sábado, 23 de julho de 2011

(2011/439) Morrer assim, num dia assim - tributo a Amy Winehouse


1. Maldade da vida. Maldade. Morrer Amy... Mais uma dessa mãe malvada, ela, que nos prega peças terríveis. “Morte anunciada!”, nos dirão – e foi. Mas, ah, quem liga? Que se dane a anunciação! Queríamos é a tua vida, querida, a tua vida.

In Extremis
Olavo Bilac


Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia

Assim! De um sol assim!

Tu, desgrenhada e fria,

Fria! Postos nos meus os teus olhos molhados,

E apertando nos teus os meus dedos gelados...


E um dia assim! De um sol assim! E assim a esfera

Toda azul, no esplendor do fim da primavera!

Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!

Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento

Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...


E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!

Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,

A arredar-me de ti, cada vez mais a morte...


Eu com o frio a crescer no coração, — tão cheio

De ti, até no horror do verdadeiro anseio!

Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,

A boca que beijava a tua boca ardente,

A boca que foi tua!


E eu morrendo! E eu morrendo,

Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo

Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,

A delícia da vida! A delícia da vida!



2. Há quem viva, quem passe todos os dias de todos os anos, e se vai, e nada – e quem soube? Ninguém se deu – nem ela se deu a ninguém... Mas há as existências difíceis, dolorosíssimas, desperdiçadas, que, todavia, no pouco que são, são. Amy se vai, e, no entanto, expressou-se com toda a sua transparência e dor. Matou-se, é verdade, num suicídio sem coragem, homeopático, uma vontade inversamente proporcional de viver/morrer.

3. Que exemplo que nada! Quem está falando de exemplo? Estamos falando de vida que dança com a morte – e se vai... Ficamos nós, ficará a moralidade – assunto para jornais e sermões. Pois ao inferno! Ficaremos é, mais uma vez, saudosos desses diabos meteóricos, que gastam a vida numa combustão de entrada, numa tangente exagerada, num erro de cálculo, no sorver sem medidas a taça de cicuta que é a vida, a vida, querida, a vida, e preferistes a morte... Não éramos suficientemente bons para teu gosto... a vida, insossa...

4. Que os deuses considerem que também nossas vidas, pacatas, sem fogos nem artifícios, tenham algum sentido... Nós, que não nos drogamos, não nos matamos – nem aos poucos! –, que não nos despedaçamos corpo e alma, nós, os adaptados, os serenos, os normais, nós, a gente de casa, de família, de viver a vida em direção à morte, sim, mas com a legalidade do dever e da missão... Que haja sentido nessa mediocridade lúcida que é o (nosso) viver...

5. Que se dane! Não há nada de bom na morte: e a tragédia da vida não é outra que não essa: levar-nos dia a dia, arrastar-nos dia a dia pelos cabelos até aos pés dessa desgraçada e impiedosa diaba... Nunca morrer assim... nunca morrer... nunca...










Documentário











OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Antonio Lima disse...

Adorei a postagem! Tbm sou fan (nao sei onde fica o TIL) de Amy e espero que ela esteja fazendo dueto com Elvis no céu, abcos (tb nao sei onde fica o cedilha).

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