1. Doutrinas, para mim, interessam-me, hoje, tão somente enquanto capítulos da história do dogma e da política eclesiásticas - porque dogma é política e nada mais do que isso: não me ponho diante das doutrinas como quem espera receber delas informações sobre "Deus" ou a "verdade".
2. Mas sempre é bom revisitar momentos de nossa história, também em relação a certos dogmas e a certas práticas tomadas como "naturais".
3. Há cem anos e alguma coisa, evangélicos estadunidenses, por diversas razões históricas, invadiram o território brasileiro, com a missão santa de salvar esse povo de cá, que católicos, bem se vê, não são salvos, assim se considera(va).
4. Operam, nessa missão, mecanismos antropológicos as mais das vezes desapercebidos. Os católicos de então usam cruzes? Pois então os evangélicos não vão usar. Os católicos de então bebem e fumam? Então os evangélicos não vão nem beber nem fumar - aqui, porque, de onde vieram, são outros quinhentos. Usam sinos? Então, os evangélicos não porão sinos em suas igrejas - os batistas, fundamentalmente.
5. Mas o mais grosseiro foi o caso da caridade. Os católicos fazem caridade: logo, os evangélicos não farão, porque a identidade evangélica era, então, uma identidade não-católica, contra-católica: diga-me como eles são e seremos o inverso. Ora, eles fazem caridade - logo, não faremos caridade.
6. Mas a Bíblia manda amar. Amar, então, deve deixar de ser caridade. Amar passa a ser sentimento. O resultado disso é que os evangélicos nunca se dedicaram muito ao amor-caridade: só ao amor-sentimento, e as sessões de catarse emocional nos cultos o revelam bem, gente se abraçando, como se isso significasse alguma coisa. Mas a origem disso é a exclusão da caridade como marca evangélica, porque era marca católica. Uma tragédia.
7. Na década de oitenta, os batistas passaram por uma crise doutrinal - a renovação. Os tradicionais expulsaram os carismáticos. E só não abandonaram o Espírito Santo, porque ele era a terceira pessoa da Trindade. Fosse outra coisa, teria sido lançado no lixo da história.
8. Assim caminham as construções históricas do protestantismo: são reações ao contexto, invenções no front. E o resultado é sempre pobre, como a dessimbolização da liturgia - pobreza horrível, e a abstração do conceito de amor - tragédia civilizatória.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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