1. Do livro Mensagem, de Fernando Pessoa, com ilustração de Pedro Souza Pereira: "Mar Português":
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
2. "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena". Ah, como fácil verga a língua do poeta. Como neve, ela degela sob a inclemência da palavra. Todavia, parece que as mães que choraram, os filhos que em vão rezaram, as noivas por casar, são todas pessoas outras que não o poeta. O poeta não é o marinheiro cuja mãe chora para sempre, cujo filho, debalde, ora e espera, cuja noiva, ainda agora, desespera. O poeta é, apenas, aquele que olha o mar, e lembra-se da dor por outros guardada, para que, agora, ele, o mar, o salgado mar das lágrimas portuguesas, fosse, agora, vosso. Ser vosso o mar valeu cada lágrima vertida e contida de um povo... Vosso é o mar - mas a dor é deles.
3. Nem falar das lágrimas - e, agora, também do sangue - de mães, filhos, noivas, pais, filhas, noivos, meninos, meninas, velhos, velhas, homens, mulheres, que, para além do Mar, encontraram-nos as naus portuguesas, cada ripa, uma cruz, cada caibro, um madeiro, cada prego, uma espada, cada marujo, um algoz. Perguntar, poeta, aos povos andinos, a ver se entendem de pequenezas e de grandezas de almas outras...
4. Se valeu a pena? Bem, cá estou eu, filho dessa saga de sangue, tendo na veia a memória das lágrimas de outrora. O que o poeta quer de mim é uma condescendência pessoal, uma justificativa do sangue, preço da minha vida. Não posso, poeta, não posso. Que chorem as mães, os filhos, as noivas, e sintam o fel de sua dor. Que desesperem os povos da América, sob o peso da capitânia lusitana. Cada qual chore a sua dor inconsolável. É tudo quanto nos basta - e viver.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
2. "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena". Ah, como fácil verga a língua do poeta. Como neve, ela degela sob a inclemência da palavra. Todavia, parece que as mães que choraram, os filhos que em vão rezaram, as noivas por casar, são todas pessoas outras que não o poeta. O poeta não é o marinheiro cuja mãe chora para sempre, cujo filho, debalde, ora e espera, cuja noiva, ainda agora, desespera. O poeta é, apenas, aquele que olha o mar, e lembra-se da dor por outros guardada, para que, agora, ele, o mar, o salgado mar das lágrimas portuguesas, fosse, agora, vosso. Ser vosso o mar valeu cada lágrima vertida e contida de um povo... Vosso é o mar - mas a dor é deles.
3. Nem falar das lágrimas - e, agora, também do sangue - de mães, filhos, noivas, pais, filhas, noivos, meninos, meninas, velhos, velhas, homens, mulheres, que, para além do Mar, encontraram-nos as naus portuguesas, cada ripa, uma cruz, cada caibro, um madeiro, cada prego, uma espada, cada marujo, um algoz. Perguntar, poeta, aos povos andinos, a ver se entendem de pequenezas e de grandezas de almas outras...
4. Se valeu a pena? Bem, cá estou eu, filho dessa saga de sangue, tendo na veia a memória das lágrimas de outrora. O que o poeta quer de mim é uma condescendência pessoal, uma justificativa do sangue, preço da minha vida. Não posso, poeta, não posso. Que chorem as mães, os filhos, as noivas, e sintam o fel de sua dor. Que desesperem os povos da América, sob o peso da capitânia lusitana. Cada qual chore a sua dor inconsolável. É tudo quanto nos basta - e viver.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
(Para os créditos do poema e da ilustração, cf. aqui)
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