1. Ontem, mais uma viagem de metrô (Pavuna-Tijuca) - mais uma leitura de Lévinas. Dessa fez foi "Hermenêutica e Além", texto na seqüência da sabatina a que Lévinas submeteu-se em Leyden (capítulo sete do livro, e terceiro texto da "Parte II - A Idéia de Deus", de De Deus que vem à Idéia, p. 141-152).
2. Risquei uma série de passagens, marcando-as, porque há coisas interessantes, "reveladoras", aqui e ali - como aquela segunda crítica a Nietzsche: "racionalidade (...) que não se deixa arrastar na aventura que correu, de Aristóteles a Heidegger (!!! - as exclamações são minhas: Aristóteles e Heidegger como uma cunha entre Platão e Gadamer!), a teologia mantida pensamento da identidade e do Ser, e que foi mortal ao Deus e ao homem da Bíblia (...) Mortal ao Uno, a se acreditar em Nietzsche" (p. 148-149 - grifo meu). É batata - ouça o discurso de um homem, e saberá quem são seus heróis. Se ele é honesto, ele mesmo o confessa. Lévinas é honesto.
3. Também risquei aquelas três ocorrências do termo "alma" - bem platônico: "significa perguntar-se se o psiquismo (...), se a positividade do ser, da identidade, da presença - e, por conseguinte, se o saber - são o último quefazer da alma" (p. 146, cf. 149 e 150).
2. Risquei uma série de passagens, marcando-as, porque há coisas interessantes, "reveladoras", aqui e ali - como aquela segunda crítica a Nietzsche: "racionalidade (...) que não se deixa arrastar na aventura que correu, de Aristóteles a Heidegger (!!! - as exclamações são minhas: Aristóteles e Heidegger como uma cunha entre Platão e Gadamer!), a teologia mantida pensamento da identidade e do Ser, e que foi mortal ao Deus e ao homem da Bíblia (...) Mortal ao Uno, a se acreditar em Nietzsche" (p. 148-149 - grifo meu). É batata - ouça o discurso de um homem, e saberá quem são seus heróis. Se ele é honesto, ele mesmo o confessa. Lévinas é honesto.
3. Também risquei aquelas três ocorrências do termo "alma" - bem platônico: "significa perguntar-se se o psiquismo (...), se a positividade do ser, da identidade, da presença - e, por conseguinte, se o saber - são o último quefazer da alma" (p. 146, cf. 149 e 150).
4. Mas o que me interessa ressaltar, aqui, é a conclusão do artigo - justamente porque ele trata de "hermenêutica" (ainda que "e além"). Extraio os dois parágrafos:
4.1 "Segundo os modelos da satisfação, a posse comanda a procura, o gozo é melhor que a necessidade, o triunfo é mais verdadeiro que o fracasso, a certeza mais perfeita que a dúvida, a resposta vai mais longe que a questão. Procura, sofrimento, questão seriam simples diminuição do achado, do gozo, da felicidade e da resposta: seriam conhecimentos indigentes ou o conhecimento em estado de indigência. Ainda uma vez, é o próprio bom-senso. É também o senso comum.
4.2 Mas a hermenêutica do religioso pode dispensar pensamentos des-equilibrados? E a própria filosofia não consiste em tratar com sabedoria idéias 'loucas' ou em trazer a sabedoria ao amor? O conhecimento, a resposta, o resultado seriam de um psiquismo ainda incapaz de pensamento em que a palavra Deus toma significado" (p. 152).
5. Uma confissão. Para Lévinas, há uma "hermenêutica do religioso". O que isso é?, quer dizer? Lévinas está falando de hermenêutica daquilo que é propriamente um "objeto" próprio da religião? Ou, antes, está falando da hermenêutica, nesse caso, especial, que um sujeito religioso "usa"? Não está claro, mas, seja o que for, trata-se, para Lévinas, de uma hermenêutica que gere um "conhecimento (...) em que a palavra Deus toma significação". Ora, mas o que isso quer dizer - concretamente?
6. Se "conhecimento", aí, constitui um "sinônimo" (habermasiano!) de fé (= racionalidade expressiva, racionalidade normativa), não se trata, a rigor, de "conhecimento". A fé não sabe nada. Por isso Lévinas desgosta daquela corrente da teologia que foi de Aristóteles a Heidegger, e que pôs o discurso da fé em seu devido lugar - mito e não-ser. Lévinas gosta mesmo é de Platão, que troca a terra pelo céu, e faz da palavra Deus alguma coisa que imediatamente faz sentido... Talvez gostasse de Gadamer, também, que, por meio de uma abstração, politização, da tradição, produz a mesma magia. A fase crítica da "teologia", contudo, aquela que foi parindo a suspeita, a crítica, a desconstrução, o Romantismo! - ah, essa não! Por quê? Porque ela desemboca em Feuerbach - fenomenologia do discurso da fé. Ponto.
7. O que Lévinas quer, antes de tudo, é criar uma retórica em que a palavra Deus faça sentido. É legítimo, dada a tranparência de sua posição. E não se trata de legitimar a Ética por meio da idéia de Deus, mas, antes, de legitimar a idéia de Deus por meio da Ética - porque a Ética, que tem ela, a rigor, a ver com Deus? Nada. Claro, pode-se produzir uma ética pseudo-teológica, mas ela será, sempre, e apenas, pseudo, porque não há ética teológica alguma. Há ética que se diz teológica, mas ela é o que é - política. Não é o "outro" que me leva ao "Outro". Sou eu quem ponho o Outro no outro, para manter uma espécie de "chão" epistemológico, ontológico, para a Ética e para o Outro, ambos, todavia, sem qualquer chão.
8. Lévinas conhece a tese de Feuerbach, de Freud, de Marx: "que esta transcendência se tenha produzido a partir da relação (horizontal?) com outrem não significa nem que o outro homem seja Deus nem que Deus seja um grande Outrem" (p. 151). Não? Bem, de que "Deus" está Lévinas falando? Se Lévinas se refere ao "Deus" conforme ele o concebe, mas agora não mas em sua concepção levinasiana, mas como que em sua suposta ipseidade, em sua existência enquanto eventualmente, nos termos da fé de Lévinas, tal, bem, não se pode seguir o raciocínio, salvo de, primeiro, se acredita em Lévinas. É pura racionalização da metafísica, retórca da fé, com o Nicéia, mas sem Poder. Se, por outro lado, Lévinas está falando do discurso sobre "Deus", nesse caso Lévinas está equivocado, porque o discurso sobre Deus é, sim, projeção humana - Feuerbach ainda é insuperável, mesmo diante da crítica de Marx, mesmo diante da hipótese de neurose, de Freud. Não importa se a idéia-Deus é forjada na consciência humana por sua alienação ou por uma neurose de fundo: o que é concreto é que a idéia-Deus em si é uma projeção rigorosamente feuerbachiana (que Tillich "contorna" em ua célebre fórmula, cripto-teológica: "Deus é símbolo para Deus", fórmula na qual o simbolizante, o sujeito crente, sequer aparece - o Ser e o Símbolo fazem-se sozinhos!). De Feuerbach só se pode avançar para O Método 3 e O Método 4, de Morin, que igualmente colherá frutos em Marx e Freud, igualmente, ultrapassando-os, mas não contra eles. Lévinas está, integralmente, contra eles. E, nesse caso, ainda que seja outra a sua intenção, também contra mim.
9. Não me aborrece a posição de fé de Lévinas. Só não posso aceitar que tente, retoricamente, assim, com sua fé, refundar "Deus". A ética não o refunda - o segundo Kant, já o disseram Schopenhauer e Nietzsche, tornou-se um homem de calças curtas (terá cedido às presões da Igreja de sua pequena cidade, ou terá, ele mesmo, desesperado, e, por isso, recuado?). Somente uma estratégia fideísta o poderia manter, e, nesse caso, com legitimidade, se apresentar-se publicamente como fé.
10. Eu aceitaria, mansamente, a retórica da "procura" - eu mesmo a usei em meu mínimo O que é Fé? Mas tente-se encontrar ali qualquer tentativa de fazer dessa procura, pura mística, algum tipo de conhecimento. Mas Lévinas quer fazer da procura, não apenas algo melhor do que o achado que essa procura eventualemente proporcionaria, mas reduzir a coisa à própria procura, e não ao achado - porque, assim, está escusado de argumentar em face do próprio achado. O problema é que a procura não revela a validade do procurado, muito menos a fé prova alguma coisa - a despeito de Hb 11,1. A fé não tem pernas para agüentar-se de pé na ágora, suportando o peso da fantasia do conhecimento. Torna-se, contudo, amena, e leve, e fácil de sustentar, se vai à praça nua tal qual veio ao mundo - desejo de crer, pelo desejo de crer.
11. Que se creia, pois. Mas o que é que isso tem a ver mesmo com hermenêutica?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
4.1 "Segundo os modelos da satisfação, a posse comanda a procura, o gozo é melhor que a necessidade, o triunfo é mais verdadeiro que o fracasso, a certeza mais perfeita que a dúvida, a resposta vai mais longe que a questão. Procura, sofrimento, questão seriam simples diminuição do achado, do gozo, da felicidade e da resposta: seriam conhecimentos indigentes ou o conhecimento em estado de indigência. Ainda uma vez, é o próprio bom-senso. É também o senso comum.
4.2 Mas a hermenêutica do religioso pode dispensar pensamentos des-equilibrados? E a própria filosofia não consiste em tratar com sabedoria idéias 'loucas' ou em trazer a sabedoria ao amor? O conhecimento, a resposta, o resultado seriam de um psiquismo ainda incapaz de pensamento em que a palavra Deus toma significado" (p. 152).
5. Uma confissão. Para Lévinas, há uma "hermenêutica do religioso". O que isso é?, quer dizer? Lévinas está falando de hermenêutica daquilo que é propriamente um "objeto" próprio da religião? Ou, antes, está falando da hermenêutica, nesse caso, especial, que um sujeito religioso "usa"? Não está claro, mas, seja o que for, trata-se, para Lévinas, de uma hermenêutica que gere um "conhecimento (...) em que a palavra Deus toma significação". Ora, mas o que isso quer dizer - concretamente?
6. Se "conhecimento", aí, constitui um "sinônimo" (habermasiano!) de fé (= racionalidade expressiva, racionalidade normativa), não se trata, a rigor, de "conhecimento". A fé não sabe nada. Por isso Lévinas desgosta daquela corrente da teologia que foi de Aristóteles a Heidegger, e que pôs o discurso da fé em seu devido lugar - mito e não-ser. Lévinas gosta mesmo é de Platão, que troca a terra pelo céu, e faz da palavra Deus alguma coisa que imediatamente faz sentido... Talvez gostasse de Gadamer, também, que, por meio de uma abstração, politização, da tradição, produz a mesma magia. A fase crítica da "teologia", contudo, aquela que foi parindo a suspeita, a crítica, a desconstrução, o Romantismo! - ah, essa não! Por quê? Porque ela desemboca em Feuerbach - fenomenologia do discurso da fé. Ponto.
7. O que Lévinas quer, antes de tudo, é criar uma retórica em que a palavra Deus faça sentido. É legítimo, dada a tranparência de sua posição. E não se trata de legitimar a Ética por meio da idéia de Deus, mas, antes, de legitimar a idéia de Deus por meio da Ética - porque a Ética, que tem ela, a rigor, a ver com Deus? Nada. Claro, pode-se produzir uma ética pseudo-teológica, mas ela será, sempre, e apenas, pseudo, porque não há ética teológica alguma. Há ética que se diz teológica, mas ela é o que é - política. Não é o "outro" que me leva ao "Outro". Sou eu quem ponho o Outro no outro, para manter uma espécie de "chão" epistemológico, ontológico, para a Ética e para o Outro, ambos, todavia, sem qualquer chão.
8. Lévinas conhece a tese de Feuerbach, de Freud, de Marx: "que esta transcendência se tenha produzido a partir da relação (horizontal?) com outrem não significa nem que o outro homem seja Deus nem que Deus seja um grande Outrem" (p. 151). Não? Bem, de que "Deus" está Lévinas falando? Se Lévinas se refere ao "Deus" conforme ele o concebe, mas agora não mas em sua concepção levinasiana, mas como que em sua suposta ipseidade, em sua existência enquanto eventualmente, nos termos da fé de Lévinas, tal, bem, não se pode seguir o raciocínio, salvo de, primeiro, se acredita em Lévinas. É pura racionalização da metafísica, retórca da fé, com o Nicéia, mas sem Poder. Se, por outro lado, Lévinas está falando do discurso sobre "Deus", nesse caso Lévinas está equivocado, porque o discurso sobre Deus é, sim, projeção humana - Feuerbach ainda é insuperável, mesmo diante da crítica de Marx, mesmo diante da hipótese de neurose, de Freud. Não importa se a idéia-Deus é forjada na consciência humana por sua alienação ou por uma neurose de fundo: o que é concreto é que a idéia-Deus em si é uma projeção rigorosamente feuerbachiana (que Tillich "contorna" em ua célebre fórmula, cripto-teológica: "Deus é símbolo para Deus", fórmula na qual o simbolizante, o sujeito crente, sequer aparece - o Ser e o Símbolo fazem-se sozinhos!). De Feuerbach só se pode avançar para O Método 3 e O Método 4, de Morin, que igualmente colherá frutos em Marx e Freud, igualmente, ultrapassando-os, mas não contra eles. Lévinas está, integralmente, contra eles. E, nesse caso, ainda que seja outra a sua intenção, também contra mim.
9. Não me aborrece a posição de fé de Lévinas. Só não posso aceitar que tente, retoricamente, assim, com sua fé, refundar "Deus". A ética não o refunda - o segundo Kant, já o disseram Schopenhauer e Nietzsche, tornou-se um homem de calças curtas (terá cedido às presões da Igreja de sua pequena cidade, ou terá, ele mesmo, desesperado, e, por isso, recuado?). Somente uma estratégia fideísta o poderia manter, e, nesse caso, com legitimidade, se apresentar-se publicamente como fé.
10. Eu aceitaria, mansamente, a retórica da "procura" - eu mesmo a usei em meu mínimo O que é Fé? Mas tente-se encontrar ali qualquer tentativa de fazer dessa procura, pura mística, algum tipo de conhecimento. Mas Lévinas quer fazer da procura, não apenas algo melhor do que o achado que essa procura eventualemente proporcionaria, mas reduzir a coisa à própria procura, e não ao achado - porque, assim, está escusado de argumentar em face do próprio achado. O problema é que a procura não revela a validade do procurado, muito menos a fé prova alguma coisa - a despeito de Hb 11,1. A fé não tem pernas para agüentar-se de pé na ágora, suportando o peso da fantasia do conhecimento. Torna-se, contudo, amena, e leve, e fácil de sustentar, se vai à praça nua tal qual veio ao mundo - desejo de crer, pelo desejo de crer.
11. Que se creia, pois. Mas o que é que isso tem a ver mesmo com hermenêutica?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário