sábado, 31 de março de 2012

(2012/341) Esse preto não tinha alma - e, ainda assim, amava a liberdade

1. Os pretos não tinham alma, discutia-se na alta Teologia. Pretos são mãos e pés ambulantes, dizia-se na época de Marx. Pretos são propriedade. De crentes, inclusive. Os primeiros presidentes - crentes! - dos Estados Unidos eram escravagistas e tinham escravos.

2. Veja o caso batista, por exemplo. Há uma discussão interminável sobre qual foi a primeira igreja batista brasileira - a da Bahia ou a de Santa Bárbara d'Oeste, em São Paulo? O constrangedor desta é que foi fundada por batistas vindos do sul dos Estados Unidos, batistas escravagistas, aborrecidos com o rumo da Guerra de Secessão. Não podiam ter escravos lá, teriam aqui, nessa boa terra de Deus. E tiveram. Escravos de roça e de tarefas domésticas.

3. Ora, meus senhores: o Ocidente cristão inteiro era escravagista: Inglaterra anglicana, Holanda reformada, Espanha e Portugal católicos, França de tudo um pouco, Estados Unidos de puritanos - a Cristandade inteira, senhores, toda, unida, a esfolar o couro de negros. Não quero falar de estupros.

4. A Assembléia de Deus, nos Estados Unidos, nasce branca, segregacionista, racista e de classe média. Só na década de oitenta pede perdão. A brasileira, não - nasce de negros pobres da periferia e, por isso, argumentou Gedeon Alencar, e concordo, as igrejas tradicionais tanto os ridicularizaram: pretos, pobres e analfabetos, essa gente pentecostal. Todavia, cuidado, cavalheiros, que pobres e pretos também sabem ser canalhas: é só ver o papel que esses pobres e pretos reservaram à mulher nesse Igreja de pobres e pretos...

5. Mas não é o caso de falar de mulheres, mas de pretos. Cada preto do Ocidente devia fazer peregrinações à Inglaterra, ao norte, onde surgiram as fábricas, o carvão. Não se deve só a isso - à Revolução Industrial, mas é bem a isso também que se deve a "abolição" - seu Deus libertador, negros senhores, chama-se torno e forno, se me faço entender. Não fora a indústria, ainda estávamos a ver cristãos a esfolar propriedades em revolta e fuga - tronco, chicote e estupro. Ganharam as favelas, é verdade, mas acho que não prefeririam o tronco...

6. No atacado e no varejo. Nas pequenas burocracias da economia. Um dono de escravos, um escravo fugitivo, um tipógrafo, uma editora, um cola-cartazes - o mercado faz-se em torno dos homens sem alma: e, aqui, falo, naturalmente, não dos negros...

7. O que aprendemos? Nós, cristãos? Numa palavra? Nada. Em duas? Absolutamente nada. 

8. Mudamos só de produto. Mas nosso pecado e empáfia ainda se faz presente nas economias do dia a dia, em todas as questões sociais, em favor do que Deus se pronuncia na Babel dos púlpitos a cada sessão homilética.

9. É uma vergonha.






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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