1. Haroldo - Jimmy vai-se perdendo como interlocutor, percebes? -, quero ser claro, tentar ser claro. No post anterior, quando problematizei a sua citação de Luc Ferry, e adverti quanto ao risco de um disfarce da cripto-transcendência, a velha transcendência metafísico-ontológica, de caráter eidético platônico (trocando em miúdos, a crença na existência em si dos valores, como coisas que existem, que são "verdadeiras" em si mesmas, que podem ser comparadas/hierarquizadas em face de seus opostos, cada valor "bom" sendo necessária e essencialmente melhor do que o seu oposto "mau"), um disfarce desse íncubus na pseudo-imanência, no uso meramente retórico do conceito de "eu/si", uma nada conseqüente contemplação da solidão humana, não sei se meu leitor haverá de ter percebido que não estou tentando dizer que antigamente se fazia errado, antes, o que agora se deveria aprender a fazer certo.
2. Explico: não estou dizendo que os valores, "bons", uns, "maus", outros, e "bons" e "maus" em si mesmos, enquanto valores que o são abaeternamente, era equivocadamente que se os punham em "Deus", seja diretamente (Agostinho), seja indiretamnte (o segundo Kant), e que, agora, corrigindo-se o equívoco geográfico, topográfico, dever-se-ia transferir tais valores, bons e maus em si mesmos, para a "real" topografia deles - a mente humana. Ora, se eu estivesse dizendo isso, estaria dizendo que, antes, os valores bons e maus estavam em Deus e no Diabo, e que, agora, os valores, não podendo mais estar em Deus ou no Diabo (para os impedidos de tal epistemologica anacrônica), mas sendo o que são, o que sempre foram, o que sempre serão, valores bons e valores maus, coisificação do valor, encontram-se fundamentados, agora, na "imanência" - seja a imanência do "eu" (Ferry) ou do "outro" (Lévinas).
3. Não estou dizendo nada nem próximo disso. O que eu queria ter dito, tentei dizer, é que não há qualquer coisa parecida com valores "bons" e valores "maus" - não há fundamentos para tais valores em si, porque não há valores em si. Valor é gosto e construção ecológicos, de um lado, personalíssimos, solipsistas, e, de outro, sociológicos, antropológicos, culturais. A História dos Valores - e penso na ética e na política, sobretudo - é a história dos ensaios de contrato entre "iguais", quero dizer, homem contra homem, força contra força, muita morte, muita perda, muita perdição, séculos e séculos de ensaio, até que uma "memória" do desperdício vai se consubstanciando em "sabedoria", depois de "avanços" contratuais, "recuos" de barbárie", avanços, recuos, sem garantias: assim e assim se consegue esse e esse resultado, assim e assado, aquele outro, e por aí a fora.
4. A "humanidade" nunca encontrou valores, tal como nunca encontrou a beleza: àqueles, formulou-os, no jogo, diante do seu irmão, amigo e inimigo, jogando, fazendo força, cabo de guerra. Nesse sentido, o valor social é, necessariamente, uma perda de potência pessoal. Digo necessariamente, porque há valores sociais que só são formulados para limitação do meu poder contra o outro, e do poder do outro contra mim - e assim deve ser. Se me analiso por mim mesmo, esse valor me reduz, reduz minha força, meu próprio poder. Nietzsche, aristocrático, terá percebido isso? Sim, a democracia me reduz, me diminiu, faz de mim um menos-poder, em face dos outros, que, a despeito disso, igualmente têm seu próprio poder diminuído - o que só funciona no jogo interessado, franco, honesto, caso contrário instala-se a fraude e a corrupção, como grassa no Brasil, jogo que se joga na trapaça o tempo todo (até quando?), e a mentira e o engodo, como grassa na epistemologia teológica contorcionista/prestidigitadora.
5. O homem nasce, livre, todo-poderoso, e, contudo, para ser homem - e mulher, falo genericamente, falo da espécie, que, contudo, só se atualiza no sujeito de carne e osso -, é mister o outro, sem o qual o homem não "nasce", seja biologicamente, seja noologicamente. Assim, combatem nele, no peito dele, duas forças, uma de levantá-lo, e, outra, de abaixá-lo. Um egoísmo biológico e necessário, e um altruísmo noológico e necessário. O valor não "existe" para além desse jogo, dessa tragédia universal, desse ganhar-perder, desse perder-ganhar, ganha-se uma coisa, mas perdendo-se outra, perde-se uma coisa, todavia, para ganhar outra, mas é testado, ensaiado, forjado, aí, no front. É apenas quando o outro não é-me "outro" que não careço mais de negociar: onde quer que haja - de forma integramente verdadeira - dois homens, duas mulheres, um homem e uma mulher, abre-se parlamento.
6. Tentar uma "imanência" como base de operação da velha concepção dos valores é a mesma pantomina ridícula - em termos epistemológicos - que a transformação do discurso da teologia em metáfora: o que está em jogo é a adaptação dos discursos velhos, ah, a velha teologia platônica, em desespero de causa!, ao mundo, às coisas do mundo, às "posições" do mundo (não é assim que, malgrado o Protestantismo ter "superado" o sacramento "católico" da Ordenação, manteve, contudo, o "discurso" da "vocação" e da "convocação" cripto-ordenacionais e cripto-sacerdotais?). Se se deixa cair nesse equívoco, nessa tentação, nesse acordo, o homem apenas é - ironia! - elevado à condição de "deus", para, como os velhos deuses, sustentar, na "imanência", a verdade dos valores...
7. Insisto: não há valores "bons" em si. Não há valores "maus" em si. Quando a humanidade se for, a "verdade" permanecerá. O que é átomo, continuará a ser átomo. O que é fogo, fogo, água, água, pó, pó: os nomes que damos a essas coisas, desaparecerão, sequer serão mencionados, mas elas, as coisas, independentemente dos nomes, permanecerão - oxalá eternamente... O valor, contudo, no instante seguinte ao desaparecimento da humanidade, meu, seu, dela, delas, deles, nosso, puf!, some conosco. Nosso pó transformar-se-á em quê?, planta, bicho, pedra, pau... Nossos valores, todavia, terão sido uma idiossincrasia inusitada e peculiar, que, houvesse a loucura dessa hipótese, seria ostentada em museus para a posteridade não-humana...
8. Mas alto lá: aquele que cuidar que prego, assim, a suspensão do valor, ah, quão tolo, quão anti-filológico, quão mau leitor é! Os valores são necessários, e devem ser defendidos em face da manutenção do jogo social - sem valores, sem a sua invenção, são a sua negociação, não há a humanidade, que, para fazer-se, para inventar-se, precixar faze-los, inventá-los (o insano, o patológico, não é a invenção dos valores - isso é saúde! -, mas é, antes, a legitimação recalcadora dela, é a invenção dos fundamentos divinos dos valores). O que eu denuncio, e não sou o primeiro, é que não há fundamento não-histórico-humano algum para eles, nenhum Deus que os afiance, nenhuma estrutura imaterial que os garanta, nenhuma espécie sub ou supra-humana que os ensine para nós - nós, e só nós, em nosa história, e só nela, inventamos os valores. É preciso a consciência disso, para a cura da manipulação pelos valores. O sacerdote morre, quando a verdade vem à tona... pelo que se mata, antes, Menocchio...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Explico: não estou dizendo que os valores, "bons", uns, "maus", outros, e "bons" e "maus" em si mesmos, enquanto valores que o são abaeternamente, era equivocadamente que se os punham em "Deus", seja diretamente (Agostinho), seja indiretamnte (o segundo Kant), e que, agora, corrigindo-se o equívoco geográfico, topográfico, dever-se-ia transferir tais valores, bons e maus em si mesmos, para a "real" topografia deles - a mente humana. Ora, se eu estivesse dizendo isso, estaria dizendo que, antes, os valores bons e maus estavam em Deus e no Diabo, e que, agora, os valores, não podendo mais estar em Deus ou no Diabo (para os impedidos de tal epistemologica anacrônica), mas sendo o que são, o que sempre foram, o que sempre serão, valores bons e valores maus, coisificação do valor, encontram-se fundamentados, agora, na "imanência" - seja a imanência do "eu" (Ferry) ou do "outro" (Lévinas).
3. Não estou dizendo nada nem próximo disso. O que eu queria ter dito, tentei dizer, é que não há qualquer coisa parecida com valores "bons" e valores "maus" - não há fundamentos para tais valores em si, porque não há valores em si. Valor é gosto e construção ecológicos, de um lado, personalíssimos, solipsistas, e, de outro, sociológicos, antropológicos, culturais. A História dos Valores - e penso na ética e na política, sobretudo - é a história dos ensaios de contrato entre "iguais", quero dizer, homem contra homem, força contra força, muita morte, muita perda, muita perdição, séculos e séculos de ensaio, até que uma "memória" do desperdício vai se consubstanciando em "sabedoria", depois de "avanços" contratuais, "recuos" de barbárie", avanços, recuos, sem garantias: assim e assim se consegue esse e esse resultado, assim e assado, aquele outro, e por aí a fora.
4. A "humanidade" nunca encontrou valores, tal como nunca encontrou a beleza: àqueles, formulou-os, no jogo, diante do seu irmão, amigo e inimigo, jogando, fazendo força, cabo de guerra. Nesse sentido, o valor social é, necessariamente, uma perda de potência pessoal. Digo necessariamente, porque há valores sociais que só são formulados para limitação do meu poder contra o outro, e do poder do outro contra mim - e assim deve ser. Se me analiso por mim mesmo, esse valor me reduz, reduz minha força, meu próprio poder. Nietzsche, aristocrático, terá percebido isso? Sim, a democracia me reduz, me diminiu, faz de mim um menos-poder, em face dos outros, que, a despeito disso, igualmente têm seu próprio poder diminuído - o que só funciona no jogo interessado, franco, honesto, caso contrário instala-se a fraude e a corrupção, como grassa no Brasil, jogo que se joga na trapaça o tempo todo (até quando?), e a mentira e o engodo, como grassa na epistemologia teológica contorcionista/prestidigitadora.
5. O homem nasce, livre, todo-poderoso, e, contudo, para ser homem - e mulher, falo genericamente, falo da espécie, que, contudo, só se atualiza no sujeito de carne e osso -, é mister o outro, sem o qual o homem não "nasce", seja biologicamente, seja noologicamente. Assim, combatem nele, no peito dele, duas forças, uma de levantá-lo, e, outra, de abaixá-lo. Um egoísmo biológico e necessário, e um altruísmo noológico e necessário. O valor não "existe" para além desse jogo, dessa tragédia universal, desse ganhar-perder, desse perder-ganhar, ganha-se uma coisa, mas perdendo-se outra, perde-se uma coisa, todavia, para ganhar outra, mas é testado, ensaiado, forjado, aí, no front. É apenas quando o outro não é-me "outro" que não careço mais de negociar: onde quer que haja - de forma integramente verdadeira - dois homens, duas mulheres, um homem e uma mulher, abre-se parlamento.
6. Tentar uma "imanência" como base de operação da velha concepção dos valores é a mesma pantomina ridícula - em termos epistemológicos - que a transformação do discurso da teologia em metáfora: o que está em jogo é a adaptação dos discursos velhos, ah, a velha teologia platônica, em desespero de causa!, ao mundo, às coisas do mundo, às "posições" do mundo (não é assim que, malgrado o Protestantismo ter "superado" o sacramento "católico" da Ordenação, manteve, contudo, o "discurso" da "vocação" e da "convocação" cripto-ordenacionais e cripto-sacerdotais?). Se se deixa cair nesse equívoco, nessa tentação, nesse acordo, o homem apenas é - ironia! - elevado à condição de "deus", para, como os velhos deuses, sustentar, na "imanência", a verdade dos valores...
7. Insisto: não há valores "bons" em si. Não há valores "maus" em si. Quando a humanidade se for, a "verdade" permanecerá. O que é átomo, continuará a ser átomo. O que é fogo, fogo, água, água, pó, pó: os nomes que damos a essas coisas, desaparecerão, sequer serão mencionados, mas elas, as coisas, independentemente dos nomes, permanecerão - oxalá eternamente... O valor, contudo, no instante seguinte ao desaparecimento da humanidade, meu, seu, dela, delas, deles, nosso, puf!, some conosco. Nosso pó transformar-se-á em quê?, planta, bicho, pedra, pau... Nossos valores, todavia, terão sido uma idiossincrasia inusitada e peculiar, que, houvesse a loucura dessa hipótese, seria ostentada em museus para a posteridade não-humana...
8. Mas alto lá: aquele que cuidar que prego, assim, a suspensão do valor, ah, quão tolo, quão anti-filológico, quão mau leitor é! Os valores são necessários, e devem ser defendidos em face da manutenção do jogo social - sem valores, sem a sua invenção, são a sua negociação, não há a humanidade, que, para fazer-se, para inventar-se, precixar faze-los, inventá-los (o insano, o patológico, não é a invenção dos valores - isso é saúde! -, mas é, antes, a legitimação recalcadora dela, é a invenção dos fundamentos divinos dos valores). O que eu denuncio, e não sou o primeiro, é que não há fundamento não-histórico-humano algum para eles, nenhum Deus que os afiance, nenhuma estrutura imaterial que os garanta, nenhuma espécie sub ou supra-humana que os ensine para nós - nós, e só nós, em nosa história, e só nela, inventamos os valores. É preciso a consciência disso, para a cura da manipulação pelos valores. O sacerdote morre, quando a verdade vem à tona... pelo que se mata, antes, Menocchio...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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