sábado, 9 de fevereiro de 2013

(2013/093) Reflexões sobre religião


1. Tem-se insistido na dificuldade - impossibilidade? - de definir a religião. Não é comum ler-se de teóricos que desistem da empreitada e tratam o tema como prescindível - não é necessária uma definição para a religião, dizem. O que não dizem, depois, é como seus olhos identificam algo como religião se não sabem o que é. No fundo, acho que é mais uma dessas ações sem sentido que nos movem no dia a dia - recusar pensar a coisa é como se a coisa não nos criasse problemas, e lá vai ele estudar religião, sem dizer o que é religião...

2. Dada a dificuldade de definir a religião e, ao mesmo tempo, a universalidade do fato social e da identificação do fenômeno, penso que se deve assumir que não há uma camisa de força muito apertada em torno dela: religião é algo muito elástico.

3. Engana-se quem pense as religiões a partir de sua própria religião. Quantos acham que religião é "relacionamento" com Deus... Há religiões que são, mas não todas, nem a maioria - pelo contrário. 

4. Não há nem uma única forma de religião nem uma única forma de experimentar religiosidade. Há religiões que passam pela serenidade absoluta e há religiões vulcânicas. Há religiões extremamente filosóficas e há religiões absolutamente extáticas. Há religiões místicas e há religiões práticas. Há religiões com muitos deuses e  há religiões sem deus algum. Há religiões que recusam as outras e há religiões que aceitam qualquer experiência igual ou diferente da sua. Há religiões pacíficas e há religiões assassinas...

5. E há mais, há religiões tribais, mais ou menos "democráticas", e há religiões episcopais, maximamente hierarquizadas. Religiões de doutrina e religiões de preceitos. Religiões de silêncio e religiões de gritos.

6. São como peixes. Diferentes, mas tudo é peixe - estão, todos, na água...

7. Seu sucesso deve-se a muitos fatores: credulidade das pessoas, funcionalidade retórico-psicológica dos ritos e das doutrinas, necessidade de sentido e/ou conforto, em face de dor e traumas, potencialidade de promover vínculos sociais entre os membros participantes da fé, tradição, educação, medo.

8. É um fenômeno de cultura - todavia, não tenho dúvidas de que tenha fundamento bio-psicológico. Não estou dizendo que há genes ou instâncias cerebrais para a religião, mas que há genes e instâncias cerebrais que facultam estados de consciência e de pensamento que promovem a possibilidade cultural da religião - da religião, do teatro, dos jogos, da arte, do cinema, da poesia, da imaginação, do fantástico...

9. A religião não é nem boa nem má. Pode ser boa e pode ser má. Pode ser - e nunca deixará de ser uma coisa ou outra, é sempre, aqui e agora, ou uma coisa ou outra, Lexotan ou Prozac, cafeína ou ópio. O sujeito ou é castrado ou é excitado por ela, ela o levanta ou o abate, o faz feliz ou triste.

10. Não fora o desenvolvimento da consciência crítica, talvez nós nunca perceberíamos essa condição ambígua da religião, talvez nunca conversaríamos sobre ela como um fenômeno antropológico. A emergência da consciência crítica, todavia, permite-nos nos pôr acima dela, da religião, e analisá-la de modo objetivo, avaliando seus prós e seus contras...

11. O problema é apenas um: em face da consciência crítica, a religião se dissolve, porque sua condição é que o homem religioso a tome como algo real em si mesma, a promotora de acesso a um mundo real e independente dele, um mundo de mais valor, verdadeiro, um mundo oposto a esse, físico e humano...

12. A consciência crítica, todavia, é um raio X - e a primeira coisa que ele identifica na religião é seu caráter de produto cultural, produto humano, como o teatro, como o romance... Você pode até viver dentro dele, mas foi você quem escreveu a peça, encenou o ato e dirigiu o espetáculo...

13. Ou a religião é self deception - ou não é.

14. De modo que eu arriscaria dizer que, entre os religiosos, há apenas os ainda os que acreditam que entram num mundo outro e os que sabem que não, mas encenam o rito. Os primeiros, estão alinados. Os segundos, alienando...

15. Radical? Mas... improcedente?






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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