terça-feira, 26 de março de 2013

(2013/341) Nem servo nem livre, nem macho nem fêmea, nem grego nem judeu


1. Gálatas é onde Paulo diz ser anátema todo o que pregar outro "evangelho" (Gl 1,8-9). Anátema é uma espécie pior do que "maldito". E Paulo é enfático - ainda que anjos venham ensinar coisas diferentes (eram dias de cultos de e com anjos, o que logo explodiria na forma do grande Cristianismo gnóstico), ainda assim seriam anátema...

2. Dizem que se trata, essa, de uma posição de "abertura": Paulo está reagindo ao fechamento judaizante da fé. Ele quer que tanto judeus quanto gregos ouçam o que ele tem a dizer, mas parece que há evangelistas (de Jerusalém?) que entendem que o Evangelho é somente para judeus. Paulo discorda - não, é para judeus e para gregos, para homens e para mulheres, para servos e para livres...

3. Uma abertura...

4. Concordemos: em se tratando de a quem se pode anunciar e de quem pode receber o Evangelho, Paulo amplia o leque de oferta, o campo da missão. 

5. Mas quero chamar a atenção para um detalhe: não há grego nem judeu, não há mulher nem homem, não há servo nem livre... O grego deixa de ser grego? O judeu deixa de ser judeu? O homem deixa de ser homem? A mulher, de ser mulher? O senhor - o senhor deixa de ser senhor?

6. Paulo está dizendo que grego, enquanto grego, é alvo do Evangelho. Ele não deixará de ser grego - será grego ainda. A mulher que receba o Evangelho não deixará de ser mulher - permanecerá mulher, ainda e sempre...

7. E quanto ao servo?

8. Paulo não entende que o servo deva ser solto. Para quê? Que é a escravidão à luz do céu de promessas e salvação? Grego, fique grego, mulher, permaneça mulher - servo, mantenha-se servo.

9. No que diz respeito a pregar a gregos, puxa vida!, quanta abertura: no que interessa, socialmente, isto é, a libertação do escravo, que tudo permaneça como está...

10. Conservador.

11. Hoje, os Paulos vão pelo mesmo caminho: negam aos homossexuais o que Israel negava a castrados e o que Paulo nega ao escravo... O escravo cristão deve permanecer escravo - não deve imaginar que a fé lhe promova o estado social. Se o seu senhor o libertar, que seja, mas, ele mesmo beije os pés senhoriais, em nome de Jesus... E o castrado, a quem esmagaram testículos ou desmembraram, esse não tem parte na Assembléia do Senhor - para sempre...

12. Todavia...

13. Felipe recebe o eunuco, o castrado, na fé. Mas posso?, pergunta ele, perplexo. Pode. E ele, então, adentra as portas do Evangelho...

14. Hoje, os homossexuais são tratados pelo Evangelho como os castrados eram tratados pelos judeus. A mesma absoluta ausência de piedade, empatia e compaixão com que judeus olhavam para castrados é a falta de piedade, empatia e compaixão com que nosso pregadores, homens de Jesus, e suas ovelhas, ovelhas de Jesus, olham para os justificadamente perdidos gays...

15. Ontem, os judeus citavam, com veemência, Deuteronômio 23,1. Eles diziam assim, cuspindo perdigotos em sua sanha homilética: Deus, meus irmãos - e dão pulinhos carismáticos -, Deus, pessoalmente - mais pulinhos - escreveu: eles não têm parte com o Senhor, não entram na Assembleia! Seguia-se a chuva de aleluias das vacas de Basã, digo, de presépio...

16. Felipe diz: que se dane Deuteronômio! E, olhando para o eunuco, diz: entre na Assembleia.

17. Hoje, os Felipes são poucos. Há, mas são raros. A maioria dos bons pastores de Jesus são como os judeus fariseus do templo do messias - de texto sagrado na mão, humilham os marcados pela cultura de ontem, porque seus próprios corações batem no compasso da absoluta falta de sintonia com a vergonha.

18. Pecadores! Malditos pecadores!





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Anônimo disse...

A identificação dessa promiscuidade das lideranças religiosas com o Poder secular constitui mais um aspecto a pôr por terra a hipótese da origem divina do texto bíblico.

Paulo, líder, falando da abertura da pregação do Evangelho a todo tipo de gente, mantém a instituição da escravidão e a submissão da mulher ao homem.

Posteriormente, a Igreja Católica e, na sua esteira, os protestantes de até bem pouco tempo atrás, vão fundamentar a escravidão dos negros, primeiro na ausência de alma nestes, mais recentemente numa maldita interpretação da maldição divina sobre Cão, filho de Noé.

A submissão da mulher ao homem, ainda pregada abertamente nos púlpitos por aí afora, também com textos bíblicos sacados da manga.

São situações estabelecidas - status quo - mantidas com base na Bíblia por aqueles a quem convém que se mantenham, com a conivência daqueles que poderiam dizer: Peraí! Mas Deus não pode querer que o sujeito permaneça escravo! Deus não pode querer que a mulher se anule ou se retraia como indivíduo!... mas não dizem.

Das lideranças não se pode esperar essa atitude enquanto lhes convier o status quo, pois sempre têm o que perder.

Ficar esperando que surjam Felipes... e enquanto não surgem? então, vamos gritar: Peraí!

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