1. A palavra que me define hoje é "crítico". Mais crítico do que cético, conquanto me reconheça no ceticismo - em se tratando de metafísica teológica. As doutrinas não me dizem nada que não seja a história humana.
2. Alguém me pergunta por que luto tanto contra "Deus". Não, na fala dele, não havia aspas. Na minha, sim.
3. A pergunta dele tem um erro - mas, no fundo, está correta.
4. Tem um erro, porque não luto contra Deus. Luto contra "Deus".
5. Em cada linha que escrevo, combato a ideia que temos de "Deus". Parto da convicção histórico-crítica de que nossos discursos, do discurso do Papa ao do Dalai Lama, do discurso do pastor ao do xamã, são - todos - discursos humanos, com conteúdos humanos e com referencial na crença humana.
6. Não se trata de ateísmo - se trata de ceticismo (teórico-metodológico e epistemológico) [do qual, eventualmente, abro mão, esteticamente]. Não há como "saber" o que há do outro lado, mas sabemos como os discursos sobre o que há do outro lado foram e são criados, ensinados e divulgados: processos históricos, psicológicos, sociais, antropológicos, políticos. Até aí, sabemos.
7. E eu assumo essa ciência de saber que nossos discursos são assim. E, depois de assumi-la, não dou de ombros, como se não a tivesse assumido, e continuo a empregá-los. Não! Assumo a condição antropológica deles e passo a estudá-los, virá-los do avesso, denunciar a sua condição alienante - e alienante, porque quem maneja o discurso, ou acredita ingenuamente, e é vítima, ou manipula perfidamente, e é opressor. Um jogo de vítimas e de opressores. Sem meios-termos. Porque, aqui, a "neutralidade" espiritual trabalha para a opressão...
8. Assim, engana-se redondamente quem cuida que eu fale de Deus. Não, não falo. Nem a favor nem contra. Falo, sim, e sempre que posso, do "Deus" que está contido no discurso da fé - que trato como fenômeno humano. De qual fé? De todos - a começar da batista, de onde venho, e, desde aí, da cristã e de todas as demais religiões...
9. Em termos políticos, acho que não há outro caminho além da crítica dos discursos. Estarei errado?
10. Não, o caminho do "diálogo inter-religioso" não me parece adequado - somente se ele se dá após a crítica dos discursos. Antes, ele apenas gera uma alienação planetária de massa, mantendo os mesmos riscos potenciais presentes na alienação religiosa: a manipulação, como se o desejo de religiosos de ter paz fosse suficiente para a paz - não, não é, porque os Livros religiosos querem sangue: até para salvar! Logo, não demorará muito para que o fervor do crente traga à tona, de novo, essa sede rubra que está guardada no cutelo canônico...
11. Crítica é, para mim, a única alternativa social. Um cidadão capaz de empreender a crítica dos discursos religiosos - do seu! - está livre de manipulações rasteiras. O cidadão que ainda trata seus discursos e sua fé como relicário e como cordões mágicos que o ligam ao próprio Deus, bem, esse é um perigo ambulante - na mão da pessoa certa (isto é, errada), torna-se um reprodutor do discurso acrítico da fé e, em última análise, nos países não-laicos, um "terrorista religioso" em potencial. Mas, sem ir ao extremo, é, para todos os fins, um homem ou uma mulher manipulável.
12. Assim, com todo respeito, acho que a discussão sobre Deus ou Exu é absolutamente anacrônica e equivocada - a discussão é sobre os discursos, sobre os seres que esses discursos põem em marcha sobre nós, contra nós, a despeito de nós. Você é ateu? Você é teísta? Bobagem a discussão - porque não se pode honestamente ser nem uma coisa nem outra para além da fé. Logo, nossos discursos deveriam parar na borda do precipício humano, sem lançar-se ao espaço da metafísica dos deuses. Nem para o sim, nem para o não.
13. Como diz meu velho "guru", Morin: enquanto não compreendermos, nossos espíritos estarão desarmados...
14. E como estão, senhores, como estão...
15. É pesado o discurso?
16. A vida é assim: mata-se para comer e viver. Por que acha que as discussões necessárias deveriam ser leves?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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