terça-feira, 9 de dezembro de 2008

(2008/98) Vav


1. Osvaldo faz objeções ao termo 'mas' utilizado por mim no meu último post. Pergunta pelo significado desta expressão no contexto daquele parágrafo.

2. Só posso dizer que o background foi a língua hebraica. É sabido, claro pelos que manejam minimamente o hebraico, que o vav tem o sentido básico de conjunção aditiva, indicando para o 'e'. Só secundariamente, o vav adquire o sentido de conjunção adversativa.

3. A questão é como saber. Trata-se de uma reflexão hermenêutica profunda. A intentio auctoris é o sentido primário ou o sentido secundário? Ou ambos? Quais são os critérios e os passos metodológicos para a conclusão, provavelmente, mais acertada?

4. As finesses hermenêuticas na tradução e interpretação do vav ficaram patentes na tradução daquela frase da protagonista do livro de Cântico dos cânticos. Deve ser: "sou morena, mas bonita" ou "sou morena e bonita", ou como quer quem acolhe impulsos de uma hermenêutica que cuida das questões étnico-raciais, "sou negra e linda"?

5. No hebraico não há como saber com certeza. Simplesmente há um vav na referida passagem. Optar pelo sentido secundário pode até ser atribuído à ingenuidade, mas indica, com certeza, para um background histórico-cultural, segundo o qual o que está associado com a cor negra, com a pele negra, deve receber primeiramente um qualificativo negativo, podendo ser abrandando por uma expressão adversativa ('porém', 'mas', 'contudo', etc.). Quem opta pelo sentido básico, provavelmente acerta com o sentido fundamental. Por mais que a opção seja 'politicamente correta' ou melhor 'historicamente correta', considerando aqui a história dos efeitos na proposição de Gadamer, resta sempre a incógnita, nunca plenamente resolvida: a minha tradução é a mesma coisa do original ou é quase a mesma coisa? (Ver o novo livro de Umberto Eco, Tradução: quase a mesma coisa, 2007).

6. No caso questionado por Osvaldo, o autor ainda está vivo. Pode servir de interlocutor. Mas, e se somente tivéssemos o texto? Qual seria o grau de probabilidade, na escala científica, da conclusão? A validação estaria inscrita (somente) no campo de possibilidades da intenctio lectoris?

7. Osvaldo, o 'mas' , em sua origem, é um vav. A varanda como oficina fica para outro post.


HAROLDO REIMER

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