sábado, 31 de maio de 2014

(2014/546) Serpente não fala. Ponto final.


Serpente não fala.

Mula não fala.

Nem peixe nem baleia engolem ninguém, que permanece vivo.

O Sol não pode parar.

Machado não flutua na água.

Comida não aparece do nada.

Virgens não dão à luz.

Ninguém ressuscita.

Ninguém sobe aos céus.

E isso seja na história da gente, seja na história dos outros.

Nos livros sagrados de outros povos e nas tradições religiosas de outras nações há histórias iguaizinhas a estas, e delas a gente descrê e debocha.

Quando, todavia, é da gente que se trata, tudo é possível, tudo é verdade, tudo é milagre.

Pois bem, passou da hora de a gente ser séria e honesta. Se não acontece lá, não acontece cá. Se é mito lá, é mito cá. Se lá é risível, aqui é risível. Porque nós não queremos para nós o que não queremos para os outros, e nós queremos para os outros o que queremos para nós.

O resto é obscurantismo, fé cega e faca amolada.

Isso não quer dizer que nosso livro sagrado não tenha valor, sentido e importância. Significa apenas que temos que ler direito, tratar história como história, fábula como fábula, verdade como verdade e invenção como invenção.

A lucidez está em identificar quando é quando.

E uma regra é simples: se não vale para os outros, não vale para nós.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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