1. Ontem, conversávamos, Valtair, Dionísio e eu, ali, no saguão do Prédio 14 da Faculdade Batista do Rio de Janeiro. A tarde se anunciava com nuvens soturnas. Dentre outros assuntos, paramos no tópico da relação entre graduação e pós-graduação em teologia no contexto brasileiro. Nesse contexto, discutia-se o sentido que haveria em, por isso, inclusive, prática comum nas mantenedoras de cursos de teologia, praticar-se uma graduação em nível "confessional" e uma pós-gradução em nível "crítico-acadêmico", um regime dissociado do outro. Grandes centros de teologia no Brasil trabalhariam sob esse regime distintivo e disfuntivo didático-programático.
2. Não quero pensar a questão na condição - porque não o sou - de "pastor". Também não quero pensar a questão sob a perspectiva das mantenedoras ditas "confessionais". Não quero pensar, tão-pouco, a questão sob a ótica das igrejas - o conhecimento não é, em sentido matemático, uma função da política, antes, a política, a boa, dever-se-ia praticar em função do conhecimento. Penso que o princípio básico de operação dessa disjunção entre gradução (formação superior básica) e pós-graduação (aprofundamento e especialização, desenvolvimento de novos conhecimentos) não gere verdadeiros benefícios nem para a mantenedora, nem para a própria teologia, nem para as, em tese, mais interessadas, as igrejas - quanto menos dizê-lo em relação aos estudantes.
3. No campo das disciplinas teológicas, essa disjunção seleciona programaticamente conteúdos "autorizados", "normativos", dentre, ou, as mais das vezes, em detrimento dos conteúdos realmente obrigatórios para a formação superior do teólogo. Não se faz verdadeira teologia nem se promove verdadeira formação teológica superior, aí, onde os conteúdos são introduzidos e administrados por força de uma ideologia confessional, fechada, qualquer que seja ela, quem quer que lha opere. O que quer que constitua capítulo e conteúdo da "teologia" - e é a História quem o define - deve constar do programa da formação superior do teólogo, inclusive já na graduação.
4. No campo do graduando, peca-se pela negação programática a esse estudante do acesso às informações que lhe permitiriam a adminsitração de sua própria formação. Não há verdadeira formação - o nome, nesse caso, é bem outro, talvez, até, deformação - quando são negadas informações ao estudante, informações essas que, sob os critérios de uma instituição, qualquer que seja ela, são, por qualquer razão, "suspeitos", quando, não já, tratados como nocivos. Não se vê, só a t´tiulo de exemplo, porque, ao menos, teve a audácia de o dizer publicamente, a acusação que o Prof. Dr. Nicodemus Lopes fez e faz ao método histórico-crítico, dizendo-o prejudicial à Igreja? Ora, sem o método histórico-crítico não se faz teologia superior, acadêmica, séria, e tão-pouco se constitui uma consciência crítica - mas talvez se queira justamente isso: um rebanho apático e acéfalo, pacífico e bovino, gado miúdo.
5. No campo da pós-gradução, cria-se um fosso intransponível entre ela e a formação superior em nível de graduação. É como se fosse dito ao pós-graduando que, agora sim, ele vai começar a estudar - antes, era catequese paga. Há, ainda, um efeito constrangedor - percebem-se "teólogos" pós-graduados e, ao mesmo tempo, a serviço de igrejas e denominações religiosas, cujos discursos, nesses contextos, não reverberam absolutamente nada dos conteúdos apreendidos e construídos no mestrado ou no doutorado. É evidente - uma vez que a prática teológica eclesiástica legitima e é legitimada pelo controle de conteúdos e de práticas da graduação, e uma vez que a pós-graduação rompe com esse regime, não há, para a Igreja, qualquer benefício decorrente das pós-graduações que as mantenedoras sustentem, porque o que quer que ali se ensine/aprenda não encontrará eco na prática eclesial. Nem pode, porque se o que se pratica aí é fruto da "formação/deformação" superior na graduação controlada...
6. A quem, pois, acaba interessando a pós-graduação?, na prática? Aos pós-graduados, que, assim, conseguem usufruir, eles, mas não as comunidades de base, o "melhor" dos dois mundos. Na condição de pastores, ensaiam um papel consoante a graduação "superior" (confissão programática e anti-crítica, formação a serviço da manutenção dos sitemas e dos status quo). Na condição de mestres e/ou doutores, desfilam uma coleção de diplomas que lhes conferem um status eventualmente útil em artigos, lattes e afins, mas que, dada aquela premissa política de entrada didático-pedagógica da formação superior teológica confessional, é absolutamente imprestável e descompassada em relação à real prática do sistema, em contexto eclesiástico.
7. No contexto da Igreja, perde-se, perde-se e só se perde. Tratando-se de Brasil, então! Furtados de "saber", de verdadeiro saber, desde as décadas da adminsitração militar do país, o que implicou na administração programática e ideológica dos conteúdos escolares. Furtados de verdadeiro saber por uma história pós-militar brasileira, entregue às elites e à plutocracia nacional, responsável criminosa pela deterioração da qualidade do ensino - ensino?, faz-me rir! - escolar médio no país. Finalmente, furtadas na própria Igreja de "saber", por conta do controle ideológico e político não apenas de rotinas de conhecimento, mas, claro!, também de conteúdos específicos. O que resta a essa Igreja senão a condição de gado? E com "respaldo" bíblico, histórico-gramaticalmente lida?
8. Não posso, portanto, concordar com a sistemática eventualmente hegemônica das instituições de ensino superior de teologia confessional cristã no Brasil, quando elas estabelecem, programaticamente, a disjunção sistemática e política dos regimes de graduação e pós-graduação, transformando a gradução em sistemas de produção em série de "profissionais" reprodutores do próprio sistema, uma educação bancária que pouco tem de diferente da catequese. Já aí, na graduação, o estudante, a estudante, devem ser arrancados de sua condição heterônoma em face da "verdade", devem ser desafiados à crítica e à auto-crítica, devem ser encorajados ao aprofundamento de sua formação, devem ser tratados como seres humanos plenos de dignidade, em face de quem a manipulação programática de conteúdos soa não apenas como crime de lesa-individualidade, mas de lesa-humanidade.
9. Não sei se falo no deserto. Manifesto minha opinião. Onde quer que a gradução esteja a serviço de programas ideológicos confessionais fechados e reprodutores de si mesmos, e a pós-graduação se apresente como parque de diversões das consciências dos gestores daquela rotina política institucional, aí não se fará, nunca, nem lá nem cá, decente teologia - porque a teologia decente visa à formação integral do homem, inclusive, portanto, também de seu caráter.
10. É imprescindível, e injustificável que tal não ocorra, que a pós-graduação interpenetre a graduação, que esteja, como cunha, fincada em seus rins, que a norteie na direção sempre progresiva de uma teologia cada vez mais emancipada e emancipadora. A pós-graduação, e isso significa pós-graduandos e pós-graduados, não pode aceitar um papel decorativo, seja do sistema, seja dos currículos. Não é sequer ético, para dizer o pouco imprescindível. É aí, nos cursos de mestrado e de doutorado que devem emergir as forças de orientação da carreira teológica, ainda que, e por isso mesmo, a serviço da igreja, porque da sociedade.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Não quero pensar a questão na condição - porque não o sou - de "pastor". Também não quero pensar a questão sob a perspectiva das mantenedoras ditas "confessionais". Não quero pensar, tão-pouco, a questão sob a ótica das igrejas - o conhecimento não é, em sentido matemático, uma função da política, antes, a política, a boa, dever-se-ia praticar em função do conhecimento. Penso que o princípio básico de operação dessa disjunção entre gradução (formação superior básica) e pós-graduação (aprofundamento e especialização, desenvolvimento de novos conhecimentos) não gere verdadeiros benefícios nem para a mantenedora, nem para a própria teologia, nem para as, em tese, mais interessadas, as igrejas - quanto menos dizê-lo em relação aos estudantes.
3. No campo das disciplinas teológicas, essa disjunção seleciona programaticamente conteúdos "autorizados", "normativos", dentre, ou, as mais das vezes, em detrimento dos conteúdos realmente obrigatórios para a formação superior do teólogo. Não se faz verdadeira teologia nem se promove verdadeira formação teológica superior, aí, onde os conteúdos são introduzidos e administrados por força de uma ideologia confessional, fechada, qualquer que seja ela, quem quer que lha opere. O que quer que constitua capítulo e conteúdo da "teologia" - e é a História quem o define - deve constar do programa da formação superior do teólogo, inclusive já na graduação.
4. No campo do graduando, peca-se pela negação programática a esse estudante do acesso às informações que lhe permitiriam a adminsitração de sua própria formação. Não há verdadeira formação - o nome, nesse caso, é bem outro, talvez, até, deformação - quando são negadas informações ao estudante, informações essas que, sob os critérios de uma instituição, qualquer que seja ela, são, por qualquer razão, "suspeitos", quando, não já, tratados como nocivos. Não se vê, só a t´tiulo de exemplo, porque, ao menos, teve a audácia de o dizer publicamente, a acusação que o Prof. Dr. Nicodemus Lopes fez e faz ao método histórico-crítico, dizendo-o prejudicial à Igreja? Ora, sem o método histórico-crítico não se faz teologia superior, acadêmica, séria, e tão-pouco se constitui uma consciência crítica - mas talvez se queira justamente isso: um rebanho apático e acéfalo, pacífico e bovino, gado miúdo.
5. No campo da pós-gradução, cria-se um fosso intransponível entre ela e a formação superior em nível de graduação. É como se fosse dito ao pós-graduando que, agora sim, ele vai começar a estudar - antes, era catequese paga. Há, ainda, um efeito constrangedor - percebem-se "teólogos" pós-graduados e, ao mesmo tempo, a serviço de igrejas e denominações religiosas, cujos discursos, nesses contextos, não reverberam absolutamente nada dos conteúdos apreendidos e construídos no mestrado ou no doutorado. É evidente - uma vez que a prática teológica eclesiástica legitima e é legitimada pelo controle de conteúdos e de práticas da graduação, e uma vez que a pós-graduação rompe com esse regime, não há, para a Igreja, qualquer benefício decorrente das pós-graduações que as mantenedoras sustentem, porque o que quer que ali se ensine/aprenda não encontrará eco na prática eclesial. Nem pode, porque se o que se pratica aí é fruto da "formação/deformação" superior na graduação controlada...
6. A quem, pois, acaba interessando a pós-graduação?, na prática? Aos pós-graduados, que, assim, conseguem usufruir, eles, mas não as comunidades de base, o "melhor" dos dois mundos. Na condição de pastores, ensaiam um papel consoante a graduação "superior" (confissão programática e anti-crítica, formação a serviço da manutenção dos sitemas e dos status quo). Na condição de mestres e/ou doutores, desfilam uma coleção de diplomas que lhes conferem um status eventualmente útil em artigos, lattes e afins, mas que, dada aquela premissa política de entrada didático-pedagógica da formação superior teológica confessional, é absolutamente imprestável e descompassada em relação à real prática do sistema, em contexto eclesiástico.
7. No contexto da Igreja, perde-se, perde-se e só se perde. Tratando-se de Brasil, então! Furtados de "saber", de verdadeiro saber, desde as décadas da adminsitração militar do país, o que implicou na administração programática e ideológica dos conteúdos escolares. Furtados de verdadeiro saber por uma história pós-militar brasileira, entregue às elites e à plutocracia nacional, responsável criminosa pela deterioração da qualidade do ensino - ensino?, faz-me rir! - escolar médio no país. Finalmente, furtadas na própria Igreja de "saber", por conta do controle ideológico e político não apenas de rotinas de conhecimento, mas, claro!, também de conteúdos específicos. O que resta a essa Igreja senão a condição de gado? E com "respaldo" bíblico, histórico-gramaticalmente lida?
8. Não posso, portanto, concordar com a sistemática eventualmente hegemônica das instituições de ensino superior de teologia confessional cristã no Brasil, quando elas estabelecem, programaticamente, a disjunção sistemática e política dos regimes de graduação e pós-graduação, transformando a gradução em sistemas de produção em série de "profissionais" reprodutores do próprio sistema, uma educação bancária que pouco tem de diferente da catequese. Já aí, na graduação, o estudante, a estudante, devem ser arrancados de sua condição heterônoma em face da "verdade", devem ser desafiados à crítica e à auto-crítica, devem ser encorajados ao aprofundamento de sua formação, devem ser tratados como seres humanos plenos de dignidade, em face de quem a manipulação programática de conteúdos soa não apenas como crime de lesa-individualidade, mas de lesa-humanidade.
9. Não sei se falo no deserto. Manifesto minha opinião. Onde quer que a gradução esteja a serviço de programas ideológicos confessionais fechados e reprodutores de si mesmos, e a pós-graduação se apresente como parque de diversões das consciências dos gestores daquela rotina política institucional, aí não se fará, nunca, nem lá nem cá, decente teologia - porque a teologia decente visa à formação integral do homem, inclusive, portanto, também de seu caráter.
10. É imprescindível, e injustificável que tal não ocorra, que a pós-graduação interpenetre a graduação, que esteja, como cunha, fincada em seus rins, que a norteie na direção sempre progresiva de uma teologia cada vez mais emancipada e emancipadora. A pós-graduação, e isso significa pós-graduandos e pós-graduados, não pode aceitar um papel decorativo, seja do sistema, seja dos currículos. Não é sequer ético, para dizer o pouco imprescindível. É aí, nos cursos de mestrado e de doutorado que devem emergir as forças de orientação da carreira teológica, ainda que, e por isso mesmo, a serviço da igreja, porque da sociedade.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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