1. Haroldo, penso que, no final das contas, você não me respondeu. Deu uma boa volta, arrimou-se na "bengala" do vav, mas, a minha resposta, que eu queria, não veio. Se veio, escapou-me, o que não é impossível. Fico, todavia, como que à espera dela. No entanto, talvez eu tenha me expressado mal, quando, no meu post anterior, que você responde, pedi-lhe explicações sobre o "mas", quando, na verdade, minha dificuldade estava em relacionar o oração que vem depois dele às que vêm antes - "gratuidade", "valor em si", "obra", "descanso, "trabalho". Não sei se entendi, e, convenhamos, sua resposta (cf. post anterior) não parece me atender...
2. Há, ainda, um problema. Em hebraico, você está certo, o vav pode ser "e", "mas", "então", "pois". Mas, em Língua Portuguesa - Celeste, se estiver lendo, ajuda aí -, o "mas" é, sempre, conjunção adversativa (às vezes, concessiva). Eu não poderia, não me vem à cabeça uma possibilidade, escrever "mas" quando, na verdade, queria dizer "e", ou "pois", ou "então"... Já em hebraico, o vav, aí sim, pode ter o valor semântico/sintático que, em língua portuguesa, traduz-se pela aditiva, pela adversativa, pela explicativa, pela consecutiva - e outras coisas mais, eventualmente.
3. Pegunto-me se essa ambigüidade do vav condiz com a norma comunicativa de uma cultura. Penso que não. Como uma língua pode não se dar conta de um grau de ambigüidade dessa envergadura - a ponto de Ct 1,5 servir de discussão a respeito dessa questão (eu me filio, você deve imaginar, à categoria dos que vêm, ali, uma adversativa, por conta do que vem logo adiante, na passagem: o sol queimou a pele dela, mas ela pede que isso não seja levando em conta, na prática, algo como uma cortadora de cana brasileira, pele tisnada, e, por tisnada, envelhecida. Não se trata, a meu ver, de uma questão étnica (problema do filtro da hermenêutica engajada?), mas sócio-econômica. Mas deixemos isso de lado, por enquanto).
4. Eu penso que a solução da ambigüidade, não para nós, mas para a língua hebraica, dever-se-ia ao contexto performático das leituras - públicas! Os textos não eram lidos como nós os lemos, cada qual lê Machado, em casa, à meia luz, no silêncio, eu, lendo seu post, o "mas" me olhando, mudo, e eu tendo que lhe dar uma voz... Os textos eram lidos para as pessoas, e, eu imagino, a performance da oralidade pública, o gestual, a encenação, o comportamento do leitor, a inflexão da voz, do tom, a acentuação retórica, o esgar significativo, tudo isso se dando anaforicamente em relação à narrativa sobrevivente, ratificava a intentio auctoris - ao menos quando era a pessoa que havia escrito/encomendado o texto também aquela a ler/supervisionar a leitura pública do texto. Faz sentido?
5. Nós perdemos o contexto oral/performático da leitura. Penso que parte da mensagem do texto esteja na performance de encomenda da narrativa. Como essa se perdeu, perdemos, definitivamente muito da condição de chegarmos às filigranas - indiscutivelmente - da intenção histórico-social da passagem. Podemos reconstruir as possibilidades, trabalhar no campo das probabilidades, tecnicamente finitas e controláveis. A exegese opera na dimensão do plausível, e sua "demonstração" opera no campo da retórica. Essa condição não pode ser usada contra ela - porque isso é ela (cf. Carlo Ginzburg, Relações de Força)..
6. Seja como for, nossa condição histórica, defasada, em relação à narrativa, não define a questão: nossa posição é, em relação a nosso objetivo, um defeito, um obstáculo - a ser transporto, a ser corrigido (naturalmente que de forma teórico-metodológica) -, não uma plataforma definidora do processo em si, a instância hermenêutica chave do processo. É a despeito de nossa posição, é contra ela - e não tornando-a critério hermenêutico!: a lacuna, a distância, a falta intransponíveis - que temos de acessar, se queremos acessar, e queremos, não?, o sentido histórico-social de uma passagem. Inclusive o do vav.
7. Nesse caso, Haroldo, volto a seus párágrafos:
7.1 "9. Meu amigo Osvaldo está profícuo. A sua varanda parece uma oficina a todo vapor. Já bateu Kierkegaard, que não queria passar um dia sem escrever uma página.
7.2 10. Mas, varanda também é descanso. Neste sentido, gratuidade. Em gratuidade, o valor está em si, nunca nas 'obras'. Mas, é bom ler os seus textos!" Haroldo Reimer, (2008/95) Teologia no MEC).
8. O primeiro "mas" tem uma função adversativa clara: a varanda está muito atulhada de trabalho - "todavia", ela é (deveria ser?) também lugar de descanso. A bina antagônica - trabalho versus descanso - ratifica a interpretação desse "mas" como adversativo. O segundo "mas", no entanto, pode ter uma função concessiva, quando, então, "mas" seria sinônimo de "não obstante". Pode ter, ainda, o sentido mais comum, adversativo. O que eu não consigo ver nele é uma função aditiva... Fosse, de fato - e não é! - um vav, estaríamos encrencados... Mas é um "mas". E, entretanto, você me diz que ele é um vav.
9. Que seja. Mas informo: ainda não consegui decifrar esses dois parágrafos inteiramente.
10. Interessa-me ler o novo livro de Umberto Eco - não o conhecia. Vou atrás dele. Espero, contudo, que não me venha com aquela história de intentio operis, que, malgrado toda a fama do hermeneuta, isso, simplesmente, não existe: uma invenção política para sair da alternativa "positivismo exegético" (intentio auctoris) e "ideologia engajada" (intentio lectoris) (cf., dele, Interpretação e Superinterpretação). Mas, Jimmy sabe, isso é coisa que sai da minha cabeça...
11. Aliás, por onde anda esse contra-Kieerkgaard, dia nenhum, nenhuma linha?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Há, ainda, um problema. Em hebraico, você está certo, o vav pode ser "e", "mas", "então", "pois". Mas, em Língua Portuguesa - Celeste, se estiver lendo, ajuda aí -, o "mas" é, sempre, conjunção adversativa (às vezes, concessiva). Eu não poderia, não me vem à cabeça uma possibilidade, escrever "mas" quando, na verdade, queria dizer "e", ou "pois", ou "então"... Já em hebraico, o vav, aí sim, pode ter o valor semântico/sintático que, em língua portuguesa, traduz-se pela aditiva, pela adversativa, pela explicativa, pela consecutiva - e outras coisas mais, eventualmente.
3. Pegunto-me se essa ambigüidade do vav condiz com a norma comunicativa de uma cultura. Penso que não. Como uma língua pode não se dar conta de um grau de ambigüidade dessa envergadura - a ponto de Ct 1,5 servir de discussão a respeito dessa questão (eu me filio, você deve imaginar, à categoria dos que vêm, ali, uma adversativa, por conta do que vem logo adiante, na passagem: o sol queimou a pele dela, mas ela pede que isso não seja levando em conta, na prática, algo como uma cortadora de cana brasileira, pele tisnada, e, por tisnada, envelhecida. Não se trata, a meu ver, de uma questão étnica (problema do filtro da hermenêutica engajada?), mas sócio-econômica. Mas deixemos isso de lado, por enquanto).
4. Eu penso que a solução da ambigüidade, não para nós, mas para a língua hebraica, dever-se-ia ao contexto performático das leituras - públicas! Os textos não eram lidos como nós os lemos, cada qual lê Machado, em casa, à meia luz, no silêncio, eu, lendo seu post, o "mas" me olhando, mudo, e eu tendo que lhe dar uma voz... Os textos eram lidos para as pessoas, e, eu imagino, a performance da oralidade pública, o gestual, a encenação, o comportamento do leitor, a inflexão da voz, do tom, a acentuação retórica, o esgar significativo, tudo isso se dando anaforicamente em relação à narrativa sobrevivente, ratificava a intentio auctoris - ao menos quando era a pessoa que havia escrito/encomendado o texto também aquela a ler/supervisionar a leitura pública do texto. Faz sentido?
5. Nós perdemos o contexto oral/performático da leitura. Penso que parte da mensagem do texto esteja na performance de encomenda da narrativa. Como essa se perdeu, perdemos, definitivamente muito da condição de chegarmos às filigranas - indiscutivelmente - da intenção histórico-social da passagem. Podemos reconstruir as possibilidades, trabalhar no campo das probabilidades, tecnicamente finitas e controláveis. A exegese opera na dimensão do plausível, e sua "demonstração" opera no campo da retórica. Essa condição não pode ser usada contra ela - porque isso é ela (cf. Carlo Ginzburg, Relações de Força)..
6. Seja como for, nossa condição histórica, defasada, em relação à narrativa, não define a questão: nossa posição é, em relação a nosso objetivo, um defeito, um obstáculo - a ser transporto, a ser corrigido (naturalmente que de forma teórico-metodológica) -, não uma plataforma definidora do processo em si, a instância hermenêutica chave do processo. É a despeito de nossa posição, é contra ela - e não tornando-a critério hermenêutico!: a lacuna, a distância, a falta intransponíveis - que temos de acessar, se queremos acessar, e queremos, não?, o sentido histórico-social de uma passagem. Inclusive o do vav.
7. Nesse caso, Haroldo, volto a seus párágrafos:
7.1 "9. Meu amigo Osvaldo está profícuo. A sua varanda parece uma oficina a todo vapor. Já bateu Kierkegaard, que não queria passar um dia sem escrever uma página.
7.2 10. Mas, varanda também é descanso. Neste sentido, gratuidade. Em gratuidade, o valor está em si, nunca nas 'obras'. Mas, é bom ler os seus textos!" Haroldo Reimer, (2008/95) Teologia no MEC).
8. O primeiro "mas" tem uma função adversativa clara: a varanda está muito atulhada de trabalho - "todavia", ela é (deveria ser?) também lugar de descanso. A bina antagônica - trabalho versus descanso - ratifica a interpretação desse "mas" como adversativo. O segundo "mas", no entanto, pode ter uma função concessiva, quando, então, "mas" seria sinônimo de "não obstante". Pode ter, ainda, o sentido mais comum, adversativo. O que eu não consigo ver nele é uma função aditiva... Fosse, de fato - e não é! - um vav, estaríamos encrencados... Mas é um "mas". E, entretanto, você me diz que ele é um vav.
9. Que seja. Mas informo: ainda não consegui decifrar esses dois parágrafos inteiramente.
10. Interessa-me ler o novo livro de Umberto Eco - não o conhecia. Vou atrás dele. Espero, contudo, que não me venha com aquela história de intentio operis, que, malgrado toda a fama do hermeneuta, isso, simplesmente, não existe: uma invenção política para sair da alternativa "positivismo exegético" (intentio auctoris) e "ideologia engajada" (intentio lectoris) (cf., dele, Interpretação e Superinterpretação). Mas, Jimmy sabe, isso é coisa que sai da minha cabeça...
11. Aliás, por onde anda esse contra-Kieerkgaard, dia nenhum, nenhuma linha?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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