domingo, 7 de dezembro de 2008

(2008/090) Crítica e conseqüência


1. Quem escreveu a seguinte declaração: "espírito crítico significa a disposição de questionar tudo: nenhuma 'justificativa' bíblica ou cristológica deve ser aceita acriticamente". Alternativa A: Osvaldo Luiz Ribeiro. Alternativa B: Friedrich Wilhelm Nietzsche. Alternativa C: Adolof von Harnack. Alternativa D: Hans Küng. Alternativa E: Johan Könings. Alternativa F: Leonardo Boff. Alternativa G: Ivoni Richter Reimer. Alternativa H: Elisabeth Schüssler Fiorenza.

2. Antes de a resposta ser apresentada, pergunto: a validade da declaração depende de quem a tenha pronunciado? Outra pergunta: o "tudo", aí, significa o quê? Quase "tudo"? Já me foi dito por doutor em Teologia que, ou o Cristianismo preserva um "núcleo proposicional revelado", logo, intocável ("Tradição" - o mais irônico é que a aula versava sobre Clifford Geertz e sua teoria da competência das comunidades/culturas locais...), ou, caso contrário, não há Cristianismo... Nesse caso, o "tudo" passa a ser, então, "quase tudo", ou seja, tudo, menos aquilo que, eventualmente criticado, revelaria a absoluta insustentabilidade do sistema (ou seja, sistema ideológico fechado, "doutrina"). Mais uma pergunta: dizer que nenhuma "justificativa" bíblica deve ser aceita acriticamente significa que, no fundo, assume-se que a Bíblia constitui, via de regra, um corpo de cultura?, de "tradição" - não, absolutamente, de "Tradição"?

3. Nos termos de um exercício de imaginação, o que aconteceria com o Cristianismo, se essa declaração fosse - e não o é, naturalmente, não internamente ao sistema - levada às suas últimas conseqüências? Ou "espírito crítico", aí, constitui uma ferramenta-compromisso, uma chave pré-encomendada, fabricada para produzir crítica a terceiros, a contra-críticas, mas, nunca, imagina!, ao próprio sistema? Para fora e, eventualmente, para certas irrelevâncias olíticas de dentro, espírito crítico! Para dentro, "fé" - a saber: doutrina, verdade, dogma, isto é, "Tradição".

4. Bem, essa é a questão epistemológica relacinada à situação da Teologia de modo geral, e, no que me diz respeito, ao Cristianismo. É fácil escrever declarações desse tipo. O difícil, entretanto, é levá-la às suas implicações mais iconoclastas, é deixar-nos levar por sua mão destruidora/reconstruidora, mão cosmogônica, sempre, nesse caso, pós-apocalíptica. Via de regra, sob meu juízo, mas sem medo de errar (estarei irremediavelmente cego, tanto quanto a cegueira que denuncio?) - qualquer teologia ainda metafísica, ainda "Traditiva" (e mesmo aquelas disfarçadas de metáfora, tão na moda, tão "políticamente corretas", tão assépticas) "negocia" o uso da crítica - aplica-a tão-somente ao contrário, ao negativo, de suas idéias, mas a si mesma, a seu próprio fundamento, à sua retórica, às suas bases epistemológicas (?), nem pensar. A Teologia - via de regra, essa que aí está, em suas interfaces ontológico-metafísicas e metafórico-traditivas ("Traditivas", ambas), morreriam à simples consideração conseqüente do espírito crítico. Empregar o termo não é garantia de sua aplicação. "Deus morto" também significa isso.

5. Eu não reformularia a declaração - pelo contrário! Apenas asseguraria, para meu metro quadrado, a sua aplicação conseqüente, pague eu o preço que tiver que pagar, e mesmo que esse preço seja a reformulação completa e irreversível de minha relação com a tradição teológica que me fez e faz. Essa talvez seja minha maior divergência com Gadamer - não acredito, nem um tantinho assim, que a "tradição" nos faz independentemente de nós mesmos (a isso eu chamaria "Tradição", e todo que trate assim a "tradição" faz dela "Tradição", seja por conveniência, seja por amor, seja por hábito, seja por acefalia epistemológica, seja por interesses políticos - o direito de vertente germânica distingue entre "culpa" e "dolo", mas isso não muda o fato de que João foi atropelado - por essa ótica, a melhor maneira de "levar os índios ao céu" é jamais lhes falar de "Jesus", porque, se não falamos, são ignorantes, e, se são ignorantes, bem, Deus há de achar um modo de ajeitá-los em algum cômodo do céu, mas se, ao contrário, falamos de "Jesus" para eles, e, eventualmente, eles não crêem, danou-se - literalmente! Fazendo as contas, o silêncio é-lhes melhor: coisas da retórica teológica, bem se vê. de um ide que é política, sobretudo).

6. Para a citação, se os leitores ainda não descobriram sua paternidade, cf. Johan Könings, Hermenêutica da tradição cristã no limiar do século XXI, Cadernos Teologia Pública, ano 1, n. 1, 2004, p. 10.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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