terça-feira, 18 de outubro de 2011

(2011/500) "Racionalidade" não-ctônica - platonismo envergonhado (ou dissimulado?)


1. Talvez tenha ido parar lá a partir do Extremo Oriente - talvez da Índia, da China. O fato é que Platão transformou em "Filosofia" o que o Oriente conhece como "Teologia" - uma metafísica mística e religiosa, que se resume em afirmar que a realidade material, o mundo real, esse mundo, que, agora sabemos, é de carbono e feito nas estrelas, é ilusão, não é verdadeiro, é falso, coisa, em termos da mitologia platônica, de um demiurgo, uma prisão da alma...

2. Quem ama Platão que o beije. Todavia, numa outra roupagem, numa outra linguagem, mas, será correto dizê-lo, sempre próximo de ambientes "teológicos" ou neo-teológicos, surge, eis que, uma proposta muito recente, coisa de cem anos, se tanto, de tratar a racionalidade como "acordo intersubjetivo" - o que faz de qualquer coisa que caiba na linguagem, "racional".

3. O "racional" é tomado como "logicizado", discursivizado. Quando você espreme a coisa contra a parede, ela até reconhece que tem aí uma coisa de pedra, de ferro, tem coisa dura que bate na sua cabeça - mas é uma confissão de porta de cadeia, que não se leva a sério. No dia seguinte, lá vai a mesma reacionalidade enquanto intersubjetividade harmônica...

4. O real, o que fizeram dele? O mesmo que Platão - está aí, mas trate-o com desprezo. Viva dele, coma dele, lambuze-se inteiro dele, dos pés à cabeça, em coitos e comas, mas, na ponta da língua, trate-o como desprezível e desprezado: e eis aí uma parte considerável do que se tem chamado de "racionalidade"...

5. Os Strunfs, Alice, a Bíblia, o Corão, "Papai (ou Mamãe) Posso Ir?", Batman, Ragnarok (o MMORPG), Matrix, Os Lusíadas, aquele romance do "nonada", tudo isso é bem "racional". A Astrologia, a gematria, a cabala, a Cientologia, a Teologia, as lendas urbanas, tudo, tudo isso, racional. A Jangada de Pedra e O Senhor das Moscas, racional. Fina Estampa, racional. Mas em nada disso está o real, a matéria. E, todavia, a matéria vale de quê?

6. Um dia descobrirei por que a modernidade é tão desprezada, por que o real, a coisa dura que nos sutenta, é tão desprezível. Enquanto não descubro, ah, senhores, não me deixo converter. Sim, converter, porque isso de desprezar o real e transformar a racionalidade em bolhas de sabão retóricas é religião. Coisa de crente. Mas vestido de outras roupas...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Anônimo disse...

E aí, Osvaldo? Há quanto tempo!
Essa coisa de tratar o real com desprezo, à la Platão, não acaba sendo um instrumental para que, sempre remetendo a racionalidade à condição etérea do - também platônico - mundo das idéias, poder trazer de lá o que se pretende seja dogmaticamente aceito pelos destinatários e para o fim que me interessam, adotando esse remetente o papel sempre cômodo e útil da providência - ou do filósofo, naquela República - e mantendo aqueles, como você disse alhures, de boca aberta esperando que se lhes dê o quê, quanto e quando se quer dar?
A vacina para o assédio dessa "racionalidade", enquanto não chega de vez um Morin ou um Appel, ou mesmo já com eles, não poderia ser fincar bem os pés lá no século XIX, tão desprezado pelos propagadores desse platonismo, às vezes travestido, às vezes nem tanto?
Abração!

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

É que a modernidade, o real, são grandes estraga-prazeres.

Lembra do filme "Em algum lugar do passado"? Pois é, o personagem principal, através de uma meditação, ou sei lé o que, vestido com roupas de época numa sala escura e fechada consegue em sua mente ir ao passado e viver lá, encontra o amor de sua vida e vive feliz no passado, mas é tudo na sua mente. Em dado momento ele mete a mão no bolso e percebe uma coisa lá: é uma moeda de seu tempo. Aí ele se lembra que é tudo uma ilusão e volta à realidade. Desesperado, ele tenta voltar, mas não consegue. Morre de desgosto. Tudo por causa daquela moeda de verdade, real, concreta. Uma estraga-prazer.

Um abraço.

Robson Guerra

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio