quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

(2012/033) Quando finalmente salvarmos a religião...



1. A mulher padeceu nas mãos do Cristianismo. Eventualmente, não se pode culpar todos os cristãos por isso - mas o Cristianismo, sim. Nisso, nunca esteve só - antes, muito bem acompanhado, porque as carnes da mulher serviram, desde há muitos séculos, para toda sorte de maldades. Todavia, ser nisso acompanhado por todos não resulta em atenuantes para o cristão, justo ele, dado a considerar-se único...

2. Recentemente, todavia, o Cristianismo começou a mudar. Não foi exatamente intenção sua, mas o Cristianismo conheceu, tem o quê?, cem?, duzentos anos?, uma revolução ética, e, desde então, muito lentamente, a mulher tem sido melhor tratada dentro dessa religião.

3. Imagino que, no futuro, se as coisas continuarem assim, a mulher terá sido totalmente emancipada dos cânones de posse, manipulação e soberba dos homens cristãos e, então, a religião estará salva de si mesma, controlada por nós, homens e mulheres emancipados.

4. Não é preciso que a religião cristã acabe: é preciso, apenas, que se civilize, que se eduque, que se humanize.

5. O negro padeceu horrores na mão do Cristianismo. Havia necessidade de bulas, atestando a ausência de alma nessa besta de carga, porque, sem isso, os escrúpulos hipócritas da fé tolheriam o chicote, o tronco, a canga, o jugo. E a Igreja deu-nos as bulas. Nem todo cristão pode ser culpado por isso - houve abolicionistas dentro desse inferno. Mas o Cristianismo, como um todo, sim, vestiu os trajes do diabo, dito pai da mentira...

6. Recentemente, depois das abolições e da desnecessidade das bulas, os negros foram trazidos para o círculo mágico dos homens religiosos: padres e pastores garantem-nos, agora, que negros têm almas, que são gente. Mais uma vez, não foi nenhum movimento interno ao Cristianismo - dependesse dele, ainda haveria chicote e roda: mas, arrastado pelos movimentos humanos, o Cristianismo e Deus vão atrás.

7. No futuro, todos os negros serão cordialmente tratados, como se deve. Não ainda. Na maior nação protestante do planeta, ainda são maltratados, odiados. Demora para que as verdades divinas se dissolvam nas consciências e, depois de 500 anos de Deus a dizer a uma nação que preto é bicho, serão necessários mais 500 pra que Deus desdiga o que dissera a ferro, fogo e tronco. Mas chegaremos lá.

8. Não é preciso que o Cristianismo necessariamente acabe - basta que se humanize, que se torne ético, que seja controlado por nós, homens e mulheres emancipados.

9. Poderia continuar e falar, agora, dos homossexuais - esses, ainda longe de sua emancipação em face do Cristianismo. Mas é só uma questão de tempo, podem apostar.

10. Todavia, o que eu quero dizer é que o Cristianismo estará salvo - ele e todas as demais religiões, quando nós, homens e mulheres, o controlarmos, e não padres, pastores, papas e coisas assim, homens (e também mulheres) auto-intitulados (e reconhecidos!) vigários, representantes, ministros, os fariseus de hoje, impingindo ao mundo uma carga que, nos bastidores, eles mesmos se negam a carregar, Deus o sabe. E também nós...

11. O mal, a desgraça do Cristianismo não está necessariamente nele, mas em quem o carrega nas costas, em quem o formula, em quem se usa desse "jogo" para elevar-se à altura de Deus, para mandar e desmandar, para criar ritos de poder, para escrever normas sobre nossas almas e corpos, normas contadas, calculadas, medidas segundo interesses inconfessáveis. Nossos corpos são os mapas sobre os quais os hierocratas ficam suas bandeiras de fundação!

12. A cura do Cristianismo, sua salvação - bem com de qualquer religião -, a meu ver, passaria por: a) primeiro, a estetização de tudo que nele se pratique, a perda definitiva do caráter político-normativo e falso-heurístico de que ele se serve para controlar as pessoas; b) segundo a humanização radical de tudo que nela se pratique, o que significa tornar o bem-estar humano, em termos humanos e nos limites da ética humana, critério fundamental das relações, dos discursos, dos direitos, dos deveres que nele se enumeram e c) terceiro, a desapropriação radical do poder eclesiástico-hierárquico, o explícito e o dissimulado (esse, evangélico-protestante), por parte do homem e da mulher emancipados.

13. Enquanto houver dogma/norma, "hierocracia" e hierarquia no Cristianismo, não há salvação para ele. Uma tal estrutura não pode prestar real serviço à Humanidade, senão servir-se dela em nome de Deus, também ele, nesse caso, um ovo sacerdotal.

14. Creio, firmemente, na possibilidade dessa cura. Todavia, não apostaria minha mão esquerda de que ela ocorra. É possível, mas não depende de um só de nós - mas de muitos. No entanto, como a multidão de nós confessa justamente o projeto sacerdotal, quais as chances de sermos, de fato, historicamente curados?

15. O que me conforta é que, se eu escrevesse essas linhas no século XVII, em plena época da escravidão, quando também as mulheres ainda sentiam na pele, literalmente, o "poder divino", que razões teria eu para acreditar que, em 400 anos, tudo isso teria quase terminado?

16. Por isso, a despeito das aparências, posso crer que, quem sabe?, em duzentos anos, estejamos, finalmente, salvos...

17. Aí está uma coisa que não viverei o suficiente para ver...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

PAULO disse...

Professor Osvaldo... quanto tempo, não? Então, li o seu texto e só não vou dizer que assino embaixo porque seria muita pretensão. Mas concordo com tudo quanto você disse. Tive apenas uma preocupação, não com você, que sabe o que está dizendo, e nem com DEUS, pois DEUS sabe de si e de todos. Preocupo-me com as pessoas que te leem e, lendo, podem não distinguir o DEUS que É, do Deus que o cristianismo criou e que é o responsável pelas desgraças denunciadas por você. Mas, pensando assim, talvez esteja sendo, também, pretensioso, por achar que as pessoas têm uma capacidade de compreensão menor que a minha. Viu? Você continua deixando os seus alunos em crise. Rsrsrs. Um abração!

Peroratio disse...

Paulo, eu nunca falo de outro Deus senão aquele criado por nossas doutrinas e praticado por nossos corpos. O "outro", eventualmente verdadeiro e real, dele não posso falar e nunca falo. Minto: às vezes, num momento de místico descuido, cuido falar de alguma coisa, entre poesia e verso, mas, acredite, rapidamente, volta-me a lucidez...

Robson Guerra disse...

Oi, pessoal

E quem garante que o "Deus que É" não seja bem parecido com o que foi criado pela Instituição, pelos sacerdotes? Ninguém jamais o viu de fato. Ninguém sabe coisa alguma dele, nem se é um só, nem se, de fato, É. O pensamento de que Deus seja, em sua essência, amor e bondade, não passa de uma idealização, de uma projeção de um anseio nosso (Feuerbach). Pode até ser que ele seja assim, mas quem garante? Não sabemos nem se ele É, de fato.

Tomara, é claro, que se ele for, seja bom, mas nem eu nem ninguém pode garantir.

Um abraço.

Robson Guerra

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