Se a Teologia evangélica, a das Igrejas tanto quanto a dos livros, me incomoda? Sim. Muito.
Que transformações ela deveria sofrer para que eu não me incomodasse mais?
Direi algumas:
a) primeiro, e o mais difícil, assumir-se como mito - é a única condição, pedagogicamente, psicologicamente, filosoficamente falando, para o acesso do crente à maturidade humana. A fé é um estado de alienação de consciência - não, todavia, incontornável. Não é preciso abandonar a fé - mas é necessário tratá-la como o que é: crença em mito.
b) segundo, deixar de ser leitura do mundo a partir do próprio umbigo - isso me causa profundo incômodo moral. O crente é de um egoísmo inacreditável. Ele está em um trem de passageiros, o trem descarrila e morrem 999, mas ele sobrevive, e a primeira coisa que ele faz é gritar "graças a Deus". É uma criatura insensível, horrorosa. E tanto mais horrorosa quanto mais seu discurso seja de uma pieguice de amor e compaixão que não se vê na prática.
c) terceiro, que abandonasse, definitivamente, toda presunção de ser luz para o mundo - ao menos de modo unilateral. Deveria, ao menos, admitir que outros religiosos de outras religiões são tão luz quanto ele - se há alguma luz aí. O senso de missão precisa ser arrancado da retórica evangélica e, vá lá, substituído por um sentido de solidariedade difuso, sem nenhuma paridade com doutrina de nenhuma espécie.
d) quarto, que abandonasse sua arrogante e hipócrita auto-compreensão como farol moral do mundo. Um pau de galinhas a bancar ser a luz dos mares... Nunca mais olhar para ninguém com olhos de moralidade afetada, mãe da hipocrisia, avó de assassinatos - metafóricos e reais. Reconhecer-se tão miserável quanto qualquer outro, e tão digno quanto qualquer um.
e) e, finalmente, fazer as pazes com sua história restrita, a História da Igreja - desconhecida pela esmagadora e constrangedora maioria dessa massa de fé, e com sua história ampla, a História da Humanidade, mas lida sem os recursos da alegoria da doutrina e da manipulação ideológica dos catecismos.
Não me incomodariam as igrejas - talvez se tornassem bons lugares para todos. Não me incomodaria a fé de ninguém, porque ali caminharia alguém consciente de si mesmo, cioso de que sua fé é igual a de todos os outros, mudam os personagens, os enredos, mas o processo é o mesmo, mito - se precisamos do mito, que seja, mas não o disfarcemos de outra coisa.
Nada muito difícil.
O que se pede a um cidadão dos dias em que vivemos, de uma cidadão do mundo que esperamos construir.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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