terça-feira, 25 de novembro de 2008

(2008/62) Romantismo e Modernidade Técnica


1. Não tem muito tempo, não - um professor dirigiu-se a outro: "ah, o Osvaldo é um romântico". Ao mesmo tempo, outro dizia: "ah, o Osvaldo é um positivista". Recentemente, não sei se "ainda", Jimmy me classificava como um neopositivista - corrigiu já a leitura, Jimmy? Essa última classificação - "positivista" - era e é absolutamente equivocada (o "neo" talvez tenha algum sentido, mas não como "retorno ao velho"). Assim que comecei a falar mais abertamente sobre minha posição marcadamente romântica, as reações foram mais ou menos aquelas esperadas: Galiléia... Coisas que o Osvaldo tira da cabeça...

2. Mas eis que agora recebo um e-mail. As pessoas não apenas têm febre de escrever - eu tenho febre de escrever! -: elas têm a febre de escrever acompanhada da de mandar e-mail dizendo que escreveram (de vez em quando Haroldo, Jimmy, Celeste e Mary Rute recebem artigos meus, para crítica, antes de eu os publicar). Assim, recebo um e-mail de um sujeito falando sobre "Deus", e vou lá dar uma olhada, educamente. Eis que me deparo com um artigo de Boff em que ele fala - e muito bem - do Romantismo. Fala da necessidade de um "retorno" ao Romantismo. Fala de uma tragédia da "sociedade tecnológica" do século XX, e de sua sombra ameaçando o XXI (o texto já está espalhado pela Rede). Imediatamente pensei: ah, agora vai - agora o Romantismo vai fazer sucesso entre nós...

3. Tomara. Todavia, honestamente, não reduziria a questão a um embate/confronto - pendular - entre Romantismo e Técnica. Sim a sociedade do século XX - técnica e tecnicista - inventou a Bomba Atômica. Mas, também, os aparelhos de ressonância magnética. Sim, inventou o "consumo/consumismo". Mas, também, os órgãos artificiais e a "ecologia".

4. A técnica e o tecnicismo não me parecem, necessariamente, ruins. O problema não me parece estar na técnica em si - mas no Homo sapiens. Ora, onde quer que o Homo faber ponha a mão, daí há de sair o que de pior pode sair, bem como o que de melhor. Não foi assim com a arte? A arte leva o homem ao seu melhor momento estético - mas, igualmente, ao pior. Há uma arte do patológico - há um submundo da estética pervertida, o Hades dos fetiches violentos. E vê-se movimentos de demonização da arte? E quanto à religião? Deus do céu - que invenção humana mais terrível e assassina - de modo geral, mas, particularmente, essa máquina chamada Cristianismo, em sua expressão histórico-política! Nesse caso, até se vê, aqui e ali, religiosos denunciando as barbaridades cometidas em nome da religião, mas não a religião em si, como se fosse possível à religião manter-se epistemologicamnete como é e não conter, em si, o germe da morte.

5. O que há de inventado pelo homem - e, na cultura, tudo o é - que não seja potencialmente, ao mesmo tempo, bom e mau? Não é o caso da Bíblia? Ora, a técnica, a tecnologia, o tecnicismo, em si, nada têm de mau e bom, necessariamente. O que se faz deles, o que se constrói de bom ou mau sequer é um capítulo da própria técnica - a ética é técnica? O romântico Heidegger não chegou, afirma-se (Lévinas o menciona, de passagem, com dor), ele mesmo, a enamorar-se das profissões de fé nazistas - caso comum a românticos e teólogos daquela Alemanha?

6. Eu sou romântico - por falta de algo "acabado" e "melhor", ao menos que tenha a envergadura do Romantismo. Não posso ser platônico, nem tenho a ingenuidade do Aristotelismo, e estou contaminado demais pela epistemologia crítico-romântica para cair no conto do Empirismo clássico. O problema do Romantismo, contudo, é sua tendência a distanciar-se da objetividade material (ainda que tenham sido os românticos os primeiros a intuirem que o pensamento é material, orgânico, e não "anímico", em sentido platônico-cristão) - daí Dilthey ter proposto um armistício entre cientistas duros e moles, entre as Ciências da Natureza e as do Espírito, um apaziguamento, até que os ânimos de esfriassem, porque, naquela altura, era impossível unir os dois pólos do conhecimento humano em processo de emancipação - Empirismo (Ciências da Natureza) e Romantismo (Ciências Humanas).

7. Recentemente, as Ciências Cognitivas estão tentando a conciliação - a ponte, a passarela entre os dois mundos. Há horas que meu coração me pede para abandonar a Teologia e dirigir-me para as Ciências Cognitivas. Não pude ser entomólogo, quando criança - nem sabia o que era isso, apesar de ter passado muito tempo observando formigas - horas... dias... semanas - e, agora, poderia, eventualmente, dirigir-me ao Novo Continente. Quem sabe?

8. O Fato é que não há, absolutamente, nenhuma incompatibilidade entre Romantismo e Técnica. Aliás, são justamente àqueles valores - devidamente? - propalados como "românticos" que as Empresas apelam em seu afã de produzir "consumo" - é o elemento "poético" e "simbólico" de um Porsh que se compra, porque, se for para apenas ir daqui até ali, vai-se de Fiesta mesmo... Um Rolex para ver as horas? Ora...

9. É muito curiosa essa tentativa de "retorno". Se lá era melhor do que aqui, porque de lá chegamos até aqui? Que garantias temos de que, retornando, não voltaremos a trilhar o mesmo caminho? Nostalgia? "Presunção"? Em nome de que "valores"? A meu ver, tem-se é que caminhar daqui para a frente, abraçando valores tradicionais, relegando valores tradicionais ao esquecimento, criando valores, descriando valores, ensaiando, para a frente, rumo ao aberto e insondável.

10. Ser romântico não me parece exigir uma existência "poética" que, nesse sentido, esteja alijada da técnica - não vejo a hora de a técnica nos colocar em "mundos virtuais/reais", para brincarmos de brincar de gente. Os jogos de MMORPG já o fazem, os jogos de "segunda vida" já o permitem, mas a técnica nos colocará dentro - l i t e r a l m e n t e - dos jogos, como o cinema faz, mimeticamente, mas, então, de forma sensorial/virtual. Não tardará. Se eu viver pelo menos mais uns cinqüenta anos - Deus, dá-me mais uns oitenta, ao menos! - dificilmente não jogarei esse tipo de jogo. A técnica nos permitirá experimentar "poesia" num grau inimaginável até então. O cinema - sonho romântico permitido pela técnica! - já perde para o mercado de games - espere-se essa nova tecnologia para ver.

11. Há dois anos, em Goiânia, Gottwald, "recapitando" seu Tribos de Yahweh, falou-nos que, por melhor que ele imagine a "sociedade tribal igualitária israelita", ele não trocaria a sua vida nos Estados Unidos por aquela "utopia"... Digo o mesmo: sou romântico até a próstata, mas não trocaria minha sociedade tecnológica atual por aquela do século XIX. De lá, quero os diabos, os demônios, que me ajudem a arrebentar todas as algemas (inclusive as cristãs -éstávamos no poder, lembram-se?), mas não a sociedade em que eles viviam. Ora, (um de) meu(s) "herói(s)" romântico(s), Nietzsche, era aristocrático! E, contudo, posso orientar-me por intuições dele, mas não para voltar - retoricamente! - ao mundo dele: mas para continuar caminhando, porque é o risco de parar, é o risco de voltar atrás, é o risco de seguir em frente. Vida - teu nome é risco: e tu tens apenas uma marcha...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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