segunda-feira, 2 de junho de 2014

(2014/569) A fórmula de Tillich para a condição simbólica de Deus e o Zohar


Faz parte da tradição protestante a atitude de horror diante da "idolatria". É tão grande o terror de incidir no pecado dos pecados que desenvolveu-se a teologia da distinção entre Deus, enquanto Deus mesmo, e Deus enquanto a doutrina e a compreensão que os cristãos têm de Deus. Uma coisa é Deus como ele é, em si, real, verdadeiro, absoluto. Nessa dimensão, ele é inefável, incognoscível, inapreensível, admite uma vertente da teologia - que, certamente, não é exatamente barthiana... O crente apreende Deus, todavia, de modo parcial, insuficiente, em perspectiva humana, como tradução e interpretação. Asim, permanece intocada a face real de Deus e permanece o crente livre de idolatria.

Essa teologia ganhou expressão formal em Tillich, um dos maiores - se não o maior - teólogo das Américas. É dele a fórmula que já critiquei: "Deus é símbolo para Deus". Essa é a fórmula mais sintética que conheço para a materialização daquele princípio protestante do isolamento contra-idolátrico da divindade: de um lado, Deus tal qual Deus é e, do outro, a doutrina humana de Deus, que não é Deus, é apenas um símbolo para Deus.

Não há nenhuma novidade nessa teologia - e com "nessa teologia" quero dizer que as duas, a protestante, mais ampla, e a de Tillich, mais restrita, são a mesma. No Zohar, coleção de interpretações místicas e cabalísticas da Torá, já se expressava assim. Nos termos do Zohar, a Torá é a roupa exterior da Torá, de forma que tomar a roupa exterior pela própria roupa era cometer um ato de idolatria. 

Ora, essa metáfora de ser a Torá a roupa externa da Torá vai se tornar, no protestantismo e em Tillich, a doutrina teológica da condição simbólica do discurso sobre Deus - ou, para usar a linguagem do Zohar: Deus é a roupa externa de Deus, isto é, Deus é símbolo para Deus, ou seja, a interpretação de Deus é apenas uma interpretação, uma aproximação humana nunca eficiente, nunca suficiente, sempre esforço inacabado.

Com isso, não estou assumindo essa leitura. Estou apenas descrevendo, e aproveitando para sugerir que a neurose anti-idolátrica do protestantismo tenha origem na sua dívida incomensurável com a mística judaica medieval.






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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