quarta-feira, 22 de junho de 2011

(2011/383) Obrigado, Domenico Losurdo! Muito, muito obrigado!



1. Acabei de ler as 1.200 páginas de Nietzsche, o rebelde aristocrata., de Domenico Losurdo. Fico sem palavras e, ao mesmo tempo, com um mundo delas a querer explodir boca a fora... Que livro!

2. Daniel, meu amigo: História com H maiúsculo - história no chão, na terra. Nenhum parágrafo sem prestação de contas. Mais do que isso: prestam-se contas junto com a nota fiscal - cita-se a prestação de contas, literalmente, na casa do milhar, e interpreta-se, criticamente, a promissória. Tudo sobre a mesa. Nenhum fantasma. Nada de "recusar a realidade", afirmar que ela não conta, não vale, não está lá...

3. Não, não se trata de um show de teatro, como é muita literatura de "História" - e de "Filosofia" - hoje. Muito menos, claro, é pregação - a que se resumem os livros de "Teologia". É História - transcrita carta a carta, dentre as milhares que o filósofo escreveu, parágrafo a parágrafo de seus livros, em ordem cronológica, à luz dos acontecimentos históricos e políticos da época, em paralelo com autores de então. Um "caso" - perfeito! - da retórica de que fala Ginzburg em Relações de Força. "Prova" indiscutível, eu diria...

4. História. Depois de Ginzburg, o que eu mais próximo já vi de História. No conjunto, ainda mantenho Ginzburg no topo. Mas esse Losurdo desse Nietzsche assume o posto radical de "meu historiador preferido"...

5. Eu estava errado (Nietzsche é "mau"), mas eu estava certo. Meu amigo Élcio, um dia, desorientou-se de eu lhe dizer que Nietzsche acreditava, sim, em História (e em método, senhor pregador!). Eu estava louco, meu amigo deve ter pensado, dada a reação incontida. Não, não estava. Tudo quanto Nieztsche era contra, era-o somente quanto aos outros, os defensores do Iluminismo revolucionário, do Socialismo ou do Cristianismo - mas cria nessas mesmas coisas, se são expostas à luz de seu aristocracismo radical: a interpretação dos revolucionários estava errada! A dele, certíssima! Nietzsche, pregador! Nietzsche - moderno!

6. Também acertei no alvo: os intérpretes pós-modernos de Nietzsche e toda uma inteira corrente pós-moderna, ou, ao menos, não-moderna ou contra-moderna, entenderam que destruir a ciência e a objetividade era livrar a "Humanidade" de um Ogro mau... Losurdo concluirá assim a recepção nietzscheana do século XX, com a acusação, ainda, a meu ver, certeira, inapelável, de que inventaram para si um Nietzsche falso, que teria vergonha da imagem que lhe construíram, ele, cioso da necessidade de ser cruel imposta a um homem de sua estirpe e nobreza... Não um maricas contra-violento, bibelô de utopias constrangidas, esse simulacro de parvo em que lhe construíram - defensor do Homem! Defensor dos direitos da autonomia!

7. Adorável livro. Minha cabeça dói. Meu corpo está cansado da leitura. Losurdo não perdoa, não descansa - faz nossos ossos tremerem. Não nos deixa sair do chão, viajar por desejos de transcendência, virar de costas, fugir, fazer mágica de circo - faz-nos olhar a cara da coisa, suas presas, seus olhos de fogo. Não, não é qualquer um que agüenta: não admira que tantos filósofos do século XX tenham se construído à imagem de Alice... Foucault e Vattimo são vítimas especiais de sua desconstrução hermenêutica - literalmente: maus leitores, ele lhes disse (com provas!) (será por isso que Vattimo não liga para provas, nem as quer, nem precisa delas?)...

8. Não superou meus livros preferidos: a) aquele que me reconstruiu corpo e alma - Tratado de História das Religiões, de Mircea Eliade, e, também, b) aquela coleção inadjetivável - O Método, de Edgar Morin. Mas, correndo o risco da excitação, inimiga da prudência, diria que se trata de meu terceiro livro preferido, e isso a despeito de ter feito de meu mais amado filósofo a figura de um homem insuportável, inescrupuloso, um doente, um psicopata transfigurado em filósofo, mas que, no fundo, tinha de si a idéia de um deus a pisar no sangue de suas vítimas naturalmente necessárias. Ele, o Homem-Natureza, ele e os seus, a casta dos bons, dos nobres, dos homens...

9. Ainda o amo. Vai-se entender. Mas é que a parte do discurso que ele fazia sobre e para si e sobre e para os seus, essa eu aceito para mim - e, ao contrário dele, para todos. E nego, rejeito e recuso todo o resto.

10. Obrigado, Losurdo. Obrigado.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio