quinta-feira, 5 de abril de 2012

(2012/363) Oração: um resíduo envergonhado da magia

1. No livrinho que escrevi para a coleção da MK - O que é Fé -, que estou em dias de reescrever e republicar, classifiquei quatro tipos de atitudes humanas, naturalmente que diferentes entre si, e que chamamos, contudo, pelo mesmo nome: fé.

2. Uma dessas atitudes é o encanto - isto é, a magia. Um dos tipos de magia é a oração.

3. Todavia, a oração não é mais magia em sentido pleno. É um tipo especial de magia - por isso, fraco. 

4. A magia clássica pensa-se como a ação direta ou indireta e eficaz sobre as coisas. É o mago que, diretamente, encaminha a magia, ou indiretamente, a despacha. Por exemplo, o "olho mau" (direto) e o voodoo (indireto). Na Bíblia, por exemplo, a praga, ou, como a conhecemos, a "palavra profética".

5. Nessas modalidades, a eficácia da magia se dá pela compreensão de que a força disponível é impessoal, e basta saber como acionar a sua eficiência. Simão queria comprar isso de Pedro. E faz sentido, a despeito da narrativa de Atos, porque o que caracteriza esse mago é a capacidade que ele tem de usar a força impessoal disponível a qualquer que saiba manejá-la.

6. Já a oração é um tipo de magia fraca, mas, ainda assim, magia, que opera sob outro regime. Trata-se de ter de fazer mover-se a mão forte de um deus pessoal. Não se trata de um botão que você aperta e a coisa acontece. A força não pode decidir se vai ou não - se o botão é apertado, ela vai.

7. Na oração, não. Você tem de depender do fato de que o deus pessoal possa querer ou não fazer a coisa.

8. Não há, de fato, poder verdadeiro em quen ora. Você pode até rir-se dele. De um Eliseu não, que ele te manda a ursa... Mas de um mago de oração "moderno", tudo depende de se o deus pessoal a quem ele se dirige vai ligar para a reclamação dele e atender seu pedido de vingança. Se o deus pessoal estiver indisposto, mais uma razão para que se ria do pobre coitado.

9. Querem um flagrante? John Knox, que, consta, orava assim: "ou Deus me dá a Escócia para Jesus, ou morro". Veja como só lhe resta a retórica afetada. Ele não tem poder nenhum. Claro, vai lá, pregar de casa em casa, se for o caso, mas basta que o ouvinte lhe mande lamber sabão, e acaba seu alvoroço missionário. Ele não pode simplesmente intrometer-se na consciência das pessoas. Mas crê que deus, sim, e, então, faz sua bruxaria-oração, fraca e débil, mas, ainda assim, magia.

10. Branca?

11. Estou em dúvida. Talvez seja negra. Acredito que, se os magos da oração moderna fossem verdadeiros bruxos, isto é, um Balaão, capaz de rogar pragas eficientes, ou um Eliseu, evocador de monstros terríveis, acredito que se os crentes pudessem usar diretamente o poder de deus para tudo e qualquer coisa, já teriam convertido todos os habitantes do planeta.

12. Não, não respeitariam ninguém. Não é próprio da obra missionária o respeito. A dissimulação, vá lá, mas o respeito, não. Já se sai de casa, já se entra no avião, para fazer do outro uma cópia mais ou menos fiel de si mesmo. Deus mandou - argumenta-se, e tudo se resolve, ainda que Deus tenha mandado, também, vender tudo e dar aos pobres...

13. Assim, as Juntas Missionárias treinariam magos para, com dois alakazans, mudarem a consciência de todo mundo.

14. Depois, começaria a guerra dos magos - um mago dessa igreja a lançar feitiços para a conversão (verdadeira, porque ele é falso, seria o argumento!) do mago daquela outra igreja. Guerra Final. Quando terminasse, restaria apenas um de de pé, arfando de satisfação...

15. Mas essa é uma magia debilitada e fraca. Ficará na retórica e na bravata. Orarei, e deus fará isso e aquilo. Humhum... Fosse mago, mesmo, ele mesmo faria.

16. Mas ele ainda se crê mago. Tem de acreditar. Tem de pôr toda a sua debilíssima fé nisso: eu posso orar e fazer deus agir a meu favor...

17. Para ele, é para isso que deus serve.

18. A última geração dos magos.

19. Depois dele, a secularização definitiva, a consciência de que a vida é aleatória, e que a chuva que cai sobre a lavoura do vizinho e não sobre a minha responde àquelas nuvens ali...

20. Enquanto eu julgar que posso mover o vento, e empurrar a nuvem para minha horta, sou mago.

21. No caso cristão - um mago envergonhado: ó, deus, empurra minha nuvenzinha, vai...

22. Magos humílimos, humilhados, ou fanfarrões, bravateiros.

23. Mas a última fornada de um forno já apagado...

24. Não é por outra razão que se transformou em teatro de TV.

25. Virou show de mágica.

26. Igual a todos os shows de mágica...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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