1. Recolhi na Rede: "teologia (...)de contornos mais literário e narrativo veio primeiramente complementando, depois embarcando e por fim suplantando a racionalidade do modernismo". O leitor interessado descobrirá por si mesmo a origem da citação. Ela, a origem, não vem ao caso, o que interessa é a declaração em si, caiba na boca de Deus ou do diabo.
2. Antes de comentá-la, digo que não é a primeira vez que ouço falar de uma "saída" assim. Já li uma dissertação de mestrado - publicada na forma de livro - em que o autor denunciava o que ele considera - e acertadamente - a "univocidade" da Teologia (eclesiástica), que teria adquirido ares ainda mais "positivistas" na "modernidade" - o que o autor considerava de todo equivocado e contra o qual ele defendia uma metaforização da teologia. A modernidade é o mal - a metáfora resolve as coisas...
3. Agora, de novo, voltando àquela frase inicialmente citada, a modernidade é apresentada como mal: "a racionalidade do modernismo". A retórica da coisa permite desviar de uma eventual crítica: "não falei da modernidade, mas do modernismo, de sua racionalidade". Mas vou fazer a crítica assim mesmo, porque me parece que a curva de contorno que se faz à crítica da crítica à modernidade é tão somente retórica. É da modernidade, sim, que se quer escapar.
4. Eu acho que há aí, nos dois casos, um grande equívoco.
5. A modernidade não pode fazer nada de decente com a Teologia. Só desconstruí-la. Uma teologia que se julga "moderna" não tem consciência nem de si nem da modernidade. O que cabe, na modernidade, é a compreensão humana em termos científico-humanistas e, nesse caso, a teologia aparece aí como mito racionalizado.
6. O equívoco da frase inicial e da abordagem do livro que mencionei - de qualquer forma, desse tipo de reflexão (metáfora contra a modernidade) é que ainda continuam a julgar que a Teologia pode ser apreendida em regimes que não aquele em que ela nasceu. Não, não pode. A teologia é mito. Estruturar a argumentação em regimes racionalizados não faz da teologia alguma coisa "moderna".
7. A metaforização da teologia é tão-somente uma ação política: tirar as palavras do poder de uns, os atuais controladores do regime discursivo (as declarações de fé) para entregá-las a outros, supostamente ao povo, mas o povo está a quilômetros de distância da rotina. Na outra ponta, o regime literário aplicado à teologia vai na mesma direção - ação política de superação das instâncias hegemônicas de poder eclesiástico, com o discurso de que se "muda" alguma coisa. Práticas, talvez - não estou certo: mas as palavras, todas, permanecem. Em onde permanecem as velhas palavras...
8. Deus, Jesus, Espírito Santo, salvação, graça, fé- todas essas palavras permanecem sendo instrumentos de intervenção social, equipamento ritual-discursivo, nada mais do que isso. Como Lutero "libertou-se" de Roma, para montar, ele mesmo, sua pequena Roma, como os batistas libertaram-se da igreja da Inglaterra para, também eles, montarem seu pequeno mundo eclesiástico - sempre nos mesmos moldes políticos! -, os regimes de metaforização e literalização da teologia não fazem nada de muito diferente: veja lá - lá continua o templo, lá continua o pastor, lá continuam as reuniões de "comunidade", as orações, as mãos levantadas, tudo, nada muito diferente. Claro, se você "precisar", aponta uma ou duas diferenças - mas é, ainda, aquele mesmo jogo.
9. Mudar tudo para permanecer tudo como está.
10. Já a modernidade... Com ela, senhores, não há negociações: ela olhará para a teologia e dirá aquela palavrinha com quatro letras: mito. A teologia desejará retrucar, e ela, outra vez: mito, e mito racionalizado. Fabulações histórico-sociais, antropológico-culturais, sociológico-políticas, estético-econômicas - modos de controlar gente, formas de domesticar povos e pessoas.
11. A modernidade quererá ir a fundo na teologia e ver o que ela é. Não, não é o que a teologia diz de si - não interessa o que a teologia diz de si. Interessa o que ela é, como ela é feita, por quem, para quem, para que. E a modernidade tem coisas muito libertadoras - quer-me parecer que a modernidade seja a única libertação possível - a respeito do jogo teológico.
12. A metáfora não liberta - ao contrário da retórica de quem a defende. São apenas novas cordas, um tanto quanto invisíveis, para manter a mesma prisão, e chamá-la de forma ainda mais imperceptível de verdade. A teologia "literária" não liberta ninguém, porque ela não dá equipamentos que salvem, apenas substitui a antiga EBD.
13. Eu gosto da modernidade. Não gosto da teologia disfarçada de metáfora nem da teologia disfarçando-se de literatura, mudando de pele para manter seu jogo de poder. Gosto da modernidade que diz que a boca que se pronuncia em nome de Deus, seja na forma de metáfora, seja da forma de literatura - sempre em se tratando de teologia e de comunidade - trabalha para a manutenção da alienação: porque os regimes sociais que afastam o homem de sua auto-compreensão, escravizam-no, ainda que as inenções sejam as melhores...
14. De bons intencionados enche a bocarra o Inferno...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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