1. Mas eu o compreendo, porque ele foi programado para funcionar assim - se por Deus, se pela Natureza, tanto faz: ele é um tanto estúpido. Ele não "sabe" que nós, seres humanos - Homo sapiens - saímos da "simples" biosfera, e descobrimos/inventamos a sociosfera e a noosfera, o mundo social e o mundo dos pensamentos.
2. Meu cérebro leu a lista biográfica de Nietzsche, cuja data de abertura é 15 de outubro de 1844 e a de fechamento, 25 de agosto de 1900. Imediatamente, meu cérebro me fez "saber": hum, Nietzsche nasceu no Dia da República, e faleceu no Dia do Soldado. Claro!, porque 15 de outubro é o Dia da Proclamação da República, e o dia 25 de agosto é o Dia do Soldado. O "único" problema - que meu cérebro não procurou distinguir: no Brasil. E, cá entre nós, Nietzsche não tem absolutamnte nada a ver com o Brasil, de modo que tais datas, quando lidas na biografia de Nitzsche, nada, absolutamente nada têm a ver com seu significado no calendário brasileiro. Cérebro estúpido!
3. Há, logo se vê, uma dimensão automática, inconsciente, em meu cérebro. Ela "age" praticamente por si mesma. Deve ter sido essa uma das razões que levaram à idéia - filosófica! , teológica! - do pensamento enquanto expressão de alguma coisa que não o "corpo", que não o próprio "eu": a idéia da "alma", mais antiga que o Cristianismo, adventícia desde Platão e, certamente, desde além. A alma é, de fato, uma hipótese plausível, se bem que a regra do jogo heurístico força-nos a, independentemente dela, buscar a explicação do funcionamento do cérebro, logo, do pensamento, logo, desse tipo de estupidez automática do cérebro.
4. As Ciências Cognitivas - tentativa de harmonização (não unificação!) entre as Ciências da Natureza e as Ciências Humanas, estão aprendendo a situar o penamento na "máquina" cerebral, sem, com isso, transformar o pensamento em mera computação mecânica. Pensamento é mais que mitocôndria - mas é, a rigor, manufatura de mitocôndria. Para as Ciências Cognitivas - e isso aprendi diretamnte com O Método, de Edgar Morin (seis volumes), o "pensamento", de um lado, e o "conhecimento", de outro, são emergências biológicas, comuns aos seres vivos e particularmente desenvolvidos nos mamíferos. Nesse sentido, não há um salto irreconciliável entre pensamento e matéria, pensamento e vida, como se a "alma" fosse a "causa" necessária , o agente operador, do pensamento. Tal pressuposto/hipótese não exclui o pressuposto/hipótese da "alma": apenas orienta-nos a compreender o mecanismo do pensamento e do conhecimento independentemente da hipótese platônica (pré-platônica) da dicotomia pensamento/matéria.
5. Assim, esse cérebro estúpido - ou melhor, "estúpido" - parece ser aquela parte "animal/biológica" que sobrevive no fundo da emergência de nossa consciência propriamente "humana". Assim, ele trabalha no "automático", programado que está para a solução dos problemas ecológicos da maneira mais rápida possível, fazendo associações com sua "memória". Assim é, porque ele está programado a "aprender" o que é caça, o que é predador, o que é saída, o que é armadilha, e, à medida que vai acumulando tais informações, recupera-as a cada situação de "risco". A cada momento, os cérebros de todos os seres vivos cerebrados "respondem" às situações de risco em que, invariavelmente, seus organismos ecologicamente se colocam.
6. No caso humano, a leitura de textos é interpretada como o equivalente noológico daquela situação de risco ecológica. O cérebro, esse "estúpido", enquanto máquina, não tem a menor idéia da diferença. O que ele sabe é que são recolhidas interpretações sensorias que, decodificadas como "o que é isso?", significam risco de "perigo" - se não sei o que é, é potencialmente perigoso, até prova em contrário. O organismo, diante da incapacidade de mapear instantaneamente o cenário ecológico, entende poder estar em perigo. Cabe à máquina cerebral interpretar, mapear, de modo o mais rápido passível, a "situação", a fim de prover os meios de "fuga" eventualmente necessários.
7. Assim, quando meu "estúpido" cérebro leu aquelas datas, a primeira coisa que ele fez foi recuperar as informações que dispunha a respeito delas: 15 de outubro... República!, 25 de agosto... soldado! Heureka! Coitado... Nesse caso, a consciência crítica, que é cerebral, mas, ao mesmo tempo, mais do que cerebral, é noológica, é psicológica, ciente de que, dadas as regras da vida, do tempo, da cultura, a data de nascimento de um europeu nada tem a ver com as datas cívicas brasileiras, datas são convenções locais, a consciência crítica critica a informação automática do cérebro, corrige-a, anula-a, "deleta-a". A partir daí, ela, a consciência crítica, passa a demandar as rotinas por meio das quais quer que a máquina cerebral analise, compute, interprete aquelas datas - no contexto "ecológico" próprio: o delas.
8. Esse flagrante de "traição" se dá todas as vezes que uma leitor desavisado lê a Bíblia. Seu cérebro, ajudando-o, o trai. Faz das palavras, das frases, dos livros, do conjunto, um universo configurado à luz das informações de que ele, cérebro, dispõe em seu arquivo cultural. Ora, se o leitor é "batista", ou "luterano", o cérebro utilizar-se-á de chaves batistas e luteranas para, com elas, decodificar cada palavra e frase do texto. É isso que significa, quando inconciente, intentio lectoris - pura leitura in-consciente. Quando consciente, aí já se trata do paradigma da assunção da ideologia como critério de interpretação.
9. Meu cérebro "estúpido" é meu amigo íntimo. Faz tudo como que para me ajudar. Às vezes, de fato, é bom que ele acione mecanismos automáricos de reação, como quando sinto uma alfinetada no braço e, sem que "eu" mande, o braço se afasta da suposta fonte de risco. Essa reação automática, pré-consciente, me dá tempo para tomar conta, conscientemente agora, da situação, interpretá-la de forma mais situada, e ratificar ou retificar a reação parassimpática. Bom amigo, meu "cérebro". Todavia, ele não sabe a diferença - e, para o bem ou para o mal, sempre me ajudará pelo caminho mais fácil: meu mundo. Às vezes, o caminho mais fácil é o da "perdição"...
10. Sou uma coisa que é mais do que uma coisa. Não sou um ser simples. Sou uma coisa complexa, formada por muitas peças, a maioria delas autônoma. A maior parte das minhas partes sequer sabe das outras, às vezes, até, funciona contra as outras, sente-se, sabe-se, mais importante. Sobre tudo isso, sobre essa complexidade caótica, emerge minha consciência crítica - a que "eu", entretanto, não posso me reduzir/deixar reduzir, mas que, em termos concretamente humanos, é o que conscientemente "eu sou/vou sendo" - mas, sempre, por meio daqueles outros "eus", que, independemente de mim, são, contudo, o que eu fui/sou/vou sendo/serei.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Meu cérebro leu a lista biográfica de Nietzsche, cuja data de abertura é 15 de outubro de 1844 e a de fechamento, 25 de agosto de 1900. Imediatamente, meu cérebro me fez "saber": hum, Nietzsche nasceu no Dia da República, e faleceu no Dia do Soldado. Claro!, porque 15 de outubro é o Dia da Proclamação da República, e o dia 25 de agosto é o Dia do Soldado. O "único" problema - que meu cérebro não procurou distinguir: no Brasil. E, cá entre nós, Nietzsche não tem absolutamnte nada a ver com o Brasil, de modo que tais datas, quando lidas na biografia de Nitzsche, nada, absolutamente nada têm a ver com seu significado no calendário brasileiro. Cérebro estúpido!
3. Há, logo se vê, uma dimensão automática, inconsciente, em meu cérebro. Ela "age" praticamente por si mesma. Deve ter sido essa uma das razões que levaram à idéia - filosófica! , teológica! - do pensamento enquanto expressão de alguma coisa que não o "corpo", que não o próprio "eu": a idéia da "alma", mais antiga que o Cristianismo, adventícia desde Platão e, certamente, desde além. A alma é, de fato, uma hipótese plausível, se bem que a regra do jogo heurístico força-nos a, independentemente dela, buscar a explicação do funcionamento do cérebro, logo, do pensamento, logo, desse tipo de estupidez automática do cérebro.
4. As Ciências Cognitivas - tentativa de harmonização (não unificação!) entre as Ciências da Natureza e as Ciências Humanas, estão aprendendo a situar o penamento na "máquina" cerebral, sem, com isso, transformar o pensamento em mera computação mecânica. Pensamento é mais que mitocôndria - mas é, a rigor, manufatura de mitocôndria. Para as Ciências Cognitivas - e isso aprendi diretamnte com O Método, de Edgar Morin (seis volumes), o "pensamento", de um lado, e o "conhecimento", de outro, são emergências biológicas, comuns aos seres vivos e particularmente desenvolvidos nos mamíferos. Nesse sentido, não há um salto irreconciliável entre pensamento e matéria, pensamento e vida, como se a "alma" fosse a "causa" necessária , o agente operador, do pensamento. Tal pressuposto/hipótese não exclui o pressuposto/hipótese da "alma": apenas orienta-nos a compreender o mecanismo do pensamento e do conhecimento independentemente da hipótese platônica (pré-platônica) da dicotomia pensamento/matéria.
5. Assim, esse cérebro estúpido - ou melhor, "estúpido" - parece ser aquela parte "animal/biológica" que sobrevive no fundo da emergência de nossa consciência propriamente "humana". Assim, ele trabalha no "automático", programado que está para a solução dos problemas ecológicos da maneira mais rápida possível, fazendo associações com sua "memória". Assim é, porque ele está programado a "aprender" o que é caça, o que é predador, o que é saída, o que é armadilha, e, à medida que vai acumulando tais informações, recupera-as a cada situação de "risco". A cada momento, os cérebros de todos os seres vivos cerebrados "respondem" às situações de risco em que, invariavelmente, seus organismos ecologicamente se colocam.
6. No caso humano, a leitura de textos é interpretada como o equivalente noológico daquela situação de risco ecológica. O cérebro, esse "estúpido", enquanto máquina, não tem a menor idéia da diferença. O que ele sabe é que são recolhidas interpretações sensorias que, decodificadas como "o que é isso?", significam risco de "perigo" - se não sei o que é, é potencialmente perigoso, até prova em contrário. O organismo, diante da incapacidade de mapear instantaneamente o cenário ecológico, entende poder estar em perigo. Cabe à máquina cerebral interpretar, mapear, de modo o mais rápido passível, a "situação", a fim de prover os meios de "fuga" eventualmente necessários.
7. Assim, quando meu "estúpido" cérebro leu aquelas datas, a primeira coisa que ele fez foi recuperar as informações que dispunha a respeito delas: 15 de outubro... República!, 25 de agosto... soldado! Heureka! Coitado... Nesse caso, a consciência crítica, que é cerebral, mas, ao mesmo tempo, mais do que cerebral, é noológica, é psicológica, ciente de que, dadas as regras da vida, do tempo, da cultura, a data de nascimento de um europeu nada tem a ver com as datas cívicas brasileiras, datas são convenções locais, a consciência crítica critica a informação automática do cérebro, corrige-a, anula-a, "deleta-a". A partir daí, ela, a consciência crítica, passa a demandar as rotinas por meio das quais quer que a máquina cerebral analise, compute, interprete aquelas datas - no contexto "ecológico" próprio: o delas.
8. Esse flagrante de "traição" se dá todas as vezes que uma leitor desavisado lê a Bíblia. Seu cérebro, ajudando-o, o trai. Faz das palavras, das frases, dos livros, do conjunto, um universo configurado à luz das informações de que ele, cérebro, dispõe em seu arquivo cultural. Ora, se o leitor é "batista", ou "luterano", o cérebro utilizar-se-á de chaves batistas e luteranas para, com elas, decodificar cada palavra e frase do texto. É isso que significa, quando inconciente, intentio lectoris - pura leitura in-consciente. Quando consciente, aí já se trata do paradigma da assunção da ideologia como critério de interpretação.
9. Meu cérebro "estúpido" é meu amigo íntimo. Faz tudo como que para me ajudar. Às vezes, de fato, é bom que ele acione mecanismos automáricos de reação, como quando sinto uma alfinetada no braço e, sem que "eu" mande, o braço se afasta da suposta fonte de risco. Essa reação automática, pré-consciente, me dá tempo para tomar conta, conscientemente agora, da situação, interpretá-la de forma mais situada, e ratificar ou retificar a reação parassimpática. Bom amigo, meu "cérebro". Todavia, ele não sabe a diferença - e, para o bem ou para o mal, sempre me ajudará pelo caminho mais fácil: meu mundo. Às vezes, o caminho mais fácil é o da "perdição"...
10. Sou uma coisa que é mais do que uma coisa. Não sou um ser simples. Sou uma coisa complexa, formada por muitas peças, a maioria delas autônoma. A maior parte das minhas partes sequer sabe das outras, às vezes, até, funciona contra as outras, sente-se, sabe-se, mais importante. Sobre tudo isso, sobre essa complexidade caótica, emerge minha consciência crítica - a que "eu", entretanto, não posso me reduzir/deixar reduzir, mas que, em termos concretamente humanos, é o que conscientemente "eu sou/vou sendo" - mas, sempre, por meio daqueles outros "eus", que, independemente de mim, são, contudo, o que eu fui/sou/vou sendo/serei.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário