1. Há um núcleo vivo e subjetivo no ser humano - ele não tem conteúdo, salvo a condição de ser centro de mundo: ele se põe no centro, e se expressa desde aí (Morin, O Método 2 - a vida da vida, em Morin, O Método 5 - a humanidade da humanidade).
2. Esse núcleo vivo e subjetivo constitui o ultimo passo na evolução cerebral - trata-se da computação das computações. O ser vivo computa, ao mesmo tempo, o mundo lá fora e seu próprio organismo, sem disso ter consciência. Na espécie humana - pelo menos - o cérebro desenvolveu-se tanto que a estrutura físico-biológica deu um salto crítico, adquirindo a capacidade complexa de computar aquelas duas computações. Doravante, o homem computa o meio, computa-se a si mesmo, enquanto máquina viva e, suprema computação, computa aquelas duas computações.
3. Esse núcleo complexo constitui o sujeito em última instância. Se descer um nível, desfaz-se o sistema. É aí que está o nó górdio.
4. Todavia, esse núcleo subjetivo, eu disse, não tem conteúdo. O conteúdo que ele acha que é ele vem da cultura, por meio da linguagem. Os conteúdos são como que a conha do caranguejo ermitão - ele pega uma, entra dentro, pega outra, entra dentro.
5. A cultura não faz parte desse núcleo subjetivo - ela é usada por ele para sua própria expressão.
6. Todavia, é mais complexo. Parte da dimensão mais profunda do funcionamento da mente, que, ao mesmo tempo, controla e é controlada por esse núcleo subjetivo, constrói-se e se forma por meio de imprintings culturais, de forma que uma base subjetiva está inalienavelmente presa à cultura em que o sujeito nasceu e na qual foi educado.
7. Todavia, quando o sujeito adquire maturidade crítica, a despeito de não poder libertar-se dessa dimensão profunda de sua formação, inclusive sináptica, o indivíduo pode, livremente, selecionar a conha dentro da qual vai viver, e utilizará os elementos da cultura que escolher para expressar-se.
8. A identidade do sujeito não está confundida com os elementos fundamentais de sua mente e, menos ainda, com os elementos secundários de sua vida - mesmo a religião.
9. A identidade do sujeito está no fato de que ele, e só ele, é centro de seu mundo. Não importa por meio de que narrativas e mitos de cultura ele se expressará - é ele, em seu centro de mundo, expressando-se.
10. Há, nesse sentido, uma perversão do conceito de identidade - levar o sujeito a acreditar que a identidade dele está na cultura a que ele se agarrou, de tal sorte que a ameaça de crítica a essa cultura caracteriza perda de identidade...
11. O universo reacionário e mesmo o universo crítico está cheio desses discursos - o risco da perda de identidade...
12. Na verdade, o sujeito é levado a crer que a identidade dele é esse simulacro cultural por meio do qual ele se expressa, de sorte que, quando o simulacro é ameaçado de ruir, traduz-se o fenômeno, retoricamente, como perda de identidade...
13. Não.
14. Trata-se, apenas, de consciência do simulacro. O sujeito vivo, centro de seu mundo, pode, imediatamente re-organizar os elementos disponíveis na cultura, para, mais uma vez, expressar-se, ele, sujeito, por meio deles, os elementos da cultura.
15. Os elementos da cultura são, todos, alternáveis - não são absolutos. Ontológico, aí, apenas essa pulsão viva de ser centro de mundo - que, a despeito de sua força ontológica, é frágil - quando o substrato orgânico cerebral dissolver-se, ela desaparecerá.
16. Assim, não há que se temer "perda de identidade". A isso corresponde, apenas, a morte. Há que se temer a enclausuração retórica numa prisão cultural - quem controlar esse cultura, controla você.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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