terça-feira, 26 de junho de 2012

(2012/516) De corpos humanos e caramujos - o complexo Hermenêutica e Consciência elogiado por meu amigo Zwínglio Mota Dias, Ciências da Religião da Federal de Juiz de Fora


1. Chegou-me aos ouvidos - mas não era verdade - que o Prof. Dr. Zwínglio Mota Dias, do Departamento de Ciências da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora, estava com um artigo meu nas mãos, sem me conhecer, e perguntando a uns e a outros quem era o sujeito. Ouvindo a história - que era falsa -, eu não sabia se a razão da procura pelo autor era para saber quem escrevera aquela "pérola" (ironia) ou quem escrevera o bom artigo.

2. No Congresso da Faculdade Unida, Zwínglio foi um dos conferencistas. Pude conhecê-lo pessoalmente. Mais tarde, por e-mail, contei-lhe a história. Ele a desmentiu. Nunca lera o texto. Mas, agora, ele dizia, queria ler. Mandei. Ele leu.

3. Hoje, Zwínglio, recente pai da pequena Yara, responde-me. Autorizou-me a usar seu comentário - que é de todo elogioso, para minha honra.

4. O artigo é longo - é um artigo acadêmico - mas decidi divulgá-lo na íntegra aqui. Eu já o reli umas três vezes, depois de publicado. Mudaria uma palavra ou outra, uma frase ou outra, talvez amenizasse a sua retórica. Mas os elogios de Zwínglio me fazem admitir que a sensação de estar lendo um "belo" texto, quando o relia, não era só minha e de Bel.

5. Eis o comentário do Prof. Dr. Zwínglio Dias:
Gostei demais de seu belo texto! Claro, erudito sem ser pedante, esclarecedor, aliando conhecimento científico e escrita preciosa... algo não muito presente em nossos espaços acadêmicos!! Aproximando-me do limite final de minha experiência terrena (uma maneira rebuscada de dizer que estou velho!)(rsrsr) fico feliz em ver jovens (poucos) como você, no auge de sua capacidade produtiva, com coragem e determinação para romper com a mesmice que nos é imposta e rasgar novos caminhos de reflexão e criação. Isto é ser fiel à vida, impedindo a sua degenerescência...Dou graças ao mistério inefável que nos envolve por suscitar, ao longo do tempo e das culturas, aqueles e aquelas que, com suas ousadias recriam novos inícios...
6. Obrigado, Zwínglio, pelas consideradas palavras.




O Complexo Hermenêutica e Consciência
– da viscosidade úmida dos mundos
Osvaldo Luiz Ribeiro[1]
09/09/2007


Resumo

O artigo postula que hermenêutica e consciência constituam, juntas, um inextricável complexo estrutural de base física (eletro-químico-hormonal), biológica (neuronal e cortical), organizacional (complexidade estrutural) e psíquica (mental), atualizando-se na forma de um sistema complexo adaptativo aberto – a consciência hermenêutica humana de si. O complexo sistêmico hermenêutica e consciência emerge desde as profundezas e desde o todo orgânico-organizacional do cérebro, desdobrando-se sobre o “não si – mundo” (ecossistema natural e noológico do corpo e da mente humanos), para o qual se abre, constitutivamente, de forma indissociavelmente cognitiva, afetiva e volitiva, por meio de um movimento excêntrico de, respectivamente,  escaneamento, hierarquização-organização e apropriação. O conhecimento gerado por tal sistema é-lhe compatível. Implica o postulado em reconhecer-se o caráter ecossistêmico do hermenêutico e consciente conhecimento humano do “mundo”, o que significa, de um lado, despedir-se definitivamente da esperança de um conhecimento não hermenêutico-antropológico, seja de si, seja do não si, e, de outro lado, assumir o conhecimento – sempre situado – como modo de efetivação, de eficiência e de eficácia da vida.

Palavras-chave

Hermenêutica, consciência, conhecimento, complexidade, interpretação, cosmovisão, antropovisão, autocompreensão, ecossistema.



- Onde mi banhu?
Ah
Mi banhu com as lesma
Us caramujo
Us restu di cumida
As gosma
Us cuspi
Dentru
Da inormi grota
Dus inutensílio[2].



Introdução

É desde o Romantismo que o Protestantismo – e, conseqüentemente, o seu espectro histórico-social concreto, a saber, as congregações e igrejas evangélico-protestantes espalhadas pelo globo, a rigor, fundamentalmente aquelas européias, mas, de resto, também as suas congêneres e co-irmãs espalhadas pelo planeta – sentiu-se premido por uma tendência “hermenêutica” muito forte. Uma vez que a “Razão” – então quase elevada à condição de Deusa – fora destronada retoricamente pela reação romântica alemã ao iluminismo “imperialista” francês, o conjunto da espécie romântica foi relegada a uma existência de “assombro” e à inalienável condição histórica[3].

Ao Romantismo alemão corresponde a descoberta do “mundo humano” – aí, então, em franca oposição, ainda, ao “mundo da natureza”. Precisamente esse mundo humano careceria daquelas qualidades próprias do mundo da natureza que fariam desta uma grandeza mais palpável, observável, manipulável. O mundo humano aparece como uma construção hermenêutica. Um a um, os campeões “românticos” – para muitos evangélicos e protestantes, verdadeiros Cavaleiros do Apocalipse – foram assentando os tijolos da nova cosmovisão romântica/científico-humanista – Kant, Schopenhauer, Dilthey, Schleiermacher, Feuerbach, Nietzsche, Heidegger[4]. Até que, finalmente, um Gadamer – diz-se – assenta a pedra de esquina. A “hermenêutica” torna-se o modo humano de ser – o homem torna-se um criador de mundo. E de fato o é.

À cisão entre os dois mundos – Homem versus Natureza – correspondeu um conflito epistemológico-metodológico que marcou – e ainda marca, é certo – grande parte do século XIX e todo o século XX, com vislumbres de solução materializando-se, apenas, próximo à saída do milênio. Karl-Otto Apel – e também eu – ressente-se disso, porque, (tanto) a ele (quanto a mim) parece inaceitável uma “ciência” – duas? – que não chegue(m) a bom termo quanto aos critérios – e, conseqüentemente, à solução da crise – de verificação entranhada até os ossos das Ciências Humanas. Se, por um lado, as Ciências da Natureza, ditas duras, já se constrangem dos critérios de “verdade” com que lidam, Apel assume, sem constrangimentos, que os caminhos percorridos, retoricamente, pelas Ciências Humanas – naquilo que tange especificamente à sua epistemologia e, por conseguinte, aos critérios de verdade, de verificação, de falseabilidade – desembocam em atoleiros retóricos fragilíssimos. A Transformação da Filosofia[5] é uma tentativa – louvável! – de analisar o caso, e de propor saídas. Naturalmente, ainda estamos a caminho.

Ora, a fragilidade epistemológica – e eu diria mais: o constrangimento retórico – de uma “saída”, guinada “hermenêutica”, mostra-se nas tentativas de um Gianni Vattimo de assentar, sempre retoricamente, o postulado de uma resignada civilização cristã (ocidental) marcadamente “hermenêutica”, já que “a hermenêutica (...) é o desenvolvimento e a maturação da mensagem cristã”[6]. Vattimo diz-se, aí, tributário de Nietzsche, e deste toma a afirmação clássica de que não existiriam fatos, apenas interpretação de fatos, para, pretensamente sustentando-se aí – e em Heidegger – postular, definitivamente, a “platonização” (juízo meu) da “realidade humana”.

Por que digo “platonização”? Por que, a rigor, essa “guinada hermenêutica” consiste, em última análise, num esforço – hercúleo! – de manutenção da disjunção “corpo – espírito” presente desde – pelo menos – Platão, muito bem recebido pelo Cristianismo, repisado mais recentemente por Descartes e assumido, sob outra forma, pela corrente que se diz “hermenêutica”. Percorrendo-se toda essa longa estrada, revela-se-nos o postulado de que o pensamento, a imaginação, a reflexão, a fabulação, são atividades da “alma” – de qualquer modo, não do corpo. De todo modo, anímicas, não orgânicas. Imateriais, etéreas, feéricas. Não materiais, enzímicas, telúricas. O corpo permanece, aí, pote. A matéria, veículo. O Universo, dispensável. Assim, a “hermenêutica” de Vattimo – de resto representativa de toda uma corrente contra-epistemológica – constitui-se como a mantenedora institucional da dicotomia, da disjunção, da cisão, da idealização das idealizações, de uma cultura humana dissociada da matéria – de qualquer modo, a não lhe dever satisfações de nenhuma espécie.

Prefiro outra hipótese – aquela que passa por um Edgar Morin e O Método, obra que refunda o pensamento na matéria, alicerçando-se numa gigantesca rede de especialistas de inúmeras disciplinas, da física à filosofia. De um Ilya Prigogine, que recupera – aleluia! – inclusive a noção de tempo como – e contra Newton – constitutiva da matéria, fisionomia inescapável do Universo. De um Carlo Ginzburg – alguma coisa entre caçador e historiador –, justamente em seu momento mais singelo, e lúcido, aquele de dizer que o paradigma indiciário “une estreitamente o animal homem às outras espécies animais”[7]. De um Nietzsche, espécie de, nesse sentido, precursor de Morin, e seu décimo primeiro aforisma de A Gaia Ciência – infra-epigrafado. Ah, sim, e antes que eu esqueça, não é bem, cuido, que o homem seja o pascalino caniço que pensa, mas antes, que o caniço pensa, e precisamente é isso que é ser homem – e mulher, claro.

Temo que a teologia agarre-se à via da desintegração do real, logrando-a por meio de mágicas e prestidigitações retórico-hipnóticas, “engajadas”, para, ai, tão somente, manter-se. Da mesma forma como Bultmann, crente e cristão, dissolve (dissolve?) a mitologia neotestamentária para, voilá, voltar – de lá – com o “querigma” na mão [um existencialismo com fundamento!], querigma esse, a rigor, o mesmo de Nicéia, a um tempo, mito e política, Vattimo e a corrente que lhe faz companhia desintegram a própria realidade, transformam a espécie em mônadas espectrais incorpóreas, mexendo seu cadinho alquímico das transmutações, cujo precipitado é, a rigor – alguém se surpreende? – a “tradição”. Essa hermenêutica é filha legítima da pragmática política. Ela não quer, absolutamente, saber de si, mas fazer.

Haverá um desgosto da vida, um desagrado da matéria, um nojo do carbono, do suor, da sexualidade, do corpo, dos líquidos viscosos e eróticos humanos, nessa “hermenêutica” desintegradora das formas materiais da existência?, do fundamento físico da vida?

No presente artigo, pretendo iniciar a caminhada pela outra via – aquela que tem, na física, na matéria, o fundamento de si. Não, materialismo, não, que uma tal posição seria anacrônica. Mas, por outro lado, nada que não também materialista. Tanto faz dizer nem idealismo, nem materialismo, quanto dizer tanto materialismo quanto idealismo. Na série de artigos que pretendo escrever, pretendo seguir a perspectiva de refundar o pensamento na matéria (consciência e hermenêutica), e, desde aí, “situar” as ações livres humanas por meio de uma aproximação pragmática (Kant, Peirce). Se é verdade – e parece – que “Deus está no particular”[8], também é verdade que a verdade está situada[9]. Porque, definitivamente, “é preciso ser compatível”[10].

No contexto deste artigo – a rigor, uma engrenagem da Série Pragmática, pretendo assentar programaticamente a perspectiva da dimensão físico-biológico-organizacional da hermenêutica, deslocando o termo de suas articulações acadêmicas e políticas como método, discurso ou paradigma. Pretendo complexificar – pensar complexamente[11] – a relação entre hermenêutica e consciência. Coloquialmente, eu diria: enfiar uma dentro da outra. Pretendo fazer emergir a consciência hermenêutica da espécie Homo sapiens sapiens desde, literalmente, o útero róseo da mãe, e desde a estrutura cérebro-espírito do filhote humano, essa fragilíssima criatura, emergindo na forma de um sistema complexo adaptativo aberto, e aberto justamente ao real, que, contudo, virou moda?, tenta-se, a todo custo, recalcar. Pretendo descrever como vejo a estrutura ternária desse sistema aberto consciente – cognição, afeição, volição. Pretendo dizer que não se trata, aí, de três momentos do trato psico-biológico da viscosidade do ecossistema, mas de uma única instância ternária – inextricável – de tratamento daquela viscosidade pegajosa, atrativa e nutritiva. Pretendo desenhar um demiurgo telúrico, um homúnculo alquímico, um ogro espeleológico, uma caramujo rastejante – a carregar nas costas, sobre o corpo, no corpo, sobre a gosma, na gosma, o mundo.


Consciência de si como ruptura hermenêutica estrutural trágica do eu e do não-eu



“A consciência é a última fase da evolução do sistema orgânico, por conseqüência também aquilo que há de menos acabado e de menos forte neste sistema”
Nietzsche, A Gaia Ciência, 11


No útero, tudo é úmido e viscoso. A própria pele é úmida e viscosa. As peles. As duas. A do útero, róseo e túrgido. A do feto, envelopado num minúsculo mar amniótico de químicas e humanas substâncias. Diz-se que, aí, se o feto “sabe” de alguma coisa, é que tudo é ele, e ele é tudo[12]. O mundo – o “seu” mundo e mundo que ele é – é úmido. É quente. É líquido. A vida que nada nessa e bebe dessa água primeva tem uma pele. Mas não sabe disso ainda. Aquilo que a doutora Ivanise Fontes[13] chama de “pele psíquica” ainda não brotou desde a consciência desse minúsculo ser quase-líquido, porque, consta, sequer esta emergiu das profundezas da auto-organização neurocerebral desse vermezinho abissal. Ah, mas vai.

O filhote será parido. Primeiro, jorram as águas, e ele tem de sair – atrás delas. As sensações devem ser-lhe as mais confusas. Não há mais águas. Os braços, as pernas, o útero não os retém mais, e eles podem esticar-se. Nada mais é macio. Nada mais é quente. Nada mais é úmido. Nada mais é líquido. Ouve-se, no entanto, aquela voz, vinda, até há pouco, das profundezas intestinas do todo.

Não se sabe o que se passa na cabeça desse filhote de mulher. Assume-se que, nessa fase inicial, o bebê vive num estado de não-diferenciação entre si como si e o meio externo como não-si[14]. Enquanto que o nascimento físico, biológico, é delimitável e demarcável, o nascimento psíquico, por sua vez, transcorre com lentidão e imprecisão, dizendo-se muito difícil a sua observação[15]. Enquanto não lhe nasce a “pele psíquica”, o filhote encontra-se ligado a tudo o mais, como se tudo o mais fosse uma extensão dele mesmo[16]. Até que, no final do processo, quando então – e porque – emerge-lhe a consciência de si, a criança descobre-se como um eu em face de um não-eu. Nas palavras da doutora Ivanise Fontes:

Para adquirir um primeiro senso de existir como unidade psíquica, o bebê precisará alcançar uma consciência de separação física da mãe. É importante frisar essa referência ao físico (...). Sair da unidade-dual para perceber a existência de um eu e de um não-eu é a trajetória inicial para o desenvolvimento de um psiquismo (...) Ego corporal para construir um ego psíquico[17].

A emergência da consciência de si não consiste, contudo, num evento de conteúdo. Ela traduz-se, apenas, no acontecimento trágico, constitutivo da espécie humana. Eu penso relevante considerar o papel do corpo da mãe – de qualquer modo, do corpo de quem efetivamente cuida do bebê – no processo de emergência trágica da consciência de si, da consciência de um sujeito vivo que se torna sujeito de si[18]. Quer sejam os movimentos rítmicos de sucção do bico da mama[19], quer seja uma ainda freudiana manifestação de “sexualite orale”[20], quer seja a experiência reflexa do bebê no rosto da mãe[21], o corpo do bebê e o corpo da mãe – em todo caso, da cuidadora/protetora responsável – ensaiam uma experiência de ruptura fundante, necessária para a emergência da consciência de si do filhote.

“O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal” – disse-o Freud[22]. Sim[23], e, no entanto, porque esse filhote desenvolver-se-á também afetivamente[24], promotores das sensações de prazer e de desprazer em face, respectivamente, de suas antagônicas manifestações de carinho e ausências (da mãe, o colo, a mama, a mão, a face, o calor, a segurança, o prazer; da mãe, a distância, a saudade, o desassossego, a vontade, o desprazer, a falta – a ruptura), tanto já o afeto e suas pulsões afetivo-volitivas[25] quanto o contato físico, corpo quente e percepção de prazer cooperam para o acontecimento trágico ineludível: a emergência da consciência de si como ruptura insuperável do si e do não-si, do eu e do não-eu, de mim e do mundo. Não há conteúdos aí. Há apenas a instalação de um abismo instransponível – a consciência de si como disjunção tectônica, abalo sísmico entre distância e solidão. Secção trágica – e inexorável – de criaturas xifópagas, a doravante se olharem, mutuamente, para sempre[26].


Consciência de si como complexidade do corpo-mente e do cérebro-espírito


Não emprego o termo consciência de si, aqui, da mesma forma como Freud o fazia, quando definia a consciência como “a superfície do aparelho mental, ou seja, determinamo-la como função de um sistema”[27]. Manejo-o a partir da noção de emergência sistêmica, próprio de Edgar Morin, na forma de espelho reflexivo do “espírito” sobre si mesmo[28]. A consciência consiste em emergência estrutural do sistema cérebro-espírito. Não, nesse, sentido, numa função dele.

Freud estava interessado no funcionamento da psiquê humana, desdobrada em id, ego e superego[29]. Interessa-me, aqui, não esse funcionamento, mas a emergência estrutural dessa consciência como consciência de si, segundo a fórmula de John R. Searle: “a consciência é uma propriedade real e intrínseca de certos sistemas biológicos tais como você e eu”[30]. A rigor, o id, o ego e o superego são como que pessoas dentro de uma pessoa. A descrição de suas instâncias de competências práxicas funciona como o desenovelamento do sistema sujeito de si em seus sistemas hipônimos constitutivos. Eu sou um sistema físico-biológico (corpo) e noológico-psicológico (cérebro-espírito) que me constituo hiperonomicamente a partir de outros sistemas – id, ego e superego – físico-biológicos (cérebro-espírito) e noológico-psicológicos (inconsciente, pré-consciente e consciência), hipônimos em relação a “mim”.

Esse caminho descritivo – profundamente heurístico e liberador – tenderia ao infinito profundo, passando por todas as fases das emergências de sistemas de sistemas, chegando até a instância bio-físico-auto-organizacional (células) e, daí, para a já apenas físico-organizacional (moléculas), e, desde aí, penetrando ainda mais entranhas estonteantes adentro do nível de realidade quântico.

A questão que aqui me prende situa-se no entroncamento de uma dessas emergências sistêmicas – a consciência de si, alguma coisa ela entre fenômeno físico-eletro-químico, biológico e psicológico-noológico[31].

A passagem da abordagem freudiano-psicanalítica, até aqui heuristicamente muito útil, para a abordagem hermenêutico-pragmática, que me interessa doravante, encontro-a numa citação do parágrafo de abertura de Viver, Compreender, Amar, de Alfredo Pena-Vega e Paula Stroh, que transcrevo.

Sabemos que a nossa compreensão cognitiva da complexidade do real em nenhum caso pode ser separada de nossos procedimentos internos: de nossa consciência, nossos desejos, nossos sentimentos-emoções e nossas pulsões, que têm um papel fundamental na maneira de perceber e/ou de construir o real[32].

Sublinho quatro dentre as expressões do citado: “consciência”, “compreensão cognitiva”, “desejos” e “sentimentos-emoções”. Uma vez que o artigo de Pena-Vega e Stroh concentrar-se-á na afetividade, no “amor”, a citação encontra-se elaborada de modo a contrapor uma noção de compreensão exclusivamente cognitiva da “complexidade do real” a uma compreensão também marcada, além de pela cognição, igualmente pela afeição e pela volição. Uma tal compreensão da complexidade do real constituir-se-ia, portanto, como inextricavelmente cognitiva, afetiva e volitiva.

Eu gostaria, então, de re-organizar a proposição do citado. E, então, diria que a consciência da complexidade do real (operada, como se viu, por meio da assembléia dialética/dialógica dos homúnculos psíquicos, os centenários senhores id, ego e superego) processa-se por meio de três instâncias indissociáveis: cognição, afeição e volição.

Nesse momento da argumentação, recorrer a Schopenhauer permitiria afirmar que a consciência humana opera por meio da representação noológica do mundo – “a representação do mundo na nossa cabeça”[33]. A polêmica franca e aberta que Schopenhauer trava com Kant leva-o a distinguir entre a representação cognitiva, meramente fenomênica, e a vontade, segundo ele, “o núcleo próprio, o único metafísico e por isso indestrutível no ser humano”[34]. “Tanto a razão como a faculdade de conhecimento”, dizia ele, “são de fato algo secundário, algo pertencente ao fenômeno, condicionado mesmo pelo organismo”[35]. A vontade, portanto, aparecia, aí, como uma potência dissociada da “faculdade de conhecimento”, e anterior a ela.

Na esteira de Edgar Morin[36], a citação anterior de Pena-Vega e Stroh fornece subsídios heurísticos importantes para a relativização do conceito de distinção ontológica entre “conhecimento” e “vontade”, característico daquele argumento de Schopenhauer, que logra a secção entre os dois elementos da consciência por meio da estratégia de tratar o primeiro como mero fenômeno orgânico-cerebral, ao passo que, o segundo, como uma espécie de pulsão espiritual não-orgânica. Proporia, por conseguinte, que tanto a cognição, quanto a volição, aliadas ambas à afeição, fossem consideradas, as três, constitutivas dinâmicas da consciência, orgânicas todas, estruturantes da apercepção propriamente humana do meio ecossistêmico[37].

Apenas bastante secundária e muito tardiamente na história da espécie humana, o conhecimento tornou-se uma coisa em si. Em termos bio-antropológicos, conhecimento, vontade e sentimento são plataformas dinâmicas de tratamento dos estímulos do real, com vistas à elaboração de um mapa noológico-topográfico (sim, “na nossa cabeça”), por meio de cuja elaboração, atualizada, o sujeito de si movimenta-se sobre o real. À guisa de metáfora, como o caracol, que, para rastejar sobre a terra, cobre-a, primeiro, com sua gosma transparente. É viscosa ela. O que melhora a analogia, porque o real é viscoso.

Quero chamar ao processo de criação do mapa mental humano de hermenêutica. Com isso, afilio-me a – e, de certo modo, ultrapasso-os, ainda que na direção por eles previamente indicada –, Wilhelm Dilthey[38], Martin Heidegger[39] e Hans-Georg Gadamer[40], tomado pela mão de Edgar Morin. No que diz respeito à consciência, poderia dizê-lo, ainda, através das palavras de John R. Searle:

A meu ver, é possível aceitar a existência e a irredutibilidade da consciência como um fenômeno biológico, sem admitir a ontologia do dualismo tradicional, segundo o qual há dois tipos de esferas metafísica e ontologicamente diferentes nas quais vivemos ou dois tipos de propriedades do mundo[41].

Sou forçado a ultrapassar a noção de hermenêutica como apenas teoria geral da compreensão, e considerá-la como o modus vivendi (modus sapiendi, modus credendi, modus contemplandi, modus delirandi, modus ludendi, modus operandi, modus faciendi) par excellence do Homo sapiens sapiens – bem como o seu modus morrendi. Tudo – absolutamente tudo – que o sujeito de si faz – “saber”, “gozar”, “agir” – ele não o faz senão hermeneuticamente. Por que a consciência do sujeito de si é uma consciência hermenêutica de si.

Com efeito, a intuição já está presente mesmo tão cedo quanto em (pelo menos) Dilthey. Conforme salienta Richard E. Palmer, Dilthey “viu com toda a nitidez a pobreza do modelo do encontro humano com o mundo em termos de sujeito-objeto, viu como é superficial separar os sentimentos dos objectos, as sensações do acto total da compreensão”[42], de sorte que, depois de ter apresentado as considerações de Dilthey, conclui, acertadamente: “o homem é ‘o animal hermenêutico’”[43].

Ela igualmente já se encontra em Heidegger, quando afirma que “toda a visão simplesmente pré-predicativa do mundo invisível do que está ‘à mão’ é já em si mesma uma visão ‘compreensiva-interpretativa’”[44]. Heidegger assenta explicitamente a noção de “mundo” como constitutiva da hermenêutica[45], e avança para afirmar que “a linguagem é a casa do ser”, estabelecendo, assim, uma “função (hermenêutica) da linguagem” como epifania do ser no mundo[46]. Até aqui caminhamos na condição de co-irmãos. Mas pressinto-me como o porco à caça de trufas, e cheiro no ar o risco de uma ontologização da linguagem, que teria por conseqüência a – para mim – frustrante dissolvição e dissolução do sujeito de si humano – que é latente[47]. Gianni Vattimo percebeu-o, e hauriu dele toda a sua pujança metodologicamente retórico-metafórica da “tradição” cristã[48] – não, sem, naturalmente, uma visita a Hans-Georg Gadamer.

Caso se aceite a afirmação de Pierre Lévy de que as palavras são mais do que contextuais, elas são dirigidas a contextos semanticamente co e sobredeterminantes[49], não se trata tanto de selecionar as declarações de Heidegger e Gadamer, mas de perscrutar-lhes o contexto teleológico. Porque em ambos percebe-se a ameaça latente, potencial, quase-hipnótica, da sublimação do sujeito de si humano em macro-estruturas ontológicas “desmitologizadas” – a linguagem, em Heidegger, a tradição, em Gadamer, a metáfora, em Vattimo. Corre-se, aí, o perigo da desmaterialização da consciência, da disjunção entre mente e corpo, malgrado ter-se começado a empreitada justamente perguntando-se pela possibilidade e pelo estatuto eidético do conhecimento humano. Corre-se, enfim, o risco da quintessência idealista de Descartes, substituindo-se, contudo, o cogito pelo interpretare. Um cogito flutuante não-situado não se encontra tão epistemologicamente distante de um interpretare igualmente não-situado. Na linguagem – e só nela –, na tradição – e só nela – e na metáfora – e só nela –, o homem deixou o mundo. De novo. E nosso feto, coitado, dir-se-ia dele o escutado de muitas eras a trombetas anunciadas – parturiunt montes, nascetur ridiculus mus.

É preciso, pois, conceder ao homem um parto decente. É preciso pois, recolocar o homem, como máquina-viva, em seu ecossistema. É preciso conceder ao pensamento, enquanto emergência da e na consciência, seu estatuto mitocondrial. É preciso vê-lo como consumidor calórico dispendioso e imódico. É preciso recebê-lo também como acontecimento do corpo, evento histórico-biológico do cérebro-espírito humano. É preciso observar o sujeito de si humano como um “sistema complexo adaptativo”[50]. Ah, é um crime de lesa espécie subsumir o Homo sapiens sapiens exclusivamente a “seu mundo” – hermenêutico – e de forma banalizadamente relativista. Oh, sim, o Homo sapiens sapiens vive, sim, em “seu mundo hermenêutico” e daí aufere cultura, que aí ensaia e joga, e que aí despeja. É verdade. Mas não toda ela. Esse mesmo Homo sapiens sapiens ainda se arrasta – e isso inexoravelmente, ineludivelmente, iniludivelmente – na umidade, na viscosidade, na liquidez límbico-erótica da matéria física, quente, carne viva e biológica, que saiu de dentro do sol. Nem idealismo, nem materialismo[51]. Complexidade.

En el alba del pensamiento filosófico, el hombre Esfinge surgió de la reflexión socrática, y no ha cesado de solicitar nuestra reflexión. El Universo Esfinge surge de la ciencia del siglo XX. El Universo Esfinge y el hombre Esfinge deben interrogarse entre sí. Como hemos señalado, las preguntas cosmológicas son también preguntas cognitivas, puesto que nos plantean el problema de las posibilidades y límites de nuestro conocimiento, y las preguntas cognitivas son asimismo preguntas no solamente ántroposociológicas, sino también bio-psico-cósmicas. Así, el conocimiento del conocimiento debe ser iluminado por el conocimiento de la naturaleza, como el conocimiento de la naturaleza debe ser iluminado por el conocimiento del conocimiento[52].

Durante a manipulação do conceito de hermenêutica, é preciso ser compatível. Com isso, quero aplicar à questão “filosófica” (Heidegger e Gadamer) da hermenêutica o mesmo princípio de compatibilidade que Jéròme Barkow recomenda à tendência ascético-exclusivista de certas atitudes, abordagens e práticas sociológicas. Em entrevista concedida a François Dosse, Barkow afirmou que “a maneira pela qual as ciências sociais se isolam é indefensável. Isto não quer dizer que seja preciso ser reducionista. É preciso ser compatível”[53], com o que pretendia colocar “como exigência que toda explicação sociológica da ética seja compatível com as teses psicológicas da ética, e que estas sejam compatíveis ao mesmo tempo com as neurociências e com a biologia da evolução”[54]. Segundo François Dosse interpreta, não se trata de uma “interdisciplinaridade fundada na biologia, mas a existência de uma compatibilidade das hipóteses sociológicas com aquilo que se sabe por outro lado do funcionamento das outras ciências”[55].

No que diz respeito à Filosofia, penso que uma tal campatibilidade está sendo tentada por Karl-Otto Apel, e penso particularmente nos dois volumes de Transformação da Filosofia[56]. Isso, naturalmente, para mencionar alguma coisa além dos inadjetiváveis seis volumes de O Método, de Edgar Morrin.


Consciência hermenêutica de si como cognição, afeição e volição


Eis, portanto, que o Homo hermeneuticus é – como o foram seus ancestrais primatas – um sistema físico-biológico situado e aberto. Ecossistemicamente situado. Ecossistemicamente aberto. O fato de envolver seu ecossistema com sua gosma hermenêutica – como os caramujos que andam sobre suas substâncias líquido-gelatinosas, ou melhor, andam sobre o real, andando sobre suas substâncias líquido-gelatinosas –, não faz do sujeito consciente de si hermenêutico um ser eidética e ontologicamente excluído desse ecossistema, seja por meio da linguagem, seja por meio da tradição, seja por meio de qualquer recalque – no sentido psicanalítico do termo – do meio externo. O não-si permanece ontogeneticamente co-constitutivo do si. O não-eu, do eu. O ecossistema, do sistema complexo adaptativo aberto vivo. O Universo, do homem. A matéria, do pensamento.

O não-eu, contudo, é assumido hermeneuticamente. É que o não-eu, o absolutamente fora de mim, aparece-me justamente no momento da ruptura trágica fundamental da consciência humana, quando ela emerge, porque ela emerge. A consciência é a ruptura, ao mesmo tempo em que é gerada por ela. Eu – ainda um filhote vazio de conteúdos cognitivo-afetivo-volitivos – descubro-me rasgado, seccionado, mutilado, separado. Tão surrealisticamente quanto A Jangada de Pedra, de José Saramago. Ainda mais tragicamente. E, contudo, não há conteúdo disponível para disponibilizar a ruptura – não há um Saramago que me conte o enredo, que me leia o romance, que inaugure o Nobel. É ela – a ruptura – que é disponibilizante dos conteúdos todos, desde agora presente, e também futuros. Ela, a diferenciação.

Como a gosma líquida dos caramujos, a resina hermenêutica do sujeito de si cobrirá o não-eu, e, a partir desse envelopamento físico-mental – quase uma reconquista,  revelando o Homo sapiens como um Homo (re)conquistor mítica e prometeicamente aspirando para dentro de si o real sobre o qual, per agros, ele peregrina, sob o risco de, recalcando os “campos”, tornar-se um ciclópico Homo bellicus, contra si mesmo e contra o mundo (há um quê de patológico no recalque do real[57]) –, perceberá/construirá o real[58].

A gosma hermenêutica possui três instâncias ou dimensões. Não são níveis hierárquicos – são instâncias co-determinantes. Dimensão cognitiva, dimensão afetiva e dimensão volitiva. Cada tratamento dos estímulos externos do real pela gosma hermenêutica será, necessariamente, cognitivo-afetivo-volitivo[59]. Não é que ora seja cognitivo, ora afetivo, ora volitivo. Todo “saber” é afetivo-volitivo. Todo “sentir” é cognitivo-volitivo. Todo “querer” é cognitivo-afetivo. Só se pode saber-sentir-querer[60]. Olho posto ao microscópio, coração aquecido pela presença, boca entreaberta e arfante de libido – aí há cognição, afeição e volição. Tudo junto. Sopa hermenêutica primordial.

A dimensão cognitiva responde pelo tratamento da resistência física do real (e, desde e além de aí, naturalmente, também das resistências noológico-mitológicas das regiões desse mesmo real tornado cosmovisão)[61]. Não se trata da mesma coisa, mas a figura freudiana do ego traduz essa função de mediação sensorial entre o eu e o não-eu. Por trás da Astrofísica e da Física Quântica modernas está a faculdade de um Scarabeus sacer de identificar o esterco apropriado à sua espécie (Scarabeus sacer “sapiens”), de, recolhendo porções precisas do material orgânico, “fabricar” uma bola de estrume (Scarabeus sacer “faber”), rolá-la determinadamente, enterrá-la, e, nela, depositar um ovo seu. A distinção fundamental entre o Homo sapiens sapiens e o Scarabeus sacer não é a capacidade cognitiva – entendida ela como a faculdade biopsicológica intrínseca de apercepção do e de adaptação ao ecossistema (e sem dúvida que comparativamente muito mais evoluída na espécie humana) –, mas, recorrendo a Searle, no “mistério da consciência”. Para aquém ou além do mistério, a dimensão cognitiva é a mesma – a capacidade, por necessidade de sobrevivência ecossistêmica, de instalação e movimentação adaptativa no meio ecológico.

Assim, não apenas se pode, mas de deve, criticar a pretensão de uma cognição “platônica” – divina – do real (hoje, o Universo inteiro conhecido). Que hubbleanos sejam nossos olhos de ver para cima, e ciclotrônicos sejam nossos olhos de ver para baixo, são nossos olhos, ainda assim, olhos humanos de ver. Por outro lado, o postulado de um descolamento cognitivo absolutamente relativista do homem em face da ecosfera fica a dever explicações quanto à capacidade insofismável de o homem inserir-se funcional-instrumentalmente em sua plataforma ecológica, e, de, aí, construir Hubbles e ciclotrons. As tampas urinadas de nossos sanitários, e as conseqüentes reverberações acústicas de nossas esposas, desgostosas disso (“_ Por que cargas d’água vocês homens não podem urinar sentados?”), servirão de frontispício aos portais da vida eco-situada: é preciso ser “compatível”! E levantar a tampa da privada. Deuses, não. Mas nem por isso, espectros[62].

Por sua vez, a dimensão afetiva tem uma função fundamental no envolvimento gosmento da ecosfera[63]. Geneticamente liberado dos instintos sobredeterminantes das espécies não-conscientes de si (como a tartaruguinha, que nasce sabendo do mar e da praia, do tempo e dos ovos de pôr), a espécie humana precisa elaborar, desenhar, e tornar operacionalizável seu mapa mental. Um mapa operacionalizável é um mapa no qual há um critério de orientação. É necessário o estabelecimento de um sistema de coordenadas, as quais devem organizar-se a partir de um centro. É aqui que a noção de afetividade – respectivamente de “valor” – cumpre seu papel. Sem a dimensão afetiva, a cognição resultaria no “escaneamento”/na “construção” não de uma ecosfera estruturada, mas de uma superfície homogênea inoperacionalizável. A ecosfera deixaria de constituir-se numa topografia, numa geografia, sendo percebida indistintamente na forma de um status quo caótico.

Achado, contudo, no centro do “mundo” que emerge desde a ruptura tectônica da consciência, o sujeito hermenêutico orienta-se a partir da afetividade auto-recursiva, e escaneia a ecosfera, classificando afetivamente – hierarquizando afetivo-categorialmente – o “cenário”, os elementos do cenário, o “mundo”, as coisas do mundo. O cenário aparece-lhe colorido, agora, e não mais gris.

Não é mera coincidência – arrisco dizer – que a descrição que venho de fazer do funcionamento da dimensão afetiva da consciência hermenêutica do sujeito de si esteja carregada dos elementos com que, em chave fenomenológico-religiosa, Mircea Eliade “descreve” o mecanismo de orientação espacial proporcionado pela “experiência do sagrado”. O paralelo é inequívoco: “a revelação de um espaço sagrado permite que se obtenha um ‘ponto fixo’, e permite, portanto, a orientação na homogeneidade caótica, ‘o fundar o mundo’ e viver realmente”[64]. Para além da tentativa de formular uma teoria da origem da religião, mas considerando-se a “experiência do sagrado” conforme enquadrada pela seguinte declaração programática de Mircea Eliade – “o ‘sagrado’ é um elemento da estrutura da consciência, e não um estágio na história da consciência. Um mundo com sentido – e o Homem não pode viver no ‘caos’ – é o resultado de um processo dialéctico a que se pode chamar manifestação do sagrado”[65] –, cogito da possibilidade heurística de considerar-se justamente essa experiência de orientação, semantização, hierarquização, da ecosfera uma experiência afetivo-hermenêutica de fundo. A dimensão afetiva da consciência hermenêutica não possui conteúdo – ela produz conteúdo (sempre cognitivo-afetivo-volitivamente).

Finalmente, a dimensão volitiva da consciência hermenêutica do sujeito de si, articulando-se com, em e entre as dimensões cognitiva e afetiva, “esquenta” o real, dotando-o hermeneuticamente de atratores eróticos – em sentido amplo. A dimensão volitiva é a dimensão do princípio de retorno sobre o real, conquanto não o seja isoladamente, mas em conjunto com todo o sistema. O sistema da consciência hermenêutica do sujeito de si é quem trata cognitivamente os estímulos do real, mapeando afetivo-valorativamente o desconhecido fora de si, e reagindo volitivo-limbicamente a eles. Aqui a figura de Schopenhauer merece ser controversamente lembrada, porque ateve-se acertadamente – ainda que apenas parcialmente, já que considerou alguma distinção ontológica entre cognição e vontade – ao caráter sobredeterminante da vontade. Schopenhauer teria toda razão em estabelecer o neologismo “pantelismo”[66] – se, ao lado dele, aceitasse um “panlogismo” hegeliano[67] e um “panpatismo” afetivo-valorativo. Não se pode querer, o que não se sabe – não é por isso que o “sagrado” logo torna-se “doutrina”? E não é ainda por isso que tudo quanto se pode pensar, se pode querer? Não se pode saber o que não se sente. Não se pode sentir o que não se quer – principio da abertura do sujeito vivo como sistema complexo adaptativo eco-situado[68]. As três instâncias de determinação que Schopenhauer aplica à sua noção pantelista de vontade – unidade, indestrutibilidade e liberdade[69] – devem, ao mesmo tempo, ser tanto aplicadas ao sistema cognitivo-afetivo-volitivo como um todo, quanto relativizadas físico-biologicamente.

A relativização físico-biológica da dimensão volitiva da consciência – e podem ser assinalados correlatos também para as dimensões cognitiva e afetiva[70] – evidencia-se, por exemplo, em casos de depressão. A depressão constitui-se como e pela absoluta falta de vontade de o sujeito deprimido agir. Na prática, é como se o “real” não existisse. Os atratores erótico-volitivos da “gosma” hermenêutica estão inibidos. Não funcionam. Ainda rasgado do “mundo”, o deprimido, contudo, não se sente mais “atraído” para fora de si. Nada – absolutamente nada – “vale a pena”. De modo que os casos mais graves chegam a uma importante imobilidade apática. Não é por outra razão que das Diretrizes para o Diagnóstico e Tratamento da Depressão, da Associação Brasileira de Psiquiatria, consta que “a depressão é um transtorno incapacitante”, sendo que “foi estimada como a quarta causa específica nos anos 90 de incapacitação, através de uma escala global para comparação de várias doenças”[71]. Não é pois rigorosamente como Schopenhauer queria crer. A vontade, afinal, não goza de absoluta indestrutibilidade. O que é muito compreensível, já que a consciência – de que ela constitui uma dimensão intrínseca – consiste, em todos os sentidos, e com todas as implicações, numa emergência biológica, também eletroquimicamente sustentada. Qualquer disfunção eletro-químico-hormonal no nível físico do sistema desdobra-se necessariamente sobre a emergência psicológico-hermenêutica que daí procede. O fato de ainda ser legítima a pergunta por “que tipo de teoria explicaria como o cérebro causa a consciência?” (Searle), o próprio Searle reconhece que se sabe, por exemplo, que a consciência possui componentes neuronais (Francis Crick)[72]. Disfunções procedimentais e eletro-químico-hormonais nos neurotransmissores sinápticos (nível físico-maquinário) reverberam severos ruídos na consciência (nível psicológico-hermenêutico). Não se trata de morte. Mas é quase.

Se bem postos foram os argumentos, resulta dizer que o complexo hermenêutica e consciência constituiria, então, um sistema de sistemas de sistemas. Ele próprio, um sistema complexo adaptativo aberto, o que significa dizer que “dialoga” com seu ecossistema. Instalado emergentemente nas profundezas e na totalidade da máquina cérebro-espírito humana, projeta-se excentricamente para todas as direções, na forma ectoplasmática de uma gosma hermenêutica que, promiscuamente, enfia-se em tudo, recobre tudo, é tocada por tudo, e é penetrada por tudo. O complexo é viscoso – porque o fora de si é viscoso, e é preciso ser compatível. Ele é úmido – porque o “real” é úmido, e é preciso ser compatível. Ele é quente – porque o que “aí está” é quente – e é preciso ser compatível. O complexo hermenêutica e consciência encarna como a alma do “mundo” – mas, ao mesmo tempo, é, também, o corpo do mundo. E, corporificado e animado, o “mundo” ergue-se como “criação” noológica. O mapa está pronto. Inacabado, sempre. Mas posso andar no mundo. Que é, em certo sentido, “meu”, e em outro, livre. Está “vivo”. E “olha” para mim um olhar de dizer “eu estou aqui”.

Quando eu – sujeito consciente de “mim” – estendo mão e dedos, tomo a uva, trago-a à boca de beijar Izabel, pressiono-a até o estouro de si, voluptuosa e nua, e a engulo úmida de caldos, são mão e dedos físicos que se estendem, e, com eles, minha mão e dedos psíquicos, hermenêuticos, ectoplasmáticos. É uma uva “viva” que eles tomam, e, ao mesmo tempo, uma uva noológica, de cor, de gosto, de prazer, de memórias impudicas. Nada aí é “ilusório”. E tudo aí é “ilusório”. Nada aí é apenas físico. Mas tudo aí é também físico. Nada aí é imaginário. Mas tudo aí é também imaginário. Saber qual “ilusão” é “real”, e qual é “imaginária” – se o complexo hermenêutica e consciência não fosse capaz de saber, aquela apetitosa e rubra uva sequer um dia teria saído da terra. E nem eu.


Conclusão


Se revelar-se heuristicamente seguro avançar de onde venho de caminhar, extrairia algumas conclusões parciais, bem como apresentaria algumas sinalizações.

Primeiro, assumindo que a hermenêutica não constitui nem uma estratégia de interpretação (método) nem um conjunto de proposições epifânicas (paradigma)[73]. Não se trata, de com a hermenêutica, entrar-se numa “era da interpretação” – porque dela jamais se esteve fora algum dia. Quem quer que seja. Trata-se, antes de mais nada, de segurar com as duas mãos o paradoxo de se ter descoberto heurístico-cientificamente o fato de que o Homo sapiens, afinal, é um ser hermenêutico, o que, de um lado, significa, sim, que ele vive num “mundo” – a gosma da lesma que rasteja sobre si mesma –, com o qual, contudo, enfia a mão até às entranhas úmidas do Universo. Não se trata de ter-se descoberto, com alguma coisa chamada “hermenêutica” – como se fosse ela um alfarrábio secreto, como o “Livro da Lei de Yahweh” da “fraude santa” de Josias/Hilquias –, uma revelação íntima. Há, sim, uma revelação diante dos olhos humanos: a revelação “hermenêutica” do real que ele descobre/constrói, que ele revela/vela[74]. Trata-se apenas de ter a “ciência” – tanto a dura, de um lado, quanto a mole, de outro – tomado “consciência” de que a peregrinação do Homo sapiens pela Terra – um dia, pelo espaço? – dá-se desde dentro, e por dentro da própria ecosfera, engolfada que é e está pela gosma cognitivo-afetivo-volitiva humana. O que parece ter terminado – o que deve terminar, enfim – é o delírio de brincarmos os homens de deus. Nunca se chegará a tanto, nem se ouvirá dele coisa alguma, enquanto os ouvidos forem humanos, os olhos, humanos, as mãos, humanas, o corpo, os sentidos, a consciência, humanos. Mas é assim mesmo, humana, que a espécie Homo sapiens sapiens ensaia sua peregrinação de conhecimento-afeição-volição para dentro, para muito dentro, e para fora, para muito fora do não-si, tão profundamente dentro quanto o quintal da casa quântica, onde, lúdicos, saltitam frêmitos de quarks, léptons e glúons nervosos, e tão profundamente fora quanto os turbilhões galácticos, os quasares e o Hubble Deep Field. O que ele buscará aí? A si? Ou tão somente lhe escorre a gosma, sem que, como?, ele a possa deter – até ela “aparece”, aí, como um fora de si. Ela vai, escorre, e pronto.

Segundo, concluir pela incontornável necessidade de tratar-se distintivamente os diferentes contextos de conhecimento. Há uma espécie de ciúmes agindo sobre a comunidade científica mundial. Ciúmes de ciências moles contra ciências duras. Ciúmes de ciências duras contra ciências moles[75]. Para não falar da “teologia”, que teima em aparecer em público coberta do vermelho barroco. Antes de mais nada, é necessário que sejam respeitados os domínios próprios – consignados na forma dos contextos hermenêuticos – de cada “ciência”. Em que pese a condição hermenêutica humana, quem, em sã consciência, considerará estatutariamente equivalentes aproximações disciplinares ao “real” tão constitutivamente distintas quanto, por exemplo, Geologia e Geografia, Psiquiatria e Psicologia, Biologia e Antropologia, Física e Filosofia[76]? Não se trata de estabelecer hierarquias, uma vez que tanto as ciências duras precisam das ciências moles, quanto as ciências moles precisam das ciências duras. Trata-se – mais uma vez – de tornar-se compatível. Remete-se, nesse sentido, para a Carta da Transdisciplinaridade[77].

Terceiro, insistir na denúncia da ameaça patológica de recalque da realidade física – o “real”. Para todos os fins, a emergência da consciência hermenêutica humana deu-se e dá-se – e nunca se poderá suficientemente acentuá-lo – sempre com vistas ao não-si, assim tomado, então, como “mundo”. O “mundo” humano só o há porque há o real engolfável, e o real somente é engolfável porque o corpo humano desprende sua gosma hermenêutico-noológica, viscosa e úmida, sobre o real. Não é possível ser asséptico e asseado aqui. Tem-se que se deixar umedecer, grudar da gosma que escorre de nossos olhos, boca e orifícios – todos eles. Sejam as fezes, por um, as palavras, por outro, as lágrimas, pelos delas, os suores, pelos deles, os fluidos gonodais e as emulsões ginecológicas, pelos seus próprios, é o corpo telúrico que os engendra e expele, na dor, no prazer e na vida, depois de os ter recolhido também de lá – o fora de si –, para onde agora os envia – o não-eu. Não é apenas o ter-se de meter a mão nessas substâncias. É abrir-se à evidência de que nós somos tais substâncias. Ah, não, anjos não defecam, não ejaculam, não têm lubrificadas suas intimidades excitadas, não suam, não choram, não cospem, não escarram, não têm inflamadas as suas carnes, porque não têm fluidos, não têm líquidos, não têm gosmas. São secos. São áridos. São assépticos. São brancos. São hospitalares. Só têm palavras – quis-se crer. Mas acabo de dizer – nem isto, porque palavras são vômito, e anjos não degustam pólen. Não há flores no céu. Nem corpos.

É preciso, enfim, deixar-se enamorar do real. É preciso, ainda, dispensar-lhe todas as carícias, e receber dele todos os afagos. É preciso receber – desde dentro de nós – a gosma erótica da hermenêutica, e lubrificar com ela o real – amante – para uma noite eterna de amor. É preciso ouvir os gemidos que vêm de fora – ama-me – e de dentro – amo-te. A hermenêutica é um corpo que quer escorrer-se de gozos.

Essas, as conclusões. Por ora. No campo das sinalizações, alertar para o fato de que, com o presente artigo, indica-se para uma primeira parte de um programa pessoal de refundação físico-biológica da hermenêutica. A próxima tarefa é descrever, até a puberdade – momento viscoso e úmido par excellence, e novo parto, finalmente –, o processo e os estágios da transferência hermenêutica de cultura. Ah, se os encantados da tradição recordassem-se de que a puberdade é o grito da Natureza (os teólogos à cata de retóricas poderiam aproveitar – de Deus!) contra a tradição. Porque, sim, a Natureza precisa da tradição para alimentar de cultura seus bichinhos de comer cultura. A forma como o faz, a forma como dá-lhes cultura a comer, é inibindo-lhes a dimensão volitiva da consciência. Assim, as estruturas funcionais da pedagogia da cultura podem imprimir no cérebro-espírito do bichinho seus imprintings necessários. E porque “sabe” das implicações dessa inibição volitiva que eles precisam sofrer nessa fase pós-uterina, porque são naturalmente excitados, atrevidos, ousados e orgulhosos os seus bichinhos, e somente a custo dessa inibição submeter-se-iam, a Natureza esconde, em cada gônada, um demônio terrível, uma serpente do Éden, feita de gosma erótica e lúdica, úmida e viscosa, cuja função – e disso tremem os sacerdotes (regra áurea: tremeu-se disso, é-se hierocrata) – é tirar o casal de lá – o corpo e o complexo –, que espada de fogo alguma há de mantê-los heterônomos – quando vir chegada a hora.

Se a tarefa for realizada a contento, ter-se-ão descrito, então, três partos – o ginecológico e físico, o hermenêutico e mental e, então, esse púbere e cosmogônico. Sim, cosmogônico, porque é destino de cada homem, de cada mulher, de cada um dos filhotes de Homo sapiens sapiens – na condição de Homo sapiens hermeneuticus – fundar um mundo[78]. E viver e morrer nele. Só. De dores. E de amores.

A essa segunda tarefa, deve-se seguir uma terceira: a descrição das instâncias pragmáticas da atuação do sujeito hermenêutico no ecossistema-mundo. Via a ótica do “contexto” semantizante, Pierre Lévy norteará o caminho[79], que seguiremos pari passu a um Jean-Marc Ferry e seu conceito de interação pragmática[80], abrindo caminho pelas trincheiras heurística, política e estética. John Huizinga cavou, com boa pá, uma razoável profundidade[81], mas ainda há bastante trabalho à espera. Nem que seja para carregar entulhos. Nisto a ciência da arqueologia e a arte da escultura são irmãs – tirar entulhos. Parla!

Por enquanto, contemplemos nosso Homo hermeneuticus. Era, o quê?, um feto apertado de líquidos e róseas paredes, o quê?, não tem mais do que um punhado de meses atrás. Saiu de lá, tragicamente – quem acreditaria, se lhe contasse? É, agora, um filhote de carbono vivo – uma criatura auto-organizada, um sistema complexo adaptativo “aberto”.  Ele é quente e viscoso. Um saco corpóreo de líquidos. Foi concebido – não concebeu-se – e foi parido – não pariu-se. E, contudo, agora, deve manter-se vivo. Por isso está aberto – sem que sequer tenha, ainda, a noção do que isso significa. Vive das energias que são físico-químicas, que lhe vêm de fora, mas sequer sabe disso. Porque é, ainda, uma coisinha indefesa, um pedaço quente de risco. A única coisa que quer é a mama. E mama. Ah, Freud...

Enfiou-se por entre as pernas da mãe, e saiu de lá Deus sabe como. Aqui fora, um processo novo começa a engendrar-se. Uma pele mental começa a recobrar todo o seu corpo, por meio das sensações e do prazer, teimosos, que, insistentes, vão e vêm, continuamente, desenhando sua silhueta psíquica, recortando-o como à tesoura. De início, imperceptivelmente, muito lentamente, até que, num belo dia, como se fora um outro parto, outras pernas, outra abertura, lá vai ele, enfiando-se pela ruptura, e, ai, tragédia – racham-se ele e o não-ele, um no outro, um pelo outro.

Segundo nascimento. De novo, sem conteúdo. Somente estruturas potenciais, maquinário físico-biológico estrutural e estruturante, fermentações psicológicas profundas. Desabrocha a flor da consciência. Carnívora, exibe, impudica, sua intimidade de três pétalas – cognição, volição, afeição –, e vai com ela devorar o mundo. Arrasta-se, lentamente, a lesma hermenêutica sobre sua gosma, preparando-se para a cosmogonia fraca, prenúncio daquela que, o quê?, daqui a dez?, onze?, doze anos?, vai converter-se na demiúrgica manifestação da espécie.

Enquanto ele cresce, brinca. Enquanto brinca, sente. Enquanto sente, quer. Enquanto quer, sabe. Enquanto sabe, busca. Diz-se que, se você busca, encontra. Encontrará ele, um dia, o que busca?


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Santiago ZABALA (ORG), Richard RORTY e GIANNI VATTIMO, O Futuro da Religião – solidariedade, caridade, ironia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.
Sérgio Felipe de Lima LAGE, Dilthey e Freud: a psicanálise frente à epistemologia das ciências do espírito. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2003 [Dissertação de Mestrado].
Sheila Andreoli Balen, Reconhecimento de Padrões Auditivos de Freqüência e de Duração: desempenho de crianças escolares de 7 a 11 anos. São Paulo: USP, 2001 [Tese de Doutorado em Psicologia].
Sigmund FREUD, O Ego e o Id, em S. FREUD, O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Obras Completas. Volume XIX. Tradução da edição inglesa de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p. 13-89.
Wilhelm DILTHEY, Introducción a las Ciencias del Espiritu. Madrid: Alianza Universidad, 1986.
Wilhelm Dilthey, Teoria das Concepções de Mundo. Lisboa: Edições 70, 1992.




[1] Doutorando em Teologia Bíblica pela PUC-Rio. Professor de Hermenêutica na Faculdade Batista do Rio de Janeiro. Quem Israel e Jordão têm por pai, e (Iza)Bel, por apaixonado esposo. Agradeço a Ronaldo Cavalcante o convite fraterno para incluir o presente artigo no volume sob sua tutela editorial. Sinto-me honrado e agradecido. Oxalá que a prótese tenha sido perfeitamente instalada.
[2] O poema Entrevista, de Rodolfo Dantas, compõe o não publicado livro de poesias, Esqueleto Cantor, finalista do 9º Projeto Nascente (USP/Editora Abril). O excerto corresponde à sua penúltima estrofe.
[3] Cf. Dilthey e o historicismo: a redescoberta da história, em José Carlos REIS, História & Teoria. Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 207-243. Para o seu desdobramento na teologia cristã, restritamente falando, cf. Teologia Hermenêutica, em Rosino Gibellini, A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p. 57-81, bem como Claude GEFFRÉ, Como se Faz Teologia Hoje – hermenêutica teológica. São Paulo: Paulinas, 1989, e do mesmo autor, Crer e Interpretar – a virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004.
[4] Para desdobramentos em outra direção, cf. O Horizonte Hermenêutico, em François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas
[5] Karl-Otto APEL, A Transformação da Filosofia. I – Filosofia Analítica, Hermenêutica. São Paulo: Loyola, 200, e II – O ‘a priori’ da Comunidade de Comunicação. São Paulo: Loyola, 2000.
[6] Gianni VATTIMO, A Idade da Interpretação, em Santiago ZABALA (ORG), Richard RORTY e GIANNI VATTIMO, O Futuro da Religião – solidariedade, caridade, ironia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006, p. 63-76. Minha crítica ponto a ponto pode ser lida em minha página de trabalho: http://www.ouviroevento.pro.br/diversos/O_%20futuro_da_religiao_I.htm#Vattimo.
[7] Carlo GINZBURG, Sinais – raízes de um paradigma indiciário, em Carlo GINZBURG, Mitos, Emblemas e Sinais – morfologia e história. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 143-179. Falando da aplicação do paradigma indiciário: “essa ‘intuição baixa’  está arraigada nos sentidos” (p. 179).
[8] Primeira das duas epígrafes utilizadas por Carlo Ginzburg para abrir o artigo Sinais (cf. nota anterior), creditada a A. Warburg.
[9] Cf. François DOSSE, A Ação Situada, em François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 363-376.
[10] O projeto a que me destino dedicar não tem início nesse artigo, a rigor, o penúltimo da série a ser escrito, até agora. Iniciei a reflexão crítica de uma alternativa à desmaterialização “hermenêutica” durante as aulas do Prof. Dr. Haroldo Reimer – meu amigo e saudoso mestre, agora titular na Universidade Católica de Goiás – quando então éramos professor e aluno no Mestrado em Teologia (Bíblica – Antigo Testamento), no Seminário Teológico Batista do Sul (agora, Faculdade Batista do Rio de Janeiro). Iniciei a reflexão através da Série Pragmática. Ressenti-me, então, de fundamentação crítica e diálogo com as Ciências Cognitivas de modo geral. Iniciei o presente artigo e, agora, dedico-me a escrever Vivendo Hermeneuticamente, onde procuro situar a noção de pragmática em Kant e Peirce, contra um pragmatismo rortyano. A Série Pragmática está disponível em www.ouviroevento.pro.br, na seção de capa, Textos Hermenêutico-epistemológicos. Sairá um volume de homenagem aos professores Reimers, Ivoni Richter e Haroldo, assinado por seus alunos do Batista, a ser lançado no Congresso da ABIB, marcado para setembro de 2008. Lá, esboçarei, em resumo, em que pé encontra-se o projeto, que, em última análise, nasceu das provocações “hermenêuticas” de meu mestre e professor, luterano, Haroldo.
[11] Para uma aproximação ao tema do Pensamento Complexo, cf. Edgar MORIN, Da necessidade de um pensamento complexo. Em: Francisco Menezes Martins e Juremir Machado da Silva (org), Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulinas/Edipucrs, 2000, p. 13-36. O texto pode ser acessado na página do Geccom: http://geccom.incubadora.fapesp.br/portal/tarefas/projetos-em-multimeios-i-e-ii-puc-sp/textos-uteis/pensamentocomplexo.pdf. Para o tema da Complexidade e da Transdisciplinaridade, cf. minha página de trabalho: http://www.ouviroevento.pro.br/index/carta_da_transdiscipliradidade.htm.
[12] “Quando o futuro bebê flutuava no ventre materno não havia diferenciação entre ele e sua mãe: eram um só corpo” (cf. Marilita Lúcia de Castro, O desenvolvimento da afetividade: a constituição das relações de objeto, disponível em http://www.psiconica.com/psimed/files/desenvolvimento.pdf em 09/09/2007).
[13] Cf. dois dos trabalhos da autora: Ivanise FONTES, Caso R – construindo uma pele psíquica, Cadernos de Psicanálise do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 26, n. 17, p. 55-71, 2004, e Ivanise FONTES, A Ternura Tátil – o corpo na origem do psiquismo, Psyché, México, v. 10, n. 17, 2006, p. 109-120.
[14] A Tese de Doutorado de Sheila Andreoli Balen estabelece um momento tão longo quanto os dois anos de idade para a “emergência da consciência de si”, aí associada também è emergência da linguagem (cf.  Sheila Andreoli Balen, Reconhecimento de Padrões Auditivos de Freqüência e de Duração: desempenho de crianças escolares de 7 a 11 anos. São Paulo: USP, 2001 [Tese de Doutorado em Psicologia], p. 31). Já a doutora Ivanise Fontes afirma que “o momento em que se dá o primeiro esboço da consciência de si ocorre por volta de cinco meses” (cf. Ivanise FONTES, A Ternura Tátil – o corpo na origem do psiquismo, Psyché, México, v. 10, n. 17, 2006, p. 110).
[15] Cf. Margaret S. Mahler, O Nascimento Psicológico da Criança – simbiose e individuação. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1986, p. 15.
[16] Cf. Odila WEIGAND, Construção do Self Saudável – a Teoria do Apego em diálogo com outras abordagens, Ligare, disponível em http://www.ligare.psc.br/lista_arts.php?artigos_id=1 em 09/09/2007.
[17] Ivanise FONTES, A Ternura Tátil – o corpo na origem do psiquismo, Psyché, México, v. 10, n. 17, 2006, p. 111.
[18] Todo ser vivo é um sujeito, centro de mundo. Logo, também o ser humano. Mas apenas o “homem” – até onde se sabe – constitui-se na condição de sujeito de si, consciente de si e hermeneuticamente consciente do fora de si (cf. Edgar Morin, O Método – 2: a vida da vida. Porto Alegre: Sulinas, 2001).
[19] Conforme o postula Geneviève Haag, Hypothèse sur la structure rythmique du premier contenant, Gruppo, n. 2, p. 45-53, 1986.
[20] Pressuposto por Geneviève Haag, Sexualite Orale et Moi Corporel, Topique, n. 87, p. 23-45, 2004. Em O Ego e o Id, Freud acentuara o caráter erótico da relação filho (menino) versus mãe, por meio, especificamente, da mama “Em idade muito precoce o menininho desenvolve uma catexia objetal pela mãe, originalmente relacionada ao seio materno” (cf. Sigmund FREUD, O Ego e o Id, em S. FREUD, O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Obras Completas. Volume XIX. Tradução da edição inglesa de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p. 13-89). Mas aí já se encaminha para a descrição do funcionamento e da dinâmica da consciência, desdobrando-se em ego, id e superego. Aqui, interessa-me não exatamente essa dinâmica, mas a emergência da consciência primária desde o cérebro-espírito humano. Seja como for, parece demarcada, também aí, a confluência entre corpo e psiquismo, e o sentido de ruptura do eu e do não-eu, descortinado pelo “princípio do prazer” versus o “princípio de realidade”. A abordagem é compatível com a perspectiva do presente artigo.
[21] Cf. Donald W. Winnicott, O Papel de Espelho da Mãe e da Família no Desenvolvimento Infantil, em D. W. WINNICOTT, O Brincar e a Realidade. Tradução de José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 153-162.
[22] Sigmund FREUD, O Ego e o Id, em S. FREUD, O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Obras Completas. Volume XIX. Tradução da edição inglesa de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p. 13-89.
[23] A doutora Ivanise Fontes transcreve a nota de pé de página de 1927, constante de sua versão francesa de S. FREUD, Le Moi et le Ça, em S. FREUD, Essais de Psychanalyse. Paris: Petit Bibliotèque Payot, 1981, p. 238: “o ego deriva em última instância das sensações corporais, principalmente daquelas que têm sua fonte na superfície do corpo. Assim, pode ser considerado uma projeção mental da superfície do corpo, e, além disso (...) ele representa a superfície do aparelho mental”. O “sim” acompanha os argumentos da doutora Ivanise FONTES, A Ternura Tátil – o corpo na origem do psiquismo, Psyché, México, v. 10, n. 17, 2006, p. 109-110.
[24] Cf. a sessão 3.14, Afetividade e Expressão, da Tese de Doutorado em Filosofia de José Roberto Barcos MARTINEZ, Metapsicologia e Psiquiatria – uma reflexão sobre o dualismo epistemológico da Psiquiatria Clínica entre a organogênese e a psicogênese dos transtornos mentais. São Carlos: Universidade de São Carlos, 2006, p. 371-382. Martinez diz seguir, aí, a orientação de Eugène Minkowski (que não são por mim conhecidas), e expressa-se da seguinte maneira: “o conceito de afetividade, na concepção minkowskiana, ultrapassa o que ele denomina de ‘conteúdo’, numa crítica à psicopatologia afetiva (psicanálise), e percorre toda sua obra psicopatológica no sentido de que a afetividade é um fenômeno muito mais essencial que a sua expressão sintomática (...). Minkowski considera que a afetividade engloba diversos fenômenos que vão das sensações mais elementares, como o prazer e o desprazer (dor) aos sentimentos mais complexos e elevados da vida humana” (p. 371).
[25] Cf. o argumento e princípio análogo: “à medida que a criança, em suas vivências e anseios, se afasta da estrita programação instintiva, desenvolvendo anelos e desejos pulsionais, ela ascende a uma dimensão outra, a humana. Mas este universo simbólico, naturalmente precede a criança, pois já existe quando de sua concepção, devendo esta se iniciar aos poucos nesta nova dimensão, intersubjetiva, “par excellence” (cf. Marilita Lúcia Calheiros de Castro, O mal-estar na civilização: atualidade de um texto. João Pessoa: SPP – Sociedade Paraibana de Psicanálise, 1999. Comunicação. Disponível em 09/09/2007 na página http://www.psiconica.com/psimed/files/mal-estar.pdf).
[26] Cf. a fórmula de Paulo Freire: “os homens (...) no mundo em que e com que estão” (Paulo FREIRE, Extensão ou Comunicação? 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 14.
[27] Sigmund FREUD, O Ego e o Id, em S. FREUD, O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Obras Completas. Volume XIX. Tradução da edição inglesa de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 13-89.
[28] Cf. Edgar Morin, O Método 3 – o conhecimento do conhecimento. 2 ed. Porto Alegre: Sulinas, 1999, p. 209-223.
[29] Nos termos em que o expôs em O Ego e o Id, o id e o ego emergem das câmaras escuras do inconsciente, onde chegam a fundir-se, um como parte do outro, e, quando daí emergem, na forma de consciência, a seu tempo encarrega-se o ego do tratamento das interferências advindas desde fora do eu-corpo. “Em certo sentido, é uma extensão da diferenciação de superfície. Além disso, o ego procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o princípio de prazer, que reina irrestritamente no id, pelo princípio de realidade. Para o ego, a percepção desempenha o papel que no id cabe ao instinto”. O superego, por sua vez, responderia pela dialógica complexa entre as escolhas objetais do id e o discernimento da resistência do real, por parte do ego, constituindo-se, assim, nas palavras de Freud, “o resultado de dois fatores altamente importantes, um de natureza biológica e outro de natureza histórica” – desejo e repressão (cf. Sigmund FREUD, O Ego e o Id, em S. FREUD, O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Obras Completas. Volume XIX. Tradução da edição inglesa de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 13-89).
[30] John R. SEARLE, O Mistério da Consciência. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 223. Segundo o título do livro, Searle ainda considera o processo da emergência físico-biológica da consciência um “mistério”. No fundo, talvez, um “enigma”, porque ele concebe a sua eventual futura solução: “o mistério da consciência será gradualmente removido quando solucionarmos o problema biológico da consciência” (p. 213), para cujo objetivo indica positivamente as pesquisas de Francis Crick, Gerald Edelman e Roger Penrose (p. 209). O livro de Searle é por mim entusiasticamente recomendado.
[31] Para o nível físico, ecosfera,, cf. Edgar MORIN, O Método 1 – a natureza da natureza. 2 ed. Porto Alegre: Sulinas, 2003. Para o nível biológico, biosfera, cf. Edgar MORIN, O Método 2 – a vida da vida. Porto Alegre: Sulinas, 2001. Para o nível noológico, noosfera, cf. Edgar MORIN, O Método 3 – o conhecimento do conhecimento. 2 ed. Porto Alegre: Sulinas, 1999. É somente depois desses três volumes, e de um quarto, consagrado aos habitantes da noosfera – às idéias –, que Edgar Morin escreve O Método 5 – a humanidade da humanidade: a identidade humana. 2 ed. Porto Alegre: Sulinas, 2003. O último volume foi dedicado à Ética.
[32] Alfonso PENA-VEGA e Paula STROH, Viver, Compreender, Amar. Diálogo com Edgar Morin. Em Alfredo PENA-VEGA e Elimar Pinheiro do NASCIMENTO (org), O Pensar Complexo – Edgar Morin e a crise da modernidade. 3 ed. Rio de Janeiro: Garamond, 1999, p. 179.
[33] Arthur Schopenhauer, Sobre o Fundamento da Moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 39.
[34] Idem, p. 38.
[35] Idem.
[36] “O que apreendemos do mundo não é o objeto abstraído de nós, mas o objeto visto e observado, co-produzido por nós. O nosso mundo faz parte da nossa visão de mundo, a qual faz parte do nosso mundo. Ou seja, o conhecimento do objeto mais físico não poderia estar dissociado de um sujeito que conhece, enraizado em uma cultura e uma história. É, pois, tão necessário considerar todo conhecimento físico em seu enraizamento antropossocial quanto toda realidade antropossocial em seu enraizamento físico” (Guitta PESSIS-PASTERNAK, Edgar Morin, contrabandista dos saberes, em Guitta PESSIS-PASTERNAK, Do Caos à Inteligência Artificial. Entrevistas de Guitta Pessis-Pasternak. São Paulo: UNESP, 1993, p. 89). Cf., ainda, O Método, volumes 1, 2 e 3, respectivamente, “a natureza da natureza”, “a vida da vida” e “o conhecimento do conhecimento”, onde se postula que o conhecimento esteja/seja re-instalado indissolventemente na matéria.
[37] Cf. Edgar MORIN, La Relación Ántropo-bio-cósmica, Gazeta de Antropologia, n. 11, texto 11/1, 1995, disponível em http://www.ouviroevento.pro.br/leiturassugeridas/EM_La_relacion_antropo.htm.
[38] Cf. Wilhelm Dilthey, Teoria das Concepções de Mundo. Lisboa: Edições 70, 1992. 164 p. Wilhelm DILTHEY, Introducción a las Ciencias del Espiritu. Madrid: Alianza Universidad, 1986. 584 p. Sérgio Felipe de Lima LAGE, Dilthey e Freud: a psicanálise frente à epistemologia das ciências do espírito. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2003 [Dissertação de Mestrado].
[39] Cf. Martin HEIDEGGER, Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2006. 586 p.
[40] Hans-Georg GADAMER, Verdade e Método. Petrópolis: Vozes. Volume 1, 5 ed., 2003, 736 p. Volume 2, 2002, 622 p. Cf., ainda, Hans-Georg GADAMER, Hermenêutica em Perspectiva. 2 volumes. Petrópolis: Vozes, 2007.
[41] John R. SEARLE, O Mistério da Consciência. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 208.
[42] Richard E. PALMER, Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999, p. 115.
[43] Idem, p. 123.
[44] Martin HEIDEGGER, Ser e Tempo, v. 2. Petrópolis: Vozes, 2006, § 149. Cf. Richard PALMER, Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999, p. 139.
[45] Cf. Richard E. Palmer, Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999, p. 137.
[46] Idem, p. 139 e 143.
[47] Quanto a Heidegger, reconhece-o até um pragmatista lingüístico-idealista como Richard Rorty, que se refere “al intento de Heidegger de transformar el lenguaje en una especie de divinidad, en algo de lo cual los seres humanos son meras emanaciones” (Richard RORTY, Contingencia, ironía e solidaridad. Barcelona, Paidós, 1996, p. 10). Quanto a Hans-Georg Gadamer, sirvo-me de Julio Trebolle Barrera: “ele valoriza excessivamente a tradição, considerada nada menos que a isntância crítica que seleciona as pré-compreensões válidas e despreza as falsas” (Julio Trebolle BARRERA, A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã. Introdução à história da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 681). Não é à toa que Gianni Vattimo sirva-se de Gadamer para defender seu cristianismo-catolicismo-ocidentalismo metafórico-cultural (cf. a nota seguinte).
[48] Cf. seu artigo A Idade da Interpretação, em Richard RORTY e Gianni VATTIMO, O Futuro da Religião – solidariedade, caridade, ironia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006, p. 63-76. Minha resenha crítica pode ser lida em minha página de trabalho, www.ouviroevento.pro.br, ou no link http://www.ouviroevento.pro.br/diversos/O_%20futuro_da_religiao_I.htm#Vattimo.
[49] Cf. Pierre LÉVY, As Tecnologias da Inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 21-27: “longe de apenas ser um auxiliar útil à compreensão das mensagens, o contexto é o próprio alvo dos atos de comunicação” (p. 21). Essa assertiva tem implicações incontornáveis para a pragmática, tomada esta como desdobramento hermenêutico-teleológico do sujeito de si sobre o real.
[50] Cf. John HOLLAND, Sistemas Complexos Adaptativos e Algoritmos Genéticos, em H. Moysés NUSSENZVEIG (org), Complexidade & Caos. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/COPEA, 2003, p. 213-230.
[51] Tanto a força da resistência ao paradoxo quanto a necessidade urgente de ser sua superação gritada sobre os telhados podem ser encontradas nesse parágrafo de John Searle: “o que estou tentando fazer é redefinir o mapa conceitual: se você tem um mapa no qual existem apenas dois territórios mutuamente exclusivos, o “mental” e o “físico”, você tem um mapa inútil e jamais encontrará seu caminho. No mundo real, há inúmeros territórios – econômico, político, meteorológico, atlético, social, matemático, químico, físico, literário, artístico etc. Eles são parte de um mundo unificado. Eis um ponto evidente, mas aceitá-lo é muito difícil devido ao poder de nossa herança cartesiana. Em minha experiência, percebi que alunos de graduação podem compreender este ponto com facilidade, os de pós-graduação com uma certa dificuldade, os filósofos profissionais, entretanto, com muita dificuldade. Para eles, minha posição deve ser ou o “materialismo” ou o “dualismo de propriedade”. Como poderia alguém não ser nem materialista nem dualista – uma idéia tão absurda quanto não ser nem Republicano nem Democrata!”. Guarde-se, ainda, o efeito das palavras de François Dosse: “essa tradição (o programa moderno, racionalista [Kant, Husserl, Merleau-Ponty, Paul Ricoeur], com o “enxerto” hermenêutico) pode escapar à tentação relativista, graças a uma história antropológica e social do sentido e da subjetividade, recusando tanto o antievolucionismo arbitrário das grandes epistemes foucaultianas quanto os grandes relatos teleológicos” (François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 436). E, além disso, a fórmula – “realidade velada” – do físico Bernard d’Espagnat (cf. Francos Dosse, op. cit. p. 406).
[52] Edgar MORIN, La Relación Ántropo-bio-cósmica, Gazeta de Antropologia, n. 11, 1995, texto 11/1.
[53] Cf. François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 265.
[54] Jéròme H. BARKOW, Règles de conduite et conduite de l’évolution. Em: Jeans-Pierre CHANGEUX (org). Fondements naturels de l’éthique. Paris: Odile Jacob, 1993, p. 89, apud François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 265.
[55] François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 265.
[56] Karl-Otto APEL, Transformação da Filosofia. Volume 1: filosofia analítica, semiótica, hermenêutica. Volume 2: o a priori da comunidade de interpretação. São Paulo: Loyola, 2000.
[57] Carlo Ginzburg menciona e comenta dois casos de “fuga da história”. O primeiro, de Paul de Man, que teria assumido um comportamento colaboracionista durante a Segunda Grande Guerra, que, mais tarde, quisera olvidar: “hoje sabemos que De Man tinha muitos motivos para querer liberar-se do peso da história”. O segundo, de uma judia, perseguida por isso, enquanto criança, que, após uma vida de recalque da memória, durante a qual dedicou-se ao tema da “metáfora” em Nietzsche, suicida-se, segundo Ginzburg, porque não suportaria mais o peso da realidade. O veredicto de Ginzburg carrega a sua marca de historiador: “até mesmo a fuga da história se enquadra historicamente” (cf. Carlo Ginzburg, Relações de Força – história, retórica, prova. São Paulo: Cia. das Letras, 2002, p. 35. Para o tema da França ocupada (a França “de Vichy”) e o tema do recalque histórico-mnemônico, cf. François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 389). Sinto-me tentado a perguntar-me por que mecanismos pode-se insistir, então, no recalque do “real” – ainda que por meio de uma indiferença epistemológica que se imiscui, insuspeita, em teorias ontológicas da linguagem, da tradição e da metáfora.
[58] Para voltar à citação de Pena-Vega e Stroh.
[59] Cf. “a mente tripartida em pensamento, sentimento e vontade”, de Henrique Schützer Del Nero, Complexos e Complexidade. Ciência Cognitiva em verso, prosa e símbolos. Disponível em 17/09/2007 em http://www.lsi.usp.br/~hdelnero/Art1.html
[60] Cf. as “atitudes proposicionais, ‘querer’, ‘desejar’, ‘crer’ etc.”, em Henrique Schützer Del Nero, Complexos e Complexidade. Ciência Cognitiva em verso, prosa e símbolos.
[61] Cf., por exemplo, Marli B. M. de Albuquerque NAVARRO, Homem e Natureza – cognição e vida como elo indissociáveis, Ciências & Cognição, v. 1, 2004, p. 29-33.
[62] “Uma concepção que não é mais nem a divinização do sujeito, nem a sua dissolução” (François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 436).
[63] Para uma aproximação às teorias de interdependência e independência entre os complexos cognitivo e afetivo da “mente” humana, cf. Mara Sizino da Victoria, Adriana Benevides Soares e Patrick Barbosa Moratori, A Influência de Estados Emocionais Positivos e Negativos no Processamento Cognitivo, Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro: UERJ, v. 5, n. 2, 2005, p. 29-41. Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/epp/v5n2/v5n2a04.pdf.
[64] Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano. A essência das religiões. Lisboa: Edições ‘Livros do Brasil’, 1988, p. 37.
[65] Mircea ELIADE, Origens. História e sentido na religião. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 10.
[66] Cf. Alain ROGER, Atualidade de Schopenhauer, prefácio de Arthur SCHOPENHAUER, Sobre o Fundamento da Moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. vii-lxxxv. Para o conceito, cf. a sessão “o pantelismo schopenhaueriano”, p. xlv-li.
[67] Termo empregado no mesmo texto citado de Alain Roger (cf. nota anterior).
[68] Cf. Edgar Morin, O Método – 2: a vida da vida. Porto Alegre: Sulinas, 2001.
[69] Cf. Alain ROGER, Atualidade de Schopenhauer, prefácio de Arthur SCHOPENHAUER, Sobre o Fundamento da Moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. lxvi-xlix.
[70] Penso, aqui, numa série de distúrbios psico-bio-físicos (inclusive eletroquímico-hormonais) relacionados ao cérebro-espírito humano: as neuroses e as esquizofrenias, o autismo, o mal de Alzheimer, e tantos outros distúrbios responsáveis por disfuncionalizações de algum módulo do tratamento psicológico-hermenêutico do retorno hermenêutico do princípio de realidade.
[71] Cf. M. P. A. FLECK, B. LAFER, E. B. SOUGEY, J. A. DEL PORTO, M. A. BRASIL e M. F. JUREMA, Diagnóstico e Tratamento da Depressão. Associação Brasileira de Psiquiatria. Diretrizes adotadas em atenção ao Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira – AMB – e do Conselho Federal de Medicina – CFM. 08 de março de 2001. Disponível em 09/09/2007 na página do Projeto Diretrizes do CFM: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/036.pdf.
[72] Cf. John R. SEARLE, O Mistério da Consciência. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 209.
[73] A “hermenêutica” de Gianni Vattimo tem conteúdo a anunciar: “a hermenêutica não é uma filosofia, mas a enunciação da própria existência na época do fim da metafísica” (Gianni VATTIMO, A Era da Interpretação, em: Richard RORTY e Gianni VATTIMO, O Futuro da Religião – solidariedade, caridade, ironia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006, p. 65, grifo meu).
[74] Cf. a fórmula de Bernard d’Espagnat: “realidade velada”, com o que, segundo Dosse, o físico pretendera ter dito que “a ciência é mais ‘objetiva’ do que pensam epistemologistas das ciências como Thomas Kuhn ou Paul Feyerabend” (cf. François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 405-406). Ainda segundo Dosse, d’Espagnat colocar-se-a entre um positivismo de Bohr e um  realismo de Einstein.
[75] Vem da França uma declaração cujo copyright data de 1995: “o grande fato novo é a reconciliação entre posições ontem antinômicas, entre ciências da natureza, ciências humanas e filosofia ligando relações de alianças” (François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 435). Entusiasmo-me com François Dosse, e festejo o movimento de aproximação dialogal. No entanto, o mesmo Dosse menciona que Isabelle Stengers (sobre quem Bruno Latour emitiu o seguinte “parecer”: uma “feiticeira (...) o aguilhão e o prego no sapato. Enquanto não se resolveu um problema com Isabelle, nada se resolveu em filosofia das ciências” – Bruno LATOUR, Le Bon Plaisir d’Isabelle Stengers, France Culture, 5, 1994. Programa apresentado por Antoine Spire, apud François DOSSE, op. cit., p. 37, nota 47), que foi aluna de Ilya Prigogine, antes de ele tornar-se Nobel de Química, em 1977, descobriria, “em seu curso de química (...) que as outras disciplinas científicas, notadamente a física, consideram a química caduca, em vias de desaparecimento enquanto tal” (p. 38). Ou seja – há “ciúmes” entre ciências duras e duras. E entre moles e moles, naturalmente.
[76] O que não significa, contudo, que se trate de conhecimentos necessariamente e insuperavelmente dissociados, ainda que assim tenham sido e sejam muitas vezes tratados. Nesse sentido, e no que tange à relação, por exemplo, entre Psiquiatria e Psicologia, cf. a recente Tese de Doutorado em Filosofia, José Roberto Barcos MARTINEZ, Metapsicologia e Psiquiatria – uma reflexão sobre o dualismo epistemológico da Psiquiatria Clínica entre a organogênese e a psicogênese dos transtornos mentais. São Carlos: Universidade de São Carlos, 2006 [Tese de Doutorado], 445 p.
[77] Cf. Lima de FREITAS, Edgar MORIN e Nasarab Nicolescu (redatores), Carta da Transdisciplinaridade. I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade. Convento Arrábida, Lisboa, 1994 (http://www.ouviroevento.pro.br/index/carta_da_transdiscipliradidade.htm#Carta%20da%20Transdisciplinaridade).
[78] “O homem é um fabricante nato de universos” (José Ortega y GASSET, Em Torno a Galileu – esquema das crises. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 42.
[79] Cf. Pierre LÉVY, As Tecnologias da Inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
[80] Para uma antecipação, cf. o capítulo As Ciências Humanas – ciências pragmática, em François DOSSE, O Império do Sentido – a humanização das Ciências Humanas. Bauru: EDUSC, 2003, p. 235. O leitor pode adiantar-se, ainda, por meio da leitura dos meus quatro artigos da Série Pragmática, disponíveis em www.ouviroevento.pro.br.
[81] John HUIZINGA, Homo Ludens. O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2005.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

António Je. Batalha disse...

Encontrei o seu blog e passei algum tempo a ler algumas coisas, fiquei maravilhado pelo que escreve,E também o amor ao Mestre aí demostrado, também foi uma bênção para mim. E meu sincero desejo é que Jesus use o que escreve para arrebatar os cativos por este mundo, e que Ele lhe conseda graça e muita sabedoria. Desde já quero agradecer-lhe por se deixar usar pelo nosso Pai. Obrigado e as maiores bênçãos de Deus para si e família. António Batalha.

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