_ Afinal, qual
era o fruto que deu azo a toda essa história?
_ Nunca soube,
meu filho. Mas não faz importância, não. Nenhum fruto, por mais caro que fosse,
merecia tudo isso. Era um fruto como outro qualquer, estava lá, pendurado no
galho.
_ Mas não podia
pegar...
_ É, não podia.
Mas pegamos, porque achamos que ele era bom de pegar.
_ E era?
_ Ah, era, sim,
viu, seu moço?, era bom, sim. Tá certo que depois deu naquilo tudo, mas que o
troço, o trem era danado de bom, era.
_ Pegaria de
novo?
_ Pegaria.
_ Fale-me da
roupa que a senhora ganhou...
_ Bem, meu
querido, essa é uma coisa que está muito mal contada.
_ O que
exatamente está mal contado?
_ A coisa da
roupa.
_ Conte-nos.
_ Bem, não
ganhamos roupa nenhuma. Isso é coisa que escreveram depois. As roupas que
começamos a usar fui eu mesma que fiz com folhas que
colhi e recolhi aqui e acolá. Fiz, costurei e usamos.
_ Mas e quanto
às roupas de pele que você e Adão teriam usado?
_ Não, não
usamos, não. Isso é o que eu conto.
_ Mas contam que
Deus lhes teria dado roupas de pele...
_ Não, não deu,
não. Sei que tem quem queira que a coisa seja assim, que matamos cabrito e boi
e cosemos o couro deles. Mas não houve isso, não.
_ Você, Eva,
está certa disso?
_ Pois se não...!
Seu moço, aprume bem a memória. Não se conta, nesse mesmo lugar onde contam que
usamos roupas de pele, que só muito tempo depois que saímos do Éden é que Tubal
e seu povo inventaram de lidar com ferro e as coisas da metalurgia? Pois então:
não tínhamos faca, não, moço. Depois, sim. Mas, naquela época, não...
_ E qual o
interesse, então, em dizer que vocês usaram roupas de pele?
_ Vai-se saber,
não é, não, seu moço? Mas deve aproveitar para alguma coisa e para alguém, se
não, não contavam.
_ Aos produtores
de animais...
_ Vai ver... Mas
talvez não aos produtores, mas aos sacerdotes, que os matavam. Você há de saber
que isso é coisa de muito recente. Assim, eu acho mesmo, viu, seu moço?, que os
sacerdotes escreveram que Deus nos deu roupas de pele só porque é matando
animais que eles fazem seu negócio prosperar. Aliás, depois o senhor faça o
favor de entrevistar Abel, que ele lhe contará essa história de animais e
sacrifícios...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Essa foi ótima. Dei boas gargalhadas. Tivesse tempo faria uma versão em quadrinhos e publicaria no Numinosum (com sua permissão, é claro).
Postar um comentário