sábado, 1 de dezembro de 2012

(2012/833) Sobre cânticos e condenações - a morte como a alma da Bíblia


1. Nietzsche teve uma relação ambígua com o Cristianismo. Num sentido, ele julgava que o Cristianismo fosse "útil" para o entorpecimento das massas - o mesmo ópio de Marx, mas, enquanto Marx denunciava isso como perversão, Nietzsche pensava nisso como instrumento de controle social.

2. Todavia, um outro discurso de Nietzsche se destaca, talvez depois que ele tenha percebido que a modernidade se constituía a partir de e sobre a retórica de compaixão própria da tradição cristã. Nesse momento, Nietzsche se torna implacavelmente crítico. E, aí, ele é útil...

3. O que Nietzsche tem a dizer da Bíblia, por exemplo, quando se expressando por meio dessa última "fase", é que é um livro de sacerdote. No conjunto e nas amarrações, ele está certo - certíssimo.

4. Sim, há lá, no meio, profetas e sábios. Mas são todos eles, profetas e sábios - o próprio Jesus, alguma coisa entre um e outro, talvez, mas, jamais, em nenhuma hipótese, "sacerdotal" -, foram cooptados pela alma sacerdotal, de modo que a Bíblia, enquanto conjunto, seja o AT, seja o NT, é sacerdotal.

5. A sua marca fundamental é a morte. A morte - a matança, o cutelo - parece ser a neurose divina na Bíblia. Naturalmente que o leitor e a leitora entendem que falo dos autores, vários, que escreveram os textos: a morte habita as suas entranhas...

6. Morte, a deusa, mãe-avó e mulher de Deus. Deus mata a humanidade toda no dilúvio, mata os egípcios, mata os judeus, mata os cananeus, mata o próprio Filho e matará a todos no final, exceto os "seus"...

7. Morte...

8. O pior de tudo é que se usa a palavra "amor" para embrulhar esse coração sacerdotal...

9. Essa morte está lá por uma razão específica: o Templo vive de morte. Nada mais se faz ali, salvo matar. Mata-se de manhã, mata-se de tarde, mata-se de noite. Mata-se tão trivialmente que é necessário criar uma ocasião especial para a morte especial: uma grande morte, maior do que todas as mortes cotidianas...

10. Depois, canta-se. Mata-se e canta-se. Morte e cânticos. Você vive num lugar assim e se torna um tanto desequilibrado.

11. Seu desequilíbrio se agrava, ainda, por uma especificidade dessa matança - é uma matança por causa do pecado. O povo não presta, é pecador, Deus quer matá-lo, mas, para não o matar - ainda! - aceita que se matem bichos no lugar do povo.

12. Não se trata de uma festa, como no candomblé, em que se matam bichos para alimentar os deuses. Não é uma festa - é um tribunal, é judicial a coisa toda, é o redirecionamento da ira e do ódio "santos"...

13. Imagine um sujeito vivendo dez anos nesse lugar. Ele só conhece a morte e a condenação. Quando olha para um judeu, só vê trapos de menstruação, como dirá Isaías. Não sabe, não aprendeu, não lhe ensinaram outra coisa que ver - só a condenação...

14. Por isso, acho fundamental, revolucionária, cabal, inapelável, a fala de Jesus à mulher adúltera...

15. Não te condeno!

16. Cessem as mortes!

17. Terminam aqui, hoje, as condenações...

18. Mas, então, vem Paulo...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Unknown disse...

Vem paulo é?
Fiquei curioso professor

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