Fala-se de "humanização" de Deus - em Cristo.
Sobre isso, três palavras.
Primeira: a humanização dos deuses já se deu há milênios - os deuses sempre foram humanizados, construídos à luz do homem. Nunca se inventou um deus que não fosse uma espécie de super-homem.
a. primeiro, inventaram-se os deuses, projetando neles as forças naturais, humanizadas - intencionais. Aí, estamos nos primeiros estágios da criação dos deuses;
b. mais tarde, os deuses passaram a ser moldados a partir das figuras detentoras de poder social - o rei, por exemplo: parte da noção de todo-poder dos deuses deriva da condição todo-poderosa dos reis. Isso já é humanização dos deuses com toda a força.
Nesse sentido, já não se pode sequer falar de "humanização" dos deuses, já que eles nunca foram não-humanos.
Segunda: depois da fase de monarquização dos céus, nos termos da qual os deuses tornaram-se inquestionáveis, já que os reis o eram, se desejassem fazer o que era bom para o homem, faziam, se desejavam fazer o que era mau, faziam, e o homem com isso nada podia, passou-se à fase de moralização dos deuses - que, na prática, significa a desmonarcalização deles.
Parece que foram os persas - se estou certo - que aplicaram aos deuses a noção de ética e moral. Um deus só faz o bem se for bom e um deus só faz o mal se for mal. Nesse dias, os deuses tornaram-se radicalmente humanos, submetidos, eles mesmos, a uma ética e a uma moral que, todavia, em tese, eram eles que determinavam. O sistema assume incoerência profunda, naturalmente, porque como admitir que um deus - se deus é - tenha que se submeter a alguma coisa? Ser há uma lei a que ele deva se submeter, a conclusão é óbvia: ele não é todo-poderoso: todo-poderosa é a lei a que ele deve se submeter. Nesse dia, os deuses morrem, e surge, em seu lugar, uma paródia, uma caricatura, como até hoje.
Terceira: no caso específico de Jesus, há ainda mais. Além de Yahweh (o deus dos judeus) ser filho das duas primeiras fases ("Deus é amor", dirá o NT!, "vosso Pai, que é bom", farão Jesus dizer), a "invenção do Cristo celeste", mais tarde, Filho de Deus e, ainda mais tarde, ele próprio encarnado, atende a uma terceira causa, dessa ver circunstancial e restrita à tradição judaica.
A doutrina de Verbo encarnado não é original - João, o Evangelho, não a inventa. Copia de Eclesiástico 24. O Verbo encarnado, para os judeus, era a Torá. Os judeus-cristãos expulsos da sinagoga roubam a doutrina, aplicam-na a Jesus e, mais tarde, tem-se a massa de modelar para a doutrina de "deus encarnado".
Em nenhum desses casos, pode-se falar, com procedência, em humanização de Deus. Trata-se de retórica - instrumentalização política e alegórica de um fenômeno da história das religiões, de modo geral, e da história da religião judaica, em particular.
Os deuses não se humanizam - porque já são, desde o ventre, humanos. Projetar retoricamente em deus, Jesus, seja quem for, nossa humanidade, para, desde lá, fazer com que ela tenha algum valor é: a) pedagogicamente criminoso, posto que adultera o valor intrínseco de nossa própria humanidade, propondo que a humanidade só ganhe valor pelo fato de um deus humanizar-se, e b) politicamente perverso, posto que, na suposta intenção de libertar, continua a prender ao "sagrado" (sob controle sacerdotal - sempre!) a autonomia nascimorta dos homens e das mulheres religiosas.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Seja como for Osvaldo, interpretemos em prol da vida. Ou acha que não?
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Acho que não.
Deve-se educar, não catequisar.
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