quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

(2012/122) Provocação teológica - sobre os riscos de um Deus que não dorme



1. A tradição judaico-cristã se orgulha de um Deus que não dorme. Pelo que vimos há duas postagens atrás, isso tem a ver com o fato de que, não podendo cuidar de todos ao mesmo tempo - 7 bilhões é gente demais -, Deus cuida de alguns e, aí, coisas acontecem (eu pensei em escrever aquela frase da camisa do Forrest Gump, mas desisti).

2. Como os homens percebem as coisas, e, tendo se dado conta de que Deus tem um limite de cuidado xis, o único jeito de aumentar esse limite era fazer com que Deus não dormisse. Uma tortura, eu sei, mas a necessidade do povo de Israel falou mais alto, como quando os franceses percebem que precisam desesperadamente de foie grás...

3. Você pode achar que estou brincando, mas estou falando sério! Mais recentemente, esses mesmos judeus proibiram Deus de fazer o mal, também tentando com isso ver se as coisas melhoravam. Antes disso, como eu disse, proibiram-no de dormir...

4. Os efeitos, hoje se sabe, da privação do sono são terríveis. Não quero preocupá-los muito com isso, mas observem o que se sabe sobre as conseqüências da privação de sono:
No final de Outubro de 2007, um estudo publicado na "Current Biology", dirigido por Matthew Walker, do Laboratório do Sono e Neuroimagem da Univesidade da Califórnia, mostrou alguns efeitos da privação do sono em transtornos psiquiátricos. "É quase como se, com a falta de sono, o cérebro ficasse com uma atividade mais primitiva", diz Walker. Um Grupo de 26 pessoas, dividido em dois, foi testado e a metade do grupo que passou cerca de 35 horas sem dormir, ao observar imagens desagradáveis, teve reações cerebrais 60% mais intensas que o outro grupo, que dormiu normalmente. A privação de sono, segundo o pesquisador, destrói mecanismos que regulam aspectos chave da saúde mental. Walker afirma: "O ponto básico é o de que o sono não é um luxo. É uma necessidade biológica e sem ele o indivíduo pode sofrer conseqüências cognitivas e emocionais".
5. "A privação de sono, segundo o pesquisador, destrói mecanismos que regulam aspectos chave da saúde mental". Coisa grave.

6. Eu começo a me perguntar se aquelas crises de violência aguda que Deus teve - dizimar a humanidade no dilúvio, matar os egípcios e, depois, os judeus, naquele episódio do "Mar Vermelho", matar os cananeus todos, depois, os israelitas, depois, quase todos os judeus, sem contar os episódios isolados, aqui e ali, e lá se vão homens, mulheres, crianças, grávidas, nossa!, um horror...

7. Até hoje eu tinha culpado diretamente Deus por essas carnificinas, como Saramago o fez naquele manifesto chamado O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Mas acho que, privado do sono pelos salmistas israelitas e judeus, acho que Deus conseguiria ser absolvido num tribunal cósmico, alegando disfunção momentânea de "aspectos chave de sua saúde mental"...

8. Recomendo severamente, senhores, que deixem Deus dormir por uns dias...

9. Porque, sabe aquela ursa que devorou os meninos que caçoaram do profeta?, pois é, acho que ela não tinha hibernado aquele ano...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. Daria uma excelente epígrafe para meu post:

A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu (José Saramago, Intermicências da Morte).

Um comentário:

Rômulo Salles disse...

Para mim, mestre, fica clara a natureza provocativa no texto.rsrsrsrs Mas acho que o problema, assim como não estava em Deus, também não estava nos judeus.....Percebe-se que a teologia em ISrael é sempre provocada, seja por demandas de politica e religiosidade internas, seja por concorrer com outras potencias, sejam religiosas ou politicas....Como voce mesmo disse:"2. Como os homens percebem as coisas, e, tendo se dado conta de que Deus tem um limite de cuidado xis, o único jeito de aumentar esse limite era fazer com que Deus não dormisse". A necessidade de que Javé estivesse sempre atendo, guarando saidades e entradas agora e para sempre era indispensavel. Este é o Deus da teologia popular, que não dorme, que não sofre, que não sente,mas isso, sempre antangonizando a possibilidade de limitações, visto que é uma teologica que prima pela proteção e cuidado. Hoje a teologia popular, penso, é mais fruto de problemas na saúde e segurança pública do que propriamente de uma reflexão bíblica ou envolvimento comtemplativo devocional. Acho que isso só mudaria se Deus deixasse de ser um meio para ser um fim em si no que tange nosso interesse em concebê-lo. Abraço e muita saudade!

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