quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

(2020/006) E religião é o que e pra quê?


Está na moda dizer que a função da religião é dar sentido à vida. Duvido e faço pouco. Acho que isso é tese da gente dos livros, que, tendo esturricado a mente para as conversas fiadas mais rasteiras, mas tendo que se forçar ao convívio com a religião, inventa explicações que são palatáveis para ela mesma. Mas - morderei a língua? - duvido que um religioso comum responda que é religioso para ter um sentido para a vida. Quem precisa de sentido é quem já descobriu que a vida não tem sentido algum, e, para esses, a religião não passaria de narcótico... O religioso tem na própria religião a leitura verdadeira de tudo e de todos, e a questão do sentido da vida sequer lhe vem à mente. Para ela vir, primeiro se tem de perdê-la...

Os religiosos são religiosos por uma série de razões, mas, em primeiríssimo lugar, porque acreditam no mito. Um livro de História foi escrito sobre a razão de os gregos acreditarem em seus mitos. Na verdade o título é uma pergunta: Acreditavam os gregos em seus mitos?, e a resposta do autor é que sim, acreditavam, e acreditavam por duas razões: a) porque os mitos são histórias com começo, meio e fim, e b) porque os mitos são contados por gente em quem o religioso acredita, de sorte que os gregos acreditavam nos contadores de mitos... Vale o mesmo para os nossos religiosos hoje.

É por aí mesmo: tem que acreditar nas histórias. Porque elas prometem mundos e fundos aos desgraçados e desvalidos, proteção aos políticos, poder, cura, emprego, amor, dinheiro, e até salvação. Os religiosos estão em busca de receber bênção, em que formato for, e acho que isso é o caso de 95% de todos os religiosos. Os demais são os picaretas profissionais, a gente que lá está por rabo de saia, essas razões cotidianas que levam José ao puteiro e Manoel ao templo...

Há quem tente contaminar esse mundo mágico e comercial com conversas acadêmicas de que se trata de metáfora. Sério? Metáfora? Em dez minutos, não fica 1% da membresia, porque, como eu disse, metáfora é narcótico da gente dos livros, mas que ainda tem o pé no terreiro, mas mesmo esses vivem de se enganar a si mesmos. O povo mesmo caga para metáfora, ele quer é magia na veia, mesmo que disfarçada da comportada oração cristã, magia pura, ainda que mil teólogos digam que não...

Por isso religião sempre será alienação, sem cura. Ela teria de ser convertida em experiência estética, para ser adaptável à sanidade moderna, mas aí ela deixaria de ser religião, e seria teatro, cinema, Netflix. Na verdade, é tudo a mesma coisa, tanto faz a Missa do Galo ou o The K2, mas o religioso acredita mesmo que por trás da Missa do Galo tem outra coisa que não gente encenando. O fato de que acreditem no que encenam é - todavia - irrelevante...

Quem ler isso se escandalizará. Achará que faz bem às pessoas se enganarem, se ele é uma pessoa estudada e sabe no fundo que religião é self deception, ou que eu sou louco e a religião é mesmo verdadeira (se ele for religioso, pergunte qual, e ele se enrola, porque, ou terá de confessar que é um fundamentalista imbecil e só a religião dele é verdadeira ou um contraditório ser perdido, porque, se todas as religiões estão certas, então tem que decidir quem qual delas tem o criador e qual delas ensina o verdadeiro destino humano, porque cada uma inventa de dizer uma coisa diferente)...

Mas Imagine já disse o suficiente, e até agora não adiantou de nada...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO


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