quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

(2012/078) Reação de Luciano ao post (2012/074) Sobre dois tipos de leitura que nos apaixonam



1. Luciano, leitor de Peroratio, reage ao post (2012/074) Sobre dois tipos de leitura que nos apaixonam. Foi - ou não foi? - apaixonada a sua reação?

Mas, Osvaldo, ONDE, POR DEUS, ONDE SE VAI CHEGAR COM ISSO?
Se se ama a idéia de verdade ou a possibilidade de se chegar a ela, mas, por outro lado, se classifica a chegada a ela, à verdade, como "coisa velha", "lamber o mármore da fixidez institucional" ou "longa noite", o que é que estamos fazendo? Não estamos brincando, como quem resolve aprender a língua klingon para os encontros periódicos de fãs de Star Trek?
Para quê perseguir algo que não quero encontrar, já que se o encontrar estarei cedendo à "índole do sistema"?
Sim, é extremamente difícil lutar, libertar-se, sobretudo quando o fim da luta ou da libertação é flutuar no ar, porque, se pousamos, é de novo a "mente aprisionada em cárcere auto-vigiado".
A pessoa rejeita tudo aquilo em que creu durante sua vida toda, tudo aquilo que fundamentou sua vida, seus valores, depois da "extremamente difícil" luta interior, conflitos, lágrimas, desespero, e para não chegar a nada!!! Para viver perseguindo a linha do horizonte e torcendo para que não apareça o cume do Monte Pascoal, porque, se aparecer, terá que se desviar?
Como é isso?
Dia desses eu estava decidido à busca, à libertação a partir da minha lista de livros, da sua, então fiquei pensando no que seria essa jornada, no que foi a jornada daqueles homens, daqueles pensadores, se eles encontraram algo, já que desmentidos, reinterpretados, relidos um após o outro pelos que se lhes seguiram, e se eu encontraria algo ou se chegaria ao fim da vida olhando ainda para o horizonte... e ainda desejando não ouvir jamais o terra à vista...

2. Meu comentário: bem, Luciano, a sua reação não está diretamente ligada à possibilidade ou não de haver os dois caminhos. Você levanta, prostaticamente, passionalmente, visceralmente uma questão: para que abandonar o caminho de agarrar-se cegamente, visceralmente, a uma idéia, e passar a caminhar desconfiado, crítico, atrás da verdade, mas, como diziam os antigos, com um olho no padre e outro na missa?

3. Bem, Luciano - eu não tenho certeza se o tipo de questão que você levanta é uma questão que se possa responder. Penso que se trate mais de uma convicção de princípios: você se dá conta de que se ter agarrado a idéias, só porque vieram embaladas em autoridade, em papéis coloridos, em discursos apresentados com tons de revelação, não é lá muito confiável. Tenho certeza de que se você aplicar esse parágrafo que escrevo nesse momento a outra fé qualquer - Hare Krishna (e eles crêem, não?) ou a Testemunhas de Jeová, tenderá a concordar comigo: difícil é aplicar a nós mesmos! Porque, nas (maioria das) religiões, nós sempre estamos certos e os outros, errados.

4. Assim, primeiro separemos as questões: há os dois caminhos ou não? Eu menti, quando disse que há dois caminhos pelos quais almas diferentes se apaixonam, ou não?

5. Depois disso, ficará mais clara a questão, mas, ao mesmo tempo, aí, sim, estará aberta a sua contestação nos moldes em que apresenta sua reação. Se bem que não sei se foi tanto uma contestação quanto uma perplexidade...

6. Todavia, você exagera - daria um bom advogado, caso já não o seja. Deixe-me dizer de forma mais simples. Nesse caminho alternativo, não é que não haja conteúdos a que você aplique o rótulo de verdade. Há. E muitos. Eu diria até que o conceito de verdade cai melhor nele do que no primeiro caminho (heurística). Todavia, e esse é o ponto, seja qual for o conteúdo que esteja em sua mão, você terá sempre a disposição prévia, o ânimo, a prática de jogar esse conteúdo fora assim que as evidências racionais, críticas, justifiquem tratar-se de uma ilusão, de um erro, de um equívoco.

7. Nesse caminho, nesse tipo de leitura, você ama a idéia da verdade mais do que os conteúdos que se arrostam ser verdadeiros. Mas a sua alma é crítica, você é um duvidador metodológico. Se a verdade soçobra, oba!, descobrimos que estávamos enganados, vamos em frente. Você sabe que pode estar enganado, sempre, a qualquer momento, em qualquer tema, e está preparado, ansioso, que alguém lhe ajude a descobrir que, de fato, estava. Esse caminho avança pela demonstração dos erros!

8. Nesse caminho, a verdade é sempre provisoriamente verdadeira, enquanto não se revela falsa - e você não luta contra isso. Você sabe que é assim que a coisa funciona.

9. Essa é a direrença entre Idade Média, Modernidade e Pós-Modernidade: na Idade Média, as almas são treinadas a acreditar até a morte, sem duvidar (um crime!) - não há crítica, por força da autoridade que a impede e castiga. Na Modernidade, as almas são treinadas para serem ousadamente críticas: "ouse saber", dizia Kant, "onde quer que estejas, cava profundamente, embaixo fica a fonte", dizia Nietzsche", e "enquanto não começarmos a entender, nossos espíritos estarão desarmados", diz Morin (todas, epígrafes de ouvirovento) - a crítica é a marca da Modernidade, mais do que qualquer outra coisa. Já na Pós-Modernidade, a verdade foi tornada ficção, indiferente modalidade de discurso narrativo, de modo que a crítica se torna exercício inútil, arrogante até...

10. Na Idade Média, a fé é a única opção - duvidar é morrer. Na Modernidade, a fé (cega e incontestável) é um vício, que precisa ser corrigido pela atitude crítica. Na Pós-modernidade, a fé é uma película cinematográfica...

11. Aquela leitura que está carregada de valor crítico é a leitura moderna, crítica, ciosa de que a mente humana não pode chegar a verdades absolutas e que, mesmo para as verdades antropológicas sobre o Universo, aquelas a que o homem pode chegar, mesmo nesses casos, o homem pode estar enganado. O homem sempre pode estar errado. A fé cega não pode deixar que o homem reconheça isso - se ele reconhecer, a fé desaba... É contra isso que se luta, na fé: o risco da insegurança. Quanta violência a insegurança não perpetra?

12. Antes, dedicava-se o homem a defender a sua verdade. No caminho moderno, ele se dedica a verificar, por todos os meios, se seu conteúdo está correto. Antes, fé, hoje, crítica.

13. Penso que o exercício de sair do próprio casulo fica mais fácil, quando você pensa no sujeito que é epistemológica e psicologicamente igual a você, mas está em outra fé. Você terá facilidade de aplicar (quase?) tudo que eu disse a um terceiro: a um "teleguiado" da Universal, a um adepto do candomblé, a um frequentador de centro de mesa, a um islamita fanático - ou não -, a um aborígene da Austrália, a um pigmeu e seus ancestrais mortos-vivos, a um pajé sioux ocidentalizado, a um descendente maia que adora o sol, a um adorador de kamis japoneses. O difícil é aplicar a si mesmo, quando se é cristão.

14. Todavia, eu não estou a dizer: faça. Ninguém mandou que eu fizesse. Eu apenas fiz. Se for sua vontade, faça. Se não for, não faça.

15. O que não mudará em absolutamente nada o fato de que há dois tipos de leitura que nos apaixonam...

16. Para encerrar, eu recomendaria a leitura de um livro patrocinado pela UNESCO, mais do que isso, encomendado por ela, de Edgar Morin, Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Lá, sobre o que deve começar a ser ensinado às crianças em primeiro lugar é: "sempre podemos estar errados".


OSVALDO LUIZ RIBEIRO


PS. na leitura, ou no caminho, em que se ama a verdade que se tem na mão mais do que a idéia crítica da verdade, o que ocorre quando, por um desastre qualquer, se chega a descrer da verdade em que se cria até há três minutos? Algo assim: o sujeito, batista, passa a crer visceralmente em Calvino. Mudou? Não, é o mesmo que antes: só trocou o "precious" que esfrega nas mãos. O sujeito era protestante, torna-se católico. Mudou? O sujeito era cristão, torna-se umbandista. Mudou? Vale o inverso também - o sujeito era espírita, torna-se cristão. Mudou? Mudou nada: é a mesma estrutura epistemológica e psicológica operando. Porque em todos esses caminhos, é a paixão pela verdade que se tem nas mãos que conta - e que cega.


Agora, é verdade que pode haver tanto cegos no caminho crítico, quanto gente lúcida no caminho acrítico. Isso significa que estão deslocados. Mas sempre é possível que isso aconteça. Mais, é bastante provável e razoável que aconteça.

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