1. De programas da MTV até a Internet, corre uma desairosa brincadeira, qual seja tratar-se o Acre como lenda, como no mans's land, como lugar que não existe, terra de ninguém, capitania de um homem só, essas coisas. Agora há pouco, contudo, o Acre invadiu a tela de meu computador, indignado! O Acre existe! - e acreanos de monte...
2. Trata-se de uma celeuma cuasada por uma regra do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que estabelece que: "'escrevem-se com i, e não com e, antes da sílaba tónica/tônica, os adjetivos e substantivos derivados em que entram os sufixos mistos de formação vernácula -iano e -iense, os quais são o resultado da combinação dos sufixos -ano e -ense com um i de origem analógica (baseado em palavras onde -ano e -ense estão precedidos de i pertencente ao tema: horaciano, italiano, duriense, flaviense, etc.): açoriano, acriano (de Acre), camoniano, goisiano (relativo a Damião de Góis), siniense (de Sines), sofocliano, torriano, torriense [de Torre(s)]'". Nos termos do Acordo Ortográfico, o povo "acreano", doravante, deve chamar-se "acriano".
3. A população, a sociedade civil, a Assembléia Legislativa, o Governo do Estado, a Academia Acreana de Letras, gente de toda parte do Acre entrou em "batalha" contra o Acordo - recusam-se, dado que de dizem - e são! - acreanos "desde que o Acre é Acre", a verem-se transformados em acrianos por meio de um Acordo que lhes tira o senso histórico de cidadãos de um Estado que brasileiro é por opção. Prometem "desobediência civil". "Nasci no Acre, vou morrer acreano", diz Antonio Alves, jornalista e escritor, "e desde que o Acre é Acre sempre se escreveu acreano (…) Tenho 61 anos e nunca vi outra grafia aqui em nossa terra", arremata a doutora em língua portuguesa, Luísa Galvão Lessa.
4. Quanta briga por conta de um "i"! E, no entanto, eu entendo bem essa briga. Meus pais deram-me por nome "Osvaldo". Quando alguém o vai escrever, quase sempre tenho de informar se é com "v" ou com "w" - e, quando não perguntam, quase sempre grafam com "w". Com efeito, o nome deriva do alemão - wald -, de modo que meu nome, com "v", está "errado". Contudo, o mesmo Acordo Ortográfico, que exige que os acreanos transformem-se em acrianos, mais do que isso, que os acreanos vejam-se na grafia acrianos, permite que os nomes próprios, das pessoas, possam ser escritos de qualquer jeito, até com trema, de modo que a Gisele o poderá continuar carregando em seu Büenchen. Assim, Osvaldo está certíssimo. Também o nome de meu amor, Izabel, que a grafia carinhosa, "Bel", oculta, tanto pode ser escrito com "z" quanto com "s". Mas os acreanos, manda o Acordo, terão de mudar seu nome para acrianos, como, nos termos do Acordo, "açorianos" (de Açores) e "torrianos" (de Torre).
5. Ora, mas se eu, única pessoa, posso orgulhar-me de meu nome escrito errado, com "v" - quem escreve com "w" mando escrever de novo (quando alunos me entregam trabalhos com a grafia "Oswaldo" dá vontade de tirar pontos!), por que um povo inteiro terá de mudar a forma histórica e tradicional com que se reconhecem a si mesmos, ciosos de si, orgulhosos de sua cidadania? Um único cidadão do Acre não é o Acre. Ele não pode dizer "eu sou o Acre" - o único jeito de ele o fazer, de ele unir-se a seus concidadãos, é dizer-se um "acreano" (ou um "acriano", como quer o Acordo). Mas dizer-se "acriano", para um "acreano", não é o mesmo que obrigar-me a mim grafar-me "Oswaldo"? Não deve valer, para esse povo, a mesma complacência lingüística a mim - e à Büenchen - dispensada?
6. Ah, essa vale, sim, uma desobediência civil...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Trata-se de uma celeuma cuasada por uma regra do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que estabelece que: "'escrevem-se com i, e não com e, antes da sílaba tónica/tônica, os adjetivos e substantivos derivados em que entram os sufixos mistos de formação vernácula -iano e -iense, os quais são o resultado da combinação dos sufixos -ano e -ense com um i de origem analógica (baseado em palavras onde -ano e -ense estão precedidos de i pertencente ao tema: horaciano, italiano, duriense, flaviense, etc.): açoriano, acriano (de Acre), camoniano, goisiano (relativo a Damião de Góis), siniense (de Sines), sofocliano, torriano, torriense [de Torre(s)]'". Nos termos do Acordo Ortográfico, o povo "acreano", doravante, deve chamar-se "acriano".
3. A população, a sociedade civil, a Assembléia Legislativa, o Governo do Estado, a Academia Acreana de Letras, gente de toda parte do Acre entrou em "batalha" contra o Acordo - recusam-se, dado que de dizem - e são! - acreanos "desde que o Acre é Acre", a verem-se transformados em acrianos por meio de um Acordo que lhes tira o senso histórico de cidadãos de um Estado que brasileiro é por opção. Prometem "desobediência civil". "Nasci no Acre, vou morrer acreano", diz Antonio Alves, jornalista e escritor, "e desde que o Acre é Acre sempre se escreveu acreano (…) Tenho 61 anos e nunca vi outra grafia aqui em nossa terra", arremata a doutora em língua portuguesa, Luísa Galvão Lessa.
4. Quanta briga por conta de um "i"! E, no entanto, eu entendo bem essa briga. Meus pais deram-me por nome "Osvaldo". Quando alguém o vai escrever, quase sempre tenho de informar se é com "v" ou com "w" - e, quando não perguntam, quase sempre grafam com "w". Com efeito, o nome deriva do alemão - wald -, de modo que meu nome, com "v", está "errado". Contudo, o mesmo Acordo Ortográfico, que exige que os acreanos transformem-se em acrianos, mais do que isso, que os acreanos vejam-se na grafia acrianos, permite que os nomes próprios, das pessoas, possam ser escritos de qualquer jeito, até com trema, de modo que a Gisele o poderá continuar carregando em seu Büenchen. Assim, Osvaldo está certíssimo. Também o nome de meu amor, Izabel, que a grafia carinhosa, "Bel", oculta, tanto pode ser escrito com "z" quanto com "s". Mas os acreanos, manda o Acordo, terão de mudar seu nome para acrianos, como, nos termos do Acordo, "açorianos" (de Açores) e "torrianos" (de Torre).
5. Ora, mas se eu, única pessoa, posso orgulhar-me de meu nome escrito errado, com "v" - quem escreve com "w" mando escrever de novo (quando alunos me entregam trabalhos com a grafia "Oswaldo" dá vontade de tirar pontos!), por que um povo inteiro terá de mudar a forma histórica e tradicional com que se reconhecem a si mesmos, ciosos de si, orgulhosos de sua cidadania? Um único cidadão do Acre não é o Acre. Ele não pode dizer "eu sou o Acre" - o único jeito de ele o fazer, de ele unir-se a seus concidadãos, é dizer-se um "acreano" (ou um "acriano", como quer o Acordo). Mas dizer-se "acriano", para um "acreano", não é o mesmo que obrigar-me a mim grafar-me "Oswaldo"? Não deve valer, para esse povo, a mesma complacência lingüística a mim - e à Büenchen - dispensada?
6. Ah, essa vale, sim, uma desobediência civil...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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