quarta-feira, 30 de maio de 2012

(2012/468) Sobre "o modelo Eclesiastes" a que me referi no Congresso da Unida

1. Estava, agora há pouco, conversando com meu colega de Faculdade, Julio Zabatiero, e choramingávamos as mágoas com os destinos da "religião evangélica" em solo pátrio, quiçá no mundo. Somos ou estamos velhos, de modo que velhos são choramingões. Mais choramingões do que revolucionários...

2. E tocou-se no assunto de minha "reação" no Congresso.

3. Para os desatentos ou desinformados, trata-se de uma vulcânica e pulsional reação que proferi à fala de Julio Zabatiero e Wanderley Pereira (ambos, meus chefes!), no Congresso da Unida, dia 19 passado. Não estava prevista a minha fala, alguém faltou e, então, Wanderley pediu-me que reagisse, como pedia o programa, às conferências que os dois profeririam.

4. Reagi. 

5. Uma das coisas que disse foi que a Igreja se fechou em torno do modelo sacerdotal, e ela não consegue se pensar como outra coisa que não essa neurose de sacerdotes - tudo nela, é templário: os padres e pastores, o "altar" lá na frente, os cânticos intermináveis, as orações, os ritos de lavar e lavar, a auto-imagem do homem como um verme vermiforme, a imagem de Jesus como "Cordeiro" (morto no altar), o papel teocrático do poder... Tudo, aí, tem cheiro de Jerusalém.

6. Um fetiche. Um equívoco histórico de proporções incalculáveis. Isso é minha opinião - e qualquer pode sentir-se livre dela. Mas não eu.

7. Há outros modelos. O profético - da caridade - e o sapiencial - de eleger a vida como expressão da "espiritualidade", isto é: pão, vinho e sexo, ou, dito de forma mais bíblico-poética, "come o teu pão, bebe o teu vinho e goza a vida com a mulher da tua juventude" (ou o homem da tua juventude, faz-se mister registrar).

8. Eu elegi - para mim - o modelo sapiencial. Não me dou mais às práticas sacerdotais e não me fiz suficientemente desprendido para o ativismo de caridade, de resto que, no que diz respeito a meu dia a dia, assumi a dinâmica sapiencial de recorte "eclesiástico" (bem entendido, do Livro de Eclesiastes).

9. Alguém pode dizer que isso seja individualista.

10. E é. No que me diz respeito, é. Todavia, pensando enquanto modelo, não. Ele quer dizer que todo homem e toda mulher poderiam e deveriam viver assim, ter seu pão, seu vinho, seu amor. Não se trata de ser individualista. Se trata de pensar a vida como sendo seu próprio valor. Se trata de não imaginar um sentido para a vida fora da vida - num céu, em anjos, numa escatologia mitológica. Trata-se de olhar para a vida e perceber, como Eclesiastes, que a vida pede é mais vida, e que essa vida que ela pede, sem que para isso seja necessário um mito fundante!, é, com simplicidade, pão, vinho e amor.

11. Retornar a vida para a vida. Para cada um de nós e para todos. Democratizar o "shalom" bíblico - terra, casa, família, pão, saúde - para cada um e para todos os seres humanos. Para isso, voluntarismo apenas não é suficiente: mas as rotinas para alcançarmos essa situação são políticas, não são "religiosas". Não será na liturgia que isso se dará. Nesse sentido, a liturgia pode inclusive ser alienante. Ou não. Mas mesmo quando a liturgia se fizer "prozac", e não "lexotan", ainda assim não será ela a conseguir o pão, o vinho e o sexo.

12. Quando você escolhe o valor, o que é fundamental, tudo o mais se torna dispensável. O valor, para mim, é a vida, o pão, o vinho, Bel, que cada um tenha seu pão e vinho e "sua Bel" (ou "seu Bel"). Não será, decerto, sem luta, que alcançaremos essa situação.

13. Lamentavelmente, a Igreja transformou-se numa "coisa", numa "estrutura" divinizada e que se fetichizou. Um ídolo. Ela, que iniciou sua história manejando a palavra liberdade é, hoje, uma cadeia - seja operando conscientemente para isso, seja operando psicologicamente no diapasão pós-moderndo da alienação neoliberal.

14. Uma desgraça.

15. Respeitadas as exceções - que talvez sejam muito poucas, foi em relação a essa situação que me posicionei de modo crítico. Mas não está autorizada qualquer interpretação de minha fala que a tome como um "viva eu e dane-se o outro". Não. Não quero para mim. Que para mim, também, mas quero para todos. Nesse sentido, de modo bem marxista: a cada um segundo sua necessidade, e acada um conforme sua capacidade. No macro, esse Marx. No micro, aquele Eclesiastes.

16. Agora, senhores, mãos à obra: que desejá-lo está longe de ser tê-lo. É preciso, pois, construir o desejo, fabricá-lo também de barro, que a vinda não é apenas sonho, e, se é, é de corpo a sonhar com corpos.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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