1. Paulo jacta de não dever nada a Jerusalém: foi o próprio Senhor quem o encontrou, sem intermediários, na estrada - como Lutero, amanhã, na floresta... Aliás, essa noção de um "encontro" é mesmo um "motivo" bastante difundido... De mais a mais, as coisas que teria concretamente aprendido, sua "iniciação", deve-se a Damasco, Pedro, a Damasco, entendeu? Não devo nada a você, a Jerusalém e a nenhum dos apóstolos de Jerusalém!
2. Não eram nada amistosas as relações entre Paulo e Pedro/Jerusalém. Fala-se em dedo em riste, em denunciar a hipocrisia - "ele era um duas-caras". Parece que o que as igrejas de amanhã e de sempre seriam já se desenhava ali - e é apenas nosso olhar político-"pedagógico" que vê como "de ouro" a época da "igreja primitiva": puro desejo de prazer, menos de uma gora de princípio de realidade...
3. Todavia, não ouvimos nada do outro lado, de Jerusalém?
4. Quem sabe?
5. Tenho uma tese. Pode parecer exagerada. Pode ser exagerada. Mas pode ser que pareça assim porque, de fato, as coisas eram assim: exageradas, como a mulher a quebrar um vaso de alabastro aos pés - de andarilho? - do mestre...
6. Vamos ao ponto. Paulo aprendeu o que sabe em Damasco? Paulo não deve nada a Jerusalém? Bem, então vamos contar uma história sobre como as coisas chegaram a Damasco. Jesus chegou a Gadara, quando de seu ministério com os 12 de Jerusalém - naturalmente que os 12 só podem ser de Jerusalém: os 12 contra Paulo, Paulo contra os 12. Paulo, o abortivo - não pertence ao grupo. Pois esse Jesus dos 12, esse Jesus de Jerusalém - como até hoje é de Roma! - chega a Gadara e lá encontra um endemoninhado...
7. É o cão em pessoa: há uma manada dentro dele. O inferno todo está dentro dele. É uma besta fera: é filho de Cérbero, cruza de cão com capeta... E Jesus o liberta. Ele se faz missionário. Vai pregar em Decápolis - cuja capital é... Damasco...
8. Quem conta essa história é Marcos - de quem se diz dever compromissos a "Pedro". Acho que essa história é um mito de chiste - uma histórica contada para dizer que o que Paulo aprendeu, primeiro, deve-se a Jerusalém, sim, a despeito do despeito dele e, segundo, não foi ensinado por Pedro, foi ensinado por um endemoninhado - liberto - mas casa de diabos fugidos...
9. Acho que estamos, aí, diante de uma sátira da comunidade jerosolimitana contra a arrogância apostólica de um apóstolo que não se submete à arrogância jerosolimitana. Briga de homens de Deus - resolvida pelo diabo. O grande apóstolo - para quem as pregações que não as dele são anátema, ei-lo, discípulo de um ex-endemoninhado...
10. Mas você dirá: não, não há lugar para esses discursos na Igreja e na fé...
11. E eu olharei para você como os discípulos de Emaús olharam para alguém, achando-o alguma coisa entre doido a desinformado: à História, meu amigo, à História, e, a cada século, terá dúzias dessas mesmas histórias de dedo cá, dedo lá...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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