terça-feira, 25 de novembro de 2008

(2008/64) Pura maldade de Haroldo!


1. Maldade!, gritarei pelas praças - maldade! Usar, contra mim, meu "guru", justamnte aquele de quem ouso - é uma ousadia minha, eu sei - classificar como "gênio" vivo - confesso: nunca li nada ao menos próximo de Morin, insisto: nunca li nada que ao menos resvalasse na beirada de O Método - é, para dizer pouco, maldade! És um homem perverso, Haroldo! Sob essa capa mansa e (ev)angélica habita um orc! E eu, indefeso, em suas mãos fabulosas...

2. Mas o seu post, a despeito de sua perversidade, é muito bom, porque, corrija-me, se me engano, é a primeira vez, desde 2001, quando nos conhecemos, e você se tornou o melhor professor que já tive na vida, que você diz, assim, na lata, que não concorda com alguma coisa que eu tenha dito. Ah, e como eu tenho provocado essa sua reação, não? Queria ver até onde você, bravamente, germanicamente, resitia... Enfim, capitulou. Bem-vindo ao time!

3. Mas, meu amigo Haroldo, se cá não me engano, de novo, você me dá, em seu post, as armas para eu defender-me de seu incisivo golpe - seu post lembra o que Moisés Chávez diz de Amós em Modelo de Oratória, a respeito das sete imprecações: as primeira seis, falando dos outros, como que para atrair israelitas, e, então, quando a "praça" está cheia, vapt, Amós lança a rede e captura os israelitas. Depois de abrir Morin - e esse não li ainda! - você joga a rede: Morin versus Osvaldo - 1 x 0. Maldade.

4. Mas qual foi mesmo a história que você nos conta? Ah, essa Península Ibérica - você sabe que o Protestantismo nasceu aí, não sabe?, sabe, sim, Tillich também fala isso, e talvez eu tenha aprendido isso dele, e não lembre mais -, uma vez que os árabes introduziram Aristóteles, esse germe da crítica e da autonomia - da "tradição"! Pena que Lutero, depois de ter-se servido dessa "tradição" - fraca, como proporá Morin em O Método - "idéias que sobrevivem no limite de sua combustão" -, faça alianças novamente com a Tradição (agora você leu Detienne, Haroldo, e sabe do que estou falando) "platônica".

5. Foi essa "Tradição" - vamos aos adjetivos: ontológica, metafísica, normativa, dogmática, coercitiva, heterônoma, catequética, policialesca -, na forma de/a "Igreja" que pôs a perder aquele pequeno paraíso de diálogo que você descreve, recorrendo a Morin - ali, Haroldo, diante de seus olhos, não?, trava-se a batalha entre "tradição" e "Tradição". A saída daquele, hum, exagero, mas vá lá, "Éden", é a mesma que cabe a Adão e Eva - expulsão, porque, ali, a Tradição, a Igreja, é a encarnação de Deus. Onde quer que Deus esteja, Haroldo, no modo, no modelo, no jeito, de Gn 2,4b-3,24, maldito seja, essa é a Tradição, maldita seja - política, despótica, teocrática, dogmática, má, ignominiosamente má.

6. Minha distinção é política - somos seres de tradição (Schpenhauer, Schleiermacher, Dilthey, o "primeiro" Heidegger, Peirce, o novo Apel), mas, não mais, de Tradição. Ninguém, Haroldo, na face da terra, ainda que pense poder fazê-lo, é representante de coisa alguma que não de si mesmo. Deus está reduzido a uma expressão estética - eventualmente, política! Onde ele se atualizar esteticamente, "tradição": abertura, conciliação, diálogo, troca, símbolo - estética. Onde ele se atualizar politicamente, "Tradição": fechamento, expulsão, catequese, inculcação, retórica - política.

7. Sugiro Para Sair do Século XX, uma "hierofania", do mesmo Morin. Outra parada, imperdível, justamente onde Morin discute a questão da "tradição" - a seu modo, falando de "idéias" , O Método 3 e O Método 4. Nesses dois - o 4 é inclassificável! - Morin defende que não se pode sair das "idéias", são elas que nos moldam, ao mesmo tempo em que a moldamos. E, então, ele diz o seguinte: que sejam nutridas idéias fracas - "que sobrevivem no limite de sua combustão". Idéias que querem ser sempre ultrapassadas, abertas, fecundas. Ora, Haroldo, basta fazer o que Gadamer fez com o termo "Linguagem", de Heidegger - aplique-se o conceito de Morin, "idéias", ao conceito de "tradição", e eis minha tese: não podemos sair da "tradição", mas devemos banir, para sempre, a Tradição.

8. Uma ilustração? Evangélica? Leia os caítulos 5 e 9 de João, juntos. Trace o paralelo discursivo entre ambas narrativas. Na primeira, um sujeito é curado, mas não salvo. Na outra, o sujeito é curado, e, depois, salvo. O primeiro, fica no templo. O segundo, é expulso da sinagoga. Desse, lembra-se?, fala-se que Jesus teria colocado lama em seus olhos, e mandado que ele os fosse lavar no Tanque do Enviado. No final, os fariseus, indignados, perguntam a Jesus se também eles eram pecadores, ao que Jesus responde - se fossem cegos, não, mas como enxergam, sim. Ou seja: a Tradição, segundo o/a redator/a de João é obstáculo intransponível à abertura. Sim, o cego estava, também, na "tradição" - esperava ele o messias, mas ela não o "cegara" a ponto de não ver em Jesus algo além do demônio de que o acusavam os fariseus. Ciúmes, sabemos.

9. Talvez, Haroldo, você esteja "atualizando" os termos "tradição" e "Tradição", em sua cabeça, de modo consideravelmente diferente do modo como manejo os dois termos. No fundo, a crítica nada mais é que a denúncia da Tradição, a partir do sentido de pertença à tradição. A "Tradição" é o câncer que se instala nas "células-tradição". Se eu puder confessar, diria que co-assumo, por pertença à tradição cristã, os crimes da Tradição cristã - mas não me sinto, mais, pertencente à Tradição cristã: ela não me fala mais, não essa, com "T" maiúsculo, a que, eventualmente, todo cristão deve consultar para piscar e abrir a boca. Nenhum padre me diz coisa alguma, nenhum pastor, que não eu mesmo a dizê-las, que seja, eventualmente, concordando com eles. Mas serei eu, a nadar no rio da tradição, e não Ela, a afogar-me em Si. O que me toca desses dois mil anos é, apenas, a tradição, o rio que corre, e no qual no não me banho nunca duas vezes, porque esse rio é tradição, não Tradição, é Heráclito, não Parmênides.

10. Maldade, Haroldo, maldade... Mas perdôo-te, que o perdão está na moda.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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