia como “interpretação da realidade à luz da esperança” (p. 88). A definição em si pode ser considerada pertinente para uma teologia que pretenda ser científica. “Interpretação da realidade” pode apontar para metodologia científica. Bem adequado para as ciências humanas. A expressão “à luz da esperança” também se encaixaria bem numa teologia científica se for referência à utopia aberta com propostas para transformação da realidade. Mas, é aí que está a questão: o que estará por trás da palavra “esperança”? Há motivos para desconfiar quando o assunto é teologia.

4.3 O autor estrutura o artigo discutindo cada elemento da proposta. Cabe, agora, uma breve análise de cada elemento apresentado por Mueller.

4.3 Mueller, inicialmente, diz que “a Teologia ainda não mostrou por que ocupa, agora, uma cadeira nesta orquestra [academia]” (p. 89). Correto. Mais ainda, não demonstrou sequer sua cientificidade para, depois, então, estabelecer sua especificidade, aquilo “que só ela vê”.

4.4 O autor descreve as mudanças de paradigma que ocorreram nas ciências (p 89ss). De um modelo fragmentado para um modelo interdisciplinar (hoje se busca um modelo transdisciplinar). No momento atual, as ciências não estariam mais isoladas. Funcionam como um organismo onde as disciplinas interagem. Este seria o quadro onde a teologia se encontra – ou quer se encontrar. Como interagir com disciplinas científicas sem estabelecer sua cientificidade e especificidade? Mais do que nunca, torna-se necessário, hoje, onde se caminha para um paradigma transdisciplinar, que as disciplinas sejam compatíveis.

4.5 Quanto ao primeiro termo da definição – Teologia – diz-se que “a teologia, como ciência, tem seu núcleo estabelecido há muito tempo” (p. 91). Estranha a afirmação, pois deixa de esclarecer que nesse “há muito tempo” – diga-se Idade Média – a plataforma epistemológica era outra, era platônica e que a teologia “mandava”, controlava por meio da força. Quando as ciências se emanciparam a plataforma epistemológica já era outra, o jogo era outro. Aí estaria o problema: Mueller diz que “a teologia mantinha relações de fronteira consciente de que sua própria identidade já estava formada ao entrar nessas relações [com as outras ciências que surgiram: psicologia, sociologia, antropologia etc.], sempre compreendidas como auxiliares ou instrumentais” (p. 91). A teologia quer entrar no jogo das ciências com a mesma identidade – epistemologia platônica – do passado. As ciências surgiram já num paradigma epistemológico diferente – kantiano e romântico. São epistemologias diferentes e irreconciliáveis. Mueller não teria percebido isso? Outro problema que pode ser identificado nas palavras de Mueller está no trecho em que ele trata das tendências grega e judaica em que a teologia cristã se formou (p. 92-3). Diz que as duas tendências provocam uma tensão que marcará a teologia cristã “e certamente marcará toda teologia que se ensaie hoje em nosso mundo globalizado, pela força histórica com que o ocidente cristão o marca” (p. 93 – grifo meu). Para Mueller, teologia é sinônimo de cristianismo. Ignora completamente que se a teologia quer entrar na academia tem que deixar de ser confessional. Não pode ser mais sinônimo de religião. Mais, em que a tensão descrita pelo autor marcará a teologia umbandista, por exemplo? Mueller não enxerga os outros? Teologia não é mais exclusividade dos cristãos e se quer ser científica não pode mais ser confessional.

4.6 Tratando do segundo termo da definição – interpretação – , diz-se que a teologia deve ser “compreendida como exercício de interpretação” (p. 93). Propõe-se e defende-se o abandono de uma teologia dogmática para dar-se lugar a uma teologia hermenêutica (p. 94) e como empreendimento humano (p. 95-6) “a teologia é essencialmente interpretação” (p. 97). Perfeito. Uma teologia científica tem, sim, que ser hermenêutica, o que aponta para método, e assumir-se como humana, muito humana. Se continuar dogmática não será ciência. Até aí, tudo bem. Os problemas aparecem quando ao criticar as pretensões da teologia – dogmática – de identificar suas interpretações e doutrinas com o mesmo valor das Escrituras e que haveria uma teologia originária em Deus, Mueller diz que Deus não precisa de teologia (p. 96). Não? Como não? Nietzsche, há muito, disse que sim. Mueller parece querer separar Deus da teologia. Como, então, fala-se de Deus sem a teologia? Bem estranho.

4.7 Mueller apresenta os termos in re (a “realidade como se apresenta à razão e aos sentidos”) e in spe ( a “realidade como se apresenta a um olhar movido pela esperança”) como modos nos quais o debate hermenêutico deve ser desenvolvido (p. 98).

4.8 Quando Mueller trata dos últimos termos de sua definição – “realidade à luz da esperança” – (p. 99ss) é que chegamos ao ponto nevrálgico da coisa. O significa esperança na proposta de Mueller? É utopia aberta ou é a velha esperança cristã? Esclarecer esta questão é crucial para a validade da proposta de Mueller para uma teologia científica. Se for utopia aberta, a proposta vale. Se for a esperança cristã...

4.9 Mueller diz que a realidade percebida pela teologia é a mesma percebida pelas percepções humanas. Porém, seu olhar é o “olhar da esperança” (p. 99). Segundo o autor, olhar a realidade a partir da esperança é olhar sendo iluminado pela revelação, é olhar a realidade a partir da perspectiva da eternidade, do coração de Deus (p. 99). A hermenêutica desenvolvida pela teologia no seu labor de apreender a realidade “é informada pela fé” (p. 99). A esperança inclui “um intellectus fidei, como tem sido desenvolvido especialmente na teologia ‘clássica’” (p. 99-100). Mueller diz, ainda, que a realidade está exposta a dois olhares: o da filosofia/ciência e da teologia. Aquela olha in re, descreve a realidade a partir das percepções humanas. Já a teologia teria uma percepção que seria estranha à filosofia/ciência: uma percepção desde a revelação. Já é possível perceber do que se trata a esperança de que fala Mueller. Interpretar a realidade à luz da esperança em Mueller é olhar a realidade do ponto de vista de Deus, do dogma, da Tradição cristã. Já não bastasse, separa a teologia da ciência: “(...) mesmo que teologia e filosofia/ciência compartam de modo direto de um terreno de fronteira onde a fala é de esperança, cada uma o faz a seu modo” (p. 101). Ora se a teologia vai entrar no jogo da ciência não teria de ser compatível? Por que, então a distinção? É porque a teologia enxerga o mundo a partir de Deus? É por isso? Há cientificidade nisso? Mais. Mueller fala de “um olhar ardentemente sonhador e desejoso, alimentado pelo próprio desejo divino” (p. 102 – grifo meu). Como as ciências – duras e moles – podem lidar com isso num contexto seja de inter, multi ou transdisciplinaridade? Como as ciências terão acesso ao olhar da eternidade, ao desejo divino? Terão de se converter ao cristianismo? Sim, pois só se entende de coisas espirituais quem é ilumunado pelo Espírito. Ora, isso não seria compatível com uma epistemologia científica. Para a ciência o céu é de chumbo. Tem de ser também para a teologia se quiser ser ciência e permanecer na academia.

4.10 A proposta de Mueller até que vai razoavelmente bem, mas equivoca-se totalmente na sua definição de esperança. Não que ela seja ilegítima. É legítima. Teólogos e teólogas podem querer pretender um olhar desde a eternidade. A questão é se isso cabe na academia. Penso que não. Se Mueller estiver disposto a modificar seu conceito de esperança para uma utopia aberta, aí sim, seria possível que sua proposta contribuísse para o nascimento de uma teologia científica. Como está não dá".

5. Perfeito. Salvo engano, salvo melhor juízo, irretocável. Parabéns, Robson - se Mueller prestar atenção em suas observações, certamente terá muito em que pensar e, com isso, aperfeiçoar seu projeto para, quem sabe, propor, efetivamente, uma Teologia realmente científica.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Felipe Fanuel disse...

De fato, o Robson merece os parabéns pelo excelente trabalho que fez.

A leitura crítica é um bem valioso que herdamos de um curso de Teologia. Creio que professores/as têm um papel fundamental neste processo. São eles/as que fomentam o interesse e propõem novos desafios aos estudantes. Acho que foi Piaget quem disse que o aprendizado nasce em uma situação de crise.

Sou muito grato a todos/as os professores/as que tive. Uma gratidão especial guardo por aqueles/as que me fizeram entender na prática que "a lição sabemos de cor, só nos resta aprender", como canta o Beto Guedes.

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