1. Se houver uma aposta, aposto meus dois braços quanto ao fato de que Jó 1 e 2 + 42,7-17 são acréscimos programáticos a um núcleo poético original que hoje corresponde a Jó 3,1-42,6. A função do prólogo e do epílogo seria anular a carga crítica do núcleo poético.
2. Fiquemos no prólogo. Ele é a representação plástica do início da solução judaica para o problema do "mal", depois que os judeus fizeram a crítica moral de Yahweh e decidiram que ele não poderia mais fazer o mal. Como não havia outro deus, deu-se início a um processo de criação de um "bode expiatório" para a causa do mal - processo que culminará na criação da figura do "diabo" e em seu mito fundante.
3. No judaísmo e no cristianismo, a doutrina do mal é a pior dentre todas as religiões. A emenda saiu pior do que o soneto. É falsa, aliás, a saída - não funciona.
4. Pelo seguinte: os judeus não quiseram mais pôr o mal na conta de Yahweh. Era preciso culpar outro. Não havendo outro deus, acabaram culpando um anjo. Então, o mal é culpa de um anjo... Não de Yahweh, um deus...
5. Sei. E quer-se enganar a quem com essa conversa mole?
6. Se Yahweh é deus e o diabo é um anjo, Yahweh pode estalar os dedos e acabar com o anjo. Não faz. Das duas uma: ou porque não pode, ou porque não quer. Se não pode, ou Yahweh não é deus ou o diabo não é anjo. Se pode, e não quer, é imoral.
7. A conta não é fácil de fechar e, em qualquer situação, a fotografia é péssima...
8. Seja como for, no prólogo de Jó, o adversário - ainda não é o diabo, que, a meu ver, só "nasce" nos apócrifos, um ou dois séculos depois do prólogo de Jó - provoca Yahweh e arranca dele a autorização para praticar toda sorte de crueldade com o infeliz. Deus deixa. E o diabo, então, pinta e borda...
9. O prólogo de Jó é o máximo onde a doutrina chegará. Está ali, desenhada à mão, por quem não tem nenhum constrangimento da indecência proposta, o enredo da coisa toda: o "diabo" tem autorização de Deus para, por exemplo, estuprar uma menina de cinco anos. Vai, meu adversário, estupra. E ele vai e estupra...
10. Sei não. Acho que os sacerdotes que criaram essa "solução" para o mal eram dementes...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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