1. Durante todas as quintas-feiras úteis, desde fevereiro, tenho a oportunidade de, com toda a turma de Tópicos Especiais em Teologia, (re)ler artigos que tratam da discussão em torno do estatuto teórico da Teologia. Há umas quatro quintas-feiras, estamos lendo, parágrafo a parágrafo, e discutindo, o artigo de Enio R. Mueller, A teologia e seu estatuto teórico: contribuições para uma discussão atual na universidade brasileira, Estudos Teológicos, v. 47, n. 2, 2007, p. 88-103. Mais do que um simples artigo, trata-se de um projeto do CNPq.
2. Já o critiquei antes. O artigo quase me enganou, porque define a Teologia com a sugestiva fórmula "teologia é a interpretação da realidade à luz da esperança" - se "esperança", aí, fosse alguma coisa na direção de uma "utopia aberta", talvez eu embarcasse na definição, e a instrumentalizasse. Todavia, desde o primeiro momento em que li, e, confesso, motivado pelo que conheço do "teólogo" em geral - ele nunca vai aprender! -, duvidava de que se tratasse, mesmo, de um rompimento com a ontologia e a tradição, porque "esperança" podia ser apenas um invólucro novo para o mesmo dogma do passado, sem lhe chamar de dogma, sem nem o pôr em cima da mesa, algo entre vergonha e dissimulação. Uma segunda leitura, mais minuciosa, revelou-me que estava certo. Mueller propõe que teologia seja o exercício de interpretação da realidade à luz da "fé" cristã. Que seja, mas no MEC, não!
3. Ontem, concentrâmo-nos num parágrafo particularmente indefensável. Ei-lo: "penso que aí está um dos lugares em que temos que concentrar a nossa discussão hoje, quando discutimos o estatuto teórico da Teologia, em sua inserção no universo acadêmico oficial. Qualquer tendência na direção acima descrita deve ser crítica e profeticamente denunciada. A pergunta de fundo é se Deus precisa de teologia. Pretender que a teologia seja tão importante que existe até em Deus. Aqui está o nó do problema. Esta exaltação da teologia é o assunto a ser discutido. Teologicamente ela corre um risco enorme de virar idolatria. Idolatria do texto sagrado, idolatria das explicações doutrinais do texto sagrado feitas por nossos pais na tradição, idolatria das explicações dos mestres que hoje ocupam a função de intermediadores destas tradições. Teologia é empreendimento humano".
4. "A pergunta de fundo é se Deus precisa de teologia". O leitor consegue identificar qual o problema dessa declaração de Mueller? Leia com calma. "Deus precisa de teologia"? Ah, Mueller, que malandragem... Como é possível trazer Deus para o discurso, pressupondo que se poderia fazê-lo sem... Teologia? Mueller pretende - não é o primeiro a fazê-lo - ser possível pensar Deus, pressupor Deus, falar sobre Deus, sem Teologia. Na cabeça de Mueller, se ele não nos engana de propósito, "Deus" é uma grandeza independentemente de mim, de meu pensamento sobre Deus, de meu discurso. Se leu Feuerbach, ou não entendeu, ou o despreza...
5. Porque racionaliza a existência de Deus, trata-o como uma realidade em si. Mueller é teísta, e pronto. E teísmo prescinde de Teologia! Isso já o fizera Tillich, o que se pode flagrar por meio de sua famosa fórmula teológica: "Deus é smbolo para Deus" (cf. minha crítica publicada na Correlatio). O homem, que postula tanto a existência de Deus, quanto a ele se refere, desaparece - "Deus" é "Deus", e pronto. Mueller faz a mesma coisa - incita-nos a pensar a dispensabilidade da Teologia em face de Deus, porque Deus poderia dispensar a Teologia. Que operação perfeitamente feuerbachiana: inventar Deus, verbalizar Deus, isolar Deus, tornar dispensável a cosnciência e a palavra humana...
6. Agora que operou a magia da separação de Deus de sua plataforma de sustentação (o que é uma operação epistemologicamente reprovável), Mueller pode fazer que faz o que diz fazer: afirmar que a Teologia é empreendimento humano... Agora a Teologia pode ser virada do avesso, porque nada vai acontecer, de ruim, a "Deus". Ele, Deus, está protegido, e, com ele, a "fé"... É uma operação política. Posso até, agora, interpretar a realidade à luz da esperança...
7. O curioso é que, na última seção do artigo-projeto, Mueller trará de volta a noção de "fé", logo, de "teologia", como sendo o óculos com o qual se há de interpretar a realidade. Logo ele que batera doído em Barth, porque Barth afirma a objetividade do dogma, enquanto Mueller e Geffré preferem essa prestidigitação de afirmar a "hermenêutica", sem, contudo, abrir mão do dogma. Barth é mais honesto...
8. Digo-o pelo simples fato de que uma constituição "hermenêutica" da Telogia, se for levada a sério, e nunca o é, sempre se volta a Nicéia, tornaria a Teologia um caleidoscópio. Mas o que Mueller, Geffré e toda a série de "teólogos (gadamerianos) da hermenûtica" fazem, invariavelmente, é pressupor Deus, o de sempre, o de Barth, inclusive, porque esse Deus arrasta consigo desde a harmatologia cristã até as doutrinas de Jesus Cristo, de salvação, do "Espírito", da graça etc., e, pressupondo-o, alegarem que a interface humana, o discurso, é interpretativo, mas é apenas o discurso, sem, com isso, permititrem que a crítica invada o céu - intocável.
9. Nesse aspecto, penso que a Teologia como Metáfora, que não deixa de ser politicamente equivalente à Telogia Dialética, é, ao menos, mais internamente coerente do que a proposta "hermenêutica" - nasce até dela! Às favas as realidades metafísicas - Deus, Cristo, Espírito, pecado, graça... Bastem-nos as palavras Deus, Cristo, Espírito, pecado, graça, porque é com as palavras que faremos o mesmo que todos os demais, que cuidam precisar, para isso, que elas sejam verdadeiras...
10. É por isso que estou imprestável para essas teologias todas, barthianas, geffreianas, tillichianas, de ontologia, de pseudo-hermenêutica e de metáfora: tudo aí, sem exceão, é política, é inventar modos sempre "atuais" de manter o sistema, de manter tudo igual. Espero é o dia em que o edifício caia, em que os fundamentos se subvertam, que as vigas de sustentação oxidem e, sob o peso da retórica, desabem, que os vitrais se estilhacem. Depois do estrondo, depois da poeira, descobriremos o que é verdadeiramente possível sustentar, depois dessa longa noite epistemológica. Certamente que não um Deus fora de uma teologia teogônica...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Já o critiquei antes. O artigo quase me enganou, porque define a Teologia com a sugestiva fórmula "teologia é a interpretação da realidade à luz da esperança" - se "esperança", aí, fosse alguma coisa na direção de uma "utopia aberta", talvez eu embarcasse na definição, e a instrumentalizasse. Todavia, desde o primeiro momento em que li, e, confesso, motivado pelo que conheço do "teólogo" em geral - ele nunca vai aprender! -, duvidava de que se tratasse, mesmo, de um rompimento com a ontologia e a tradição, porque "esperança" podia ser apenas um invólucro novo para o mesmo dogma do passado, sem lhe chamar de dogma, sem nem o pôr em cima da mesa, algo entre vergonha e dissimulação. Uma segunda leitura, mais minuciosa, revelou-me que estava certo. Mueller propõe que teologia seja o exercício de interpretação da realidade à luz da "fé" cristã. Que seja, mas no MEC, não!
3. Ontem, concentrâmo-nos num parágrafo particularmente indefensável. Ei-lo: "penso que aí está um dos lugares em que temos que concentrar a nossa discussão hoje, quando discutimos o estatuto teórico da Teologia, em sua inserção no universo acadêmico oficial. Qualquer tendência na direção acima descrita deve ser crítica e profeticamente denunciada. A pergunta de fundo é se Deus precisa de teologia. Pretender que a teologia seja tão importante que existe até em Deus. Aqui está o nó do problema. Esta exaltação da teologia é o assunto a ser discutido. Teologicamente ela corre um risco enorme de virar idolatria. Idolatria do texto sagrado, idolatria das explicações doutrinais do texto sagrado feitas por nossos pais na tradição, idolatria das explicações dos mestres que hoje ocupam a função de intermediadores destas tradições. Teologia é empreendimento humano".
4. "A pergunta de fundo é se Deus precisa de teologia". O leitor consegue identificar qual o problema dessa declaração de Mueller? Leia com calma. "Deus precisa de teologia"? Ah, Mueller, que malandragem... Como é possível trazer Deus para o discurso, pressupondo que se poderia fazê-lo sem... Teologia? Mueller pretende - não é o primeiro a fazê-lo - ser possível pensar Deus, pressupor Deus, falar sobre Deus, sem Teologia. Na cabeça de Mueller, se ele não nos engana de propósito, "Deus" é uma grandeza independentemente de mim, de meu pensamento sobre Deus, de meu discurso. Se leu Feuerbach, ou não entendeu, ou o despreza...
5. Porque racionaliza a existência de Deus, trata-o como uma realidade em si. Mueller é teísta, e pronto. E teísmo prescinde de Teologia! Isso já o fizera Tillich, o que se pode flagrar por meio de sua famosa fórmula teológica: "Deus é smbolo para Deus" (cf. minha crítica publicada na Correlatio). O homem, que postula tanto a existência de Deus, quanto a ele se refere, desaparece - "Deus" é "Deus", e pronto. Mueller faz a mesma coisa - incita-nos a pensar a dispensabilidade da Teologia em face de Deus, porque Deus poderia dispensar a Teologia. Que operação perfeitamente feuerbachiana: inventar Deus, verbalizar Deus, isolar Deus, tornar dispensável a cosnciência e a palavra humana...
6. Agora que operou a magia da separação de Deus de sua plataforma de sustentação (o que é uma operação epistemologicamente reprovável), Mueller pode fazer que faz o que diz fazer: afirmar que a Teologia é empreendimento humano... Agora a Teologia pode ser virada do avesso, porque nada vai acontecer, de ruim, a "Deus". Ele, Deus, está protegido, e, com ele, a "fé"... É uma operação política. Posso até, agora, interpretar a realidade à luz da esperança...
7. O curioso é que, na última seção do artigo-projeto, Mueller trará de volta a noção de "fé", logo, de "teologia", como sendo o óculos com o qual se há de interpretar a realidade. Logo ele que batera doído em Barth, porque Barth afirma a objetividade do dogma, enquanto Mueller e Geffré preferem essa prestidigitação de afirmar a "hermenêutica", sem, contudo, abrir mão do dogma. Barth é mais honesto...
8. Digo-o pelo simples fato de que uma constituição "hermenêutica" da Telogia, se for levada a sério, e nunca o é, sempre se volta a Nicéia, tornaria a Teologia um caleidoscópio. Mas o que Mueller, Geffré e toda a série de "teólogos (gadamerianos) da hermenûtica" fazem, invariavelmente, é pressupor Deus, o de sempre, o de Barth, inclusive, porque esse Deus arrasta consigo desde a harmatologia cristã até as doutrinas de Jesus Cristo, de salvação, do "Espírito", da graça etc., e, pressupondo-o, alegarem que a interface humana, o discurso, é interpretativo, mas é apenas o discurso, sem, com isso, permititrem que a crítica invada o céu - intocável.
9. Nesse aspecto, penso que a Teologia como Metáfora, que não deixa de ser politicamente equivalente à Telogia Dialética, é, ao menos, mais internamente coerente do que a proposta "hermenêutica" - nasce até dela! Às favas as realidades metafísicas - Deus, Cristo, Espírito, pecado, graça... Bastem-nos as palavras Deus, Cristo, Espírito, pecado, graça, porque é com as palavras que faremos o mesmo que todos os demais, que cuidam precisar, para isso, que elas sejam verdadeiras...
10. É por isso que estou imprestável para essas teologias todas, barthianas, geffreianas, tillichianas, de ontologia, de pseudo-hermenêutica e de metáfora: tudo aí, sem exceão, é política, é inventar modos sempre "atuais" de manter o sistema, de manter tudo igual. Espero é o dia em que o edifício caia, em que os fundamentos se subvertam, que as vigas de sustentação oxidem e, sob o peso da retórica, desabem, que os vitrais se estilhacem. Depois do estrondo, depois da poeira, descobriremos o que é verdadeiramente possível sustentar, depois dessa longa noite epistemológica. Certamente que não um Deus fora de uma teologia teogônica...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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