quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

(2013/067) Do voo de galinha da libertação por via de narrativas bíblicas


1. Voo de galinha é aquele em que o bicho voa dois, três metros, e, catapimba, cai de novo... Não é bem um voo. É uma decolagem, seguida de espatifamento por peso e insuficiência de asas e musculatura. Proporcionalmente, a pulga faz melhor...

2. Libertação por meio de narrativas bíblicas é a como eu chamo aquele processo de você, libertário, achar que dá para libertar pessoas usando narrativas bíblicas...

3. Não estou falando dos fundamentalistas. O que fundamentalista faz é prender pessoas a dogmas, usando a Bíblia. Seja por ignorância crédula, má fé, patologia tomada como carisma, não importa - o que um fundamentalista faz é castração programática.

4. Falo do cristão com ideias libertárias, eventualmente críticas em sua base filosófica, mas que tem um programa "pedagógico" de usar textos bíblicos para "libertação"...

5. Impossível.

6. A manutenção do indivíduo no nível de submissão ao texto bíblico é sujeição epistemológica e política.

7. Deixem-me tentar deixar claro como enxergo a coisa.

8. No fundo, há uma operação "ético-crítica" da parte do "pedagogo libertário". Se escolhe textos bíblicos a partir de seu projeto ético-político. Logo, usará um texto, porque é "libertário", mas não outro, que não é. Há um princípio de seleção em sua posse - e é a partir desse princípio que el opera.

9. Quando, todavia, vai ao texto, em contexto pedagógico, faz o educando entrar na narrativa de modo a cuidar que é dela que sai o projeto ético-político defendido. Eventualmente, até, ele está lá. Não vem ao caso. O problema, na verdade, é fazer ao educando aderir ao projeto com o argumento de que é porque o projeto ético está no texto que ele tem validade...

10. Na perspectiva do educando, não é o projeto ético - é o texto. O texto o controla, o determina. É meramente circunstancial que o projeto seja ético. Fosse anti-ético, não faria a menor diferença. O texto manda amar, amamos, mas se mandasse odiar, odiaríamos: é o texto... É Deus.

11. Logo, não acredito em libertação por meio de textos sagrados tomados enquanto sagrados. 

12. Acredito em libertação por meio da crítica.

13. A crítica pressupõe, necessariamente, uma posição epistemológica no mínimo equivalente entre crítico e criticado. Um adepto não pode criticar o texto sagrado. Não consegue. Acredite: se o faz, não é (mais) adepto, não importa o que diga...

14. Por isso, acho que grande parte dos trabalhos de "esclarecimento" que se operam por meio da Bíblia são, a médio prazo, instrumento de manutenção da condição heterônoma dos indivíduos religiosos. Não há libertação aí. 

15. Pode haver algum controle político da comunidade. Mas bastará um elemento desestabilizador do controle político e a comunidade que dizia A passará a dizer B, sempre em nome dos textos...

16. O movimento carismático não invadiu as CEBS? E não foi justamente porque, do ponto de vista do uso dos textos sagrados, não há diferença entre a atitude de um militante e a atitude de um "pentecostal" - são-no, os dois, porque o texto mandou...

17. Chame a isso o que quiser.

18. Mas libertação é que não é. As galinhas permanecerão no galinheiro - porque não sabem voar...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Jones F. Mendonça disse...

Penso que no fundo muitos agem de acordo com a seguinte lógica: "acreditarão em Marx (ou em qualquer outro pensador ou ideologia) caso eu lhes aponte um texto bíblico que concorde com suas ideias". Funciona. Mas honesto não é...

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