domingo, 18 de maio de 2014

(2014/476) Naum 1,14 - espelho para o culto icônico de Israel


Estou lendo Naum. O capítulo primeiro é um libelo contra a Assíria. Yahweh vai reduzi-la a pó. Quanto a seu rei, vai extirpar a sua descendência. Depois de matar a família real e o próprio rei, Yahweh destruirá todas as imagens de deuses que o rei guarda em seu palácio e templo (v. 14).

Uma leitura desatenta às questões históricas, e mais anacrônica do que diacrônica, tenderá a ver nessa declaração uma evidência de que se está diante de um profetá monoteísta e anicônico - profeta que é, como todos, já que se diz que os profetas eram monoteístas e luteranos, Naum só pode ser monoteísta e iconoclasta. E, porque era monoteísta e iconoclasta, está rogando a praga: Yahweh destruirá os deuses e as estátuas dos deuses da Assíria...

Pode ser.

Mas pode ser que não.

Pode ser bem outra a história.

O leitor que assim lê projeta a sua condição monoteísta e iconoclasta no profeta e lê a passagem a partir de seu mundo. Fica feliz com a confirmação da sua fé, mas, a meu ver, pode estar cometendo um dos erros mais comuns quando se lê textos antigos.

Leio-o com outros olhos. Digamos que estamos em Israel, século VIII. Israel era não apenas politeísta, quanto icônico. Representava Yahweh com um bezerro. Esse me parece o quadro cultural da época.

Pois bem, agora pense em guerra de deuses. Quando os politeístas e icônicos assírios invadiram a Babilônia, raptaram seus deuses e arrastaram suas estátuas para a Assíria, deixando-as presas, para ostentação pública. Mais tarde, os babilônicos as recuperaram.

Naum pode estar fazendo a mesma coisa. Não se trata da negação do culto politeísta nem do culto icônico. Trata-se nada mais nada menos do que guerra de deuses. Yahweh vai tão somente destruir os deuses deles, suas estátuas, porque Yahweh é mais forte do que eles e elas...

Estamos longe de monoteísmo aí.

Estamos diante de um politeísmo clássico, onde os deuses de uma nação respondem pelo exército dela, e os sucessos militares de um povo são lidos pelo sucesso militar dos deuses na batalha - os deuses assírios estão ganhando terreno e território, mas Yahweh vai virar o jogo, vai empurrá-los para sua terra e lá mesmo há de destruí-los...

Num mundo politeísta, vendem os deuses mais poderosos.

Ou os exércitos mais fortes, se quisermos deixar o mito de lado.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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