1. Nunca fiz terapia. Uma vez, quase ao fim de meu doutorado, sob pressões da morte de Bouzon derivadas, Bouzon era meu orientador e fez-me o favor de morrer a um ano de eu defender a bendita, sob pressões "diabólicas", então, Bel levou-me, era caso para tanto, a uma médica. Não, não era psiquiatra, psicóloga, médica de cabeça, de neurônio, de doidos. Era clínica.
2. Eu devia ter desconfiado. 2007. Uma sala estranha, pequena, no centro de Nova Iguaçu. Uma mesa com uma atendente mais estranha do que a sala. Um telefone de 1832. Uma estante a precisar de calços de um lado. Nela, milhares de envelopes de papel pardo. Milhares. Mais um envelope em qualquer espaço e eles explodiriam, envelopes para todos os lados.
3. Não podia dar em boa coisa. Não deu. Seja como for, foi a única vez, minto, houve uma, depois, em que falei duas ou três coisas pessoais ao especialista. Deu-me um remédio que me dava tremedeiras. Ó, nada de dirigir, heim! Duas semanas para eu acostumar com o veneno. Até lá, as mandíbulas, às vezes, crispavam.
4. Depois foi um "psicólogo" zen. O consultório era ainda mais doido do que a daquela médica. É uma característica de Nova Iguaçu, bem se vê. Batemos um papo longo, mas não entrei em detalhes. Medicou-me pílulas de folhas - uma delas com gosto horrível: pareciam fezes embaladas em plástico. Disse-me que minha "caixa" - com o que ele se referia à minha cabeça, esquentava muito: um HD que superaquece. Tem de relaxar, rapaz, pensar menos...
5. Ir lá pra escutar o que Bel me fala vai fazer 25 anos em maio próximo!
6. Não, eu nunca fui nem, de livre vontade, irei a analistas. Se preciso, consulto-os para que me receitem uma droga qualquer de tarja preta, tremo, trinco os dentes e sigo, mas sentar e falar com um estranho sobre mim, jamais!
7. Bel, coitada, ouviu-me demais e sobre tudo. Todos os porões de minha alma - e não são poucos -, abri-os para seus olhos negros. Bel pareceu não dar muita importância. Deve ter pego uma pá, cavado e enterrado, como os gatos. Mas, para mim, bastou - posso olhar nos olhos dela, porque ela sabe quem sou eu. E é só ela. Ninguém mais. Porque quem cuida saber algo de mim não sabe é nada, e, se pensa que sabe, passe ali na repartição para pegar o certificado de tolo...
8. Bem, mas você veio aqui para dar risadas.
O melhor da terapia
Texto enviado por minha mãe, que é psicóloga, dedico a todos que, assim como eu, fazem terapia!
"O melhor da terapia é ficar observando meus colegas loucos. Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete loucos todos os dias, meses, anos, se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos passei longe deles. Pronto, acabei diante de um louco, contando minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando estar louco semanal. O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos, e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a pouco. Ninguém olha pra ninguém. O silêncio é uma loucura. E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses. Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo criativo. E a sala de espera de um "consultório médico", como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto apulo coelho como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos: na última quarta-feira estávamos:
1. Eu,2. Um crioulinho muito bem vestido,3. Um senhor de uns 50 ano, e4. Uma velha gorda.
Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do princípio que todos eram loucos, como eu. Senão não estariam ali tão cabisbaixos e ensimesmados.
2. O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o namoro e não conseguiu entrar como sócio do "Harmonia do Samba". Notei que o tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava umas olhadas furtivas para dentro da mala assassina.
3. E o senhor de terno preto, gravatas, meias e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem tiques, já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas. Insegurança total. Medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz esse meu personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra. Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.
4. Mas, a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de 30 anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o problema dela? Uma velha masturbadora? Não. Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de que mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela se a conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com meu psicanalista. Conto para ele a minha "viagem" na sala de espera. Ele ri... ri muito, o meu psicanalista, e diz:
- O Ditinho é nosso office-boy;
- O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios la no Ipiranga e passa aqui uma vez por mês com as novidades.
- A gordinha é Dona Dirce, minha mãe.
- E você, não vai ter alta tão cedo!"
(Luis Fernando Veríssimo)
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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