segunda-feira, 6 de agosto de 2012

(2012/605) Entrevista com Eva


_ Afinal, qual era o fruto que deu azo a toda essa história?
_ Nunca soube, meu filho. Mas não faz importância, não. Nenhum fruto, por mais caro que fosse, merecia tudo isso. Era um fruto como outro qualquer, estava lá, pendurado no galho.
_ Mas não podia pegar...
_ É, não podia. Mas pegamos, porque achamos que ele era bom de pegar.
_ E era?
_ Ah, era, sim, viu, seu moço?, era bom, sim. Tá certo que depois deu naquilo tudo, mas que o troço, o trem era danado de bom, era.
_ Pegaria de novo?
_ Pegaria.
_ Fale-me da roupa que a senhora ganhou...
_ Bem, meu querido, essa é uma coisa que está muito mal contada.
_ O que exatamente está mal contado?
_ A coisa da roupa.
_ Conte-nos.
_ Bem, não ganhamos roupa nenhuma. Isso é coisa que escreveram depois. As roupas que começamos a usar fui eu mesma que fiz com folhas que colhi e recolhi aqui e acolá. Fiz, costurei e usamos.
_ Mas e quanto às roupas de pele que você e Adão teriam usado?
_ Não, não usamos, não. Isso é o que eu conto.
_ Mas contam que Deus lhes teria dado roupas de pele...
_ Não, não deu, não. Sei que tem quem queira que a coisa seja assim, que matamos cabrito e boi e cosemos o couro deles. Mas não houve isso, não.
_ Você, Eva, está certa disso?
_ Pois se não...! Seu moço, aprume bem a memória. Não se conta, nesse mesmo lugar onde contam que usamos roupas de pele, que só muito tempo depois que saímos do Éden é que Tubal e seu povo inventaram de lidar com ferro e as coisas da metalurgia? Pois então: não tínhamos faca, não, moço. Depois, sim. Mas, naquela época, não...
_ E qual o interesse, então, em dizer que vocês usaram roupas de pele?
_ Vai-se saber, não é, não, seu moço? Mas deve aproveitar para alguma coisa e para alguém, se não, não contavam.
_ Aos produtores de animais...
_ Vai ver... Mas talvez não aos produtores, mas aos sacerdotes, que os matavam. Você há de saber que isso é coisa de muito recente. Assim, eu acho mesmo, viu, seu moço?, que os sacerdotes escreveram que Deus nos deu roupas de pele só porque é matando animais que eles fazem seu negócio prosperar. Aliás, depois o senhor faça o favor de entrevistar Abel, que ele lhe contará essa história de animais e sacrifícios...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Jones F. Mendonça disse...

Essa foi ótima. Dei boas gargalhadas. Tivesse tempo faria uma versão em quadrinhos e publicaria no Numinosum (com sua permissão, é claro).

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